Caminhos para qualificar e fortalecer a bicicleta nas cidades

Entre os dias 27 e 29 de abril de 2016 foi realizado o IV Workshop – A Promoção da Mobilidade por Bicicleta no Brasil com o tema: “Qualificando e fortalecendo as organizações”.

Durante os três dias foi possível traçar um caminho completo desde as origens da sociedade civil até a sempre necessária lembrança sobre o que nos une, fortalece e dá forças para seguir em frente: a bicicleta.

Quem somos, para onde vamos, por quê vamos?

Clarisse Linke - Foto: Michelle Castilho

Clarisse Linke – Foto: Michelle Castilho

Clarisse Linke, diretora executiva do ITDP Brasil, foi a responsável por dar o contexto histórico logo no primeiro dia. Ao mostrar a evolução do conceito de sociedade civil em relação ao Estado e ao mercado, ela demonstrou a importância do autoconhecimento para as organizações.

O mergulho nas referências deixou claro  como a marcha da história define o papel das organizações. Desde os tempos do Leviatã de Hobbes, até as conceituações de Gramsci e Habermas, a sociedade civil define-se como essa força entre o Estado e o Mercado.

O cenário, com o passar do tempo, torna-se complexo ampliam-se às fontes de recurso, as regulações legais e práticas de gestão. Evoluiu o capitalismo e houve fortes impactos nos caminhos possíveis para o terceiro setor que funciona com híbrido na busca por benefícios coletivos utilizando recursos privados. Equilibra-se assim entre o Estado e seus recursos públicos e o Mercado de benefícios privados.

Certamente a principal conclusão é que precisamos conquistar legitimidade, representatividade e credibilidade, através de uma abordagem centrada no ser humano com princípios éticos que facilitem, capacitem e catalisem formas de participação e o empoderamento das pessoas.  E tudo isso ainda com eficiência e efetividade, tal como a bicicleta, o meio de transporte mais eficiente jamais inventado.

Ferramentas participativas de análise

Montado o pano de fundo histórico, era a hora de colocar a mão na massa. Renata Florentino, coordenadora geral da Rodas da Paz, e Gabriela Binatti, da Transporte Ativo, apresentaram algumas ferramentas participativas de análise que podem ajudar as organizações da sociedade civil a alcançar melhores resultados.

Foi possível conhecer um pouco e sentir como trabalhar na execução de um mapa de atores, simular uma elaboração de cenários e uma análise de fortalezas, oportunidades, fraquezas e ameaças (FOFA ou SWOT).

Assim como em um oficina mecânica, cada ferramenta serve para determinado ajuste. Uma elaboração de cenários precisa de uma grande diversidade de participantes e boa divulgação. Só através da ampla participação será possível produzir resultados além da caixa dos convertidos.

Já um mapa de atores é uma ferramenta de uso interno e não divulgável. Através dela, as pessoas de uma organização podem entender de quem precisam se aproximar para conseguir mais apoios e a quem precisam estar atentos para não ter sua trajetória interrompida por forças contrárias.

Geralmente utilizada em processo de planejamento estratégico, a ferramenta FOFA é de fácil aplicação e por isso bastante popular. Através da união entre o diagnóstico externo e o interno é possível debater uma visão de futuro e a missão da organização.

Formações em Ciclomobilidade

Foto: Michelle Castilho

Marcia Menêses, Renata Florentino, Phelipe Rabay e Renata Falzoni – Foto: Michelle Castilho

Em um painel com mediação de Renata Falzoni, participantes do Workshop puderam conhecer as diferentes aplicações de oficinas de formação em ciclomobilidade em diversas cidades brasileiras. Compuseram a mesa: Daniel Guth da Ciclocidade (São Paulo), Renata Florentino da Rodas da Paz (Brasília), Phelipe Rabay da Ciclovida (Fortaleza) e Marcia Menêses da Mobicidade (Salvador).

O tema da formação foi mais uma oportunidade de entender como cada cidade tem suas motivações e ações bem distintas para alcançar o mesmo objetivo final.

Com mais de 10 anos de atuação, a Rodas da Paz faz uma capacitação do voluntariado para suas ações. O grande benefício é manter uma base atuante de voluntários e ao mesmo tempo ter por perto os “dinossauros”. Um caminho em que se preserva a memória institucional e constrói-se um futuro através da renovação de quadros.

A Mobicidade Salvador fez sua primeira formação em 2016, capacitar para ação também foi o viés. Era importante qualificar as discussões em audiências públicas sobre o plano diretor e o plano de mobilidade. As bicicletas precisavam entrar na pauta e a melhor maneira de garantir que a mobilidade ativa fosse incluída no futuro da cidade era através da multiplicação de vozes, com mais ciclistas em defesa das magrelas.

A Ciclocidade já realizou duas formações, em uma mistura do que é feito em Brasília e Salvador. Buscou-se inicialmente capacitar ciclistas nas mais diversas áreas da cidade a tornarem-se atores relevantes na discussão das pautas relacionadas à mobilidade. O enfoque foi mais centrado nos meios de como realizar incidência política em favor da bicicleta na cidade.

O sucesso da primeira formação foi o catalisador para o aumento das inscrições através do boca a boca o que mostra um caminho necessário (ainda que longo) de investir em trazer cada vez mais pessoas para a discussão.

O aprendizado portanto requer alternativas locais, mas é acima de tudo um esforço que se soma aos poucos nas diversas organizações ao redor do Brasil em busca de aglutinar um país com grupos fortes e unidos em buscas da qualidade de vida nas cidades por meio de uma mobilidade mais humana.

Como transformar informação em ação

 Foto: Michelle Castilho

Victor Andrade – Foto: Michelle Castilho

No caminho para a conclusão do Workshop, Victor Andrade, do Laboratório de Mobilidade Prourb-UFRJ, nos trouxe um panorama dos desafios atuais com riscos globalizados e descontrolados.

Os bichos humanos mudaram fisicamente muito pouco nos últimos milhares de anos, enquanto a organização social transformou-se drasticamente. Nos tornamos incapazes de lidar com a modernização que alcançou tal estágio de complexidade que tornou-se um problema em si mesma.

Urbano por excelência, o planeta moderno do antroproceno é ambiente de gráficos em ascensão exponencial. A taxa de habitantes, sua concentração nas cidades, os gases de efeito estufa etc. Em tudo, a única constante é a velocidade, sempre crescente.

É possível no entanto partir da premissa que o desenho urbano está diretamente ligado aos padrões de comportamento da sociedade. Os resultados do passado são colhidos no presente. Nossas cidades muradas sofrem com epidemia de obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis e a depressão como mal do século XX ainda nos impacta.

Felizmente o horizonte é repleto de possibilidades. Temos no momento o dever de agir para um futuro urbano centrado nos animais frágeis que somos. A política urbana tem  o papel de identificar alternativas de adaptação do atual cenário para maximizar resultados positivos e minimizar as consequências negativas.

Um caminho possível, num horizonte de debate democrático é através da conexão entre ativismo, política e políticas públicas. Embasados em dados de qualidade seremos cada vez mais fortes e capazes de construir novos caminhos. É possível ver janelas de oportunidades nos becos sem saída em que nos prendemos voluntariamente e daí, abrir portas para um futuro com uma humanidade mais saudável.

Organizações de excelência na promoção ao uso da bicicleta

Foto: Michelle Castilho

Marcio Deslandes – Foto: Michelle Castilho

Marcio Deslandes representou a Federação Européia de Ciclistas (ECF) e a World Cycling Alliance para falar sobre “Governança da Bicicleta”. Foi de certa forma a possibilidade de visualizar os efeitos práticos da implementação ao longo dos anos do que foi o aprendido durante o Workshop.

Através da identificação do potencial da bicicleta em diferentes áreas, do mapeamento dos atores e da governança, é possível alcançar grandes distâncias e facilitar para que cada vez mais pessoas pedalem.

De maneira resumida, a governança envolve responsabilidade corporativa (em inglês, compliance), prestação de contas, transparência e equidade.

Transparência é fundamental quando se entende o caráter de benefícios públicos que uma organização da sociedade civil deve promover. É preciso, antes de mais nada, o desejo de tornar público os caminhos seguidos, tanto como prestação de contas, quanto para colaborar no aprendizado coletivo de todo o setor.

Para além de todos os conceitos teóricos, governança no terceiro setor envolve estabelecer parcerias, construir pontes e criar alianças que com o passar do tempo fortalecem o grande objetivo comum, ter mais pessoas em mais bicicletas mais vezes.

O Amor à Bicicleta

Foto: Michelle Castilho

Renata Falzoni – Foto: Michelle Castilho

Renata Falzoni,  cicloativista do “Bike é Legal” brindou a todas as pessoas no Workshop com a mais bela e empolgada declaração de amor pelas duas rodas movidas a pedal.

A palestra de encerramento foi o momento da pura inspiração e o momento para relembrar porque é preciso dedicar tanto esforço, na maioria das vezes puramente voluntário, em prol das bicicletas.

Falzoni, claro, passou por todas as vantagens da bicicleta, eficiência, justiça social, eficiência energética etc.  Seguiu por entre as mais diversas definições do que a bicicleta representa para as pessoas. De óculos para ver a realidade social até a capacidade que a magrela tem de levar-nos para além dos nossos próprios sonhos.

O percurso foi então para a analogia dos ciclistas como um grupo de viciados em endorfina que busca sempre aliciar mais gente para o consumo da “droga da felicidade”. Aquela que nosso corpo produz sozinho, sempre que praticamos o esforço físico repetitivo de girar os pedais.

Com um efeito similar aos opióides, a endorfina atua no nosso sistema nervoso central, inibindo a dor, trazendo euforia, aumentando o bem estar, prevenindo contra a depressão e controlando a ansiedade. Em resumo, é um medicamento que não se vende com benefícios individuais que contrabalançam praticamente todos os efeitos negativos do desenho urbano segregador praticado ao longo do século XX.

Nas palavras de Renata, essa paixão que nos move enquanto pedalamos precisa ser radical no amor, ou seja, praticada com um certo amadorismo daqueles que acreditam nos seus ideais e os promovem para além de cálculos puramente financeiros.

Que venha o V Workshop e que a inspiração que circulou no Studio-X Rio, com o apoio do Banco Itaú possa se propagar pelas ruas brasileiras. Obrigado a todas e todos e pedalemos juntos até 2017.

As melhores iniciativas em prol da Bicicleta

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Saiu o resultado do “III Prêmio – A Promoção da Mobilidade por Bicicleta no Brasil“. Foram ao todo 37 inscrições nas três categorias. Destaque absoluto foi a bela disputa entre os empreendimentos, foi tão concorrido que acabaram sendo dadas três menções honrosas ao invés das esperadas duas. Já as outras duas categorias tiveram resultados quase de consenso entre a comissão julgadora.

Ação Educativa e Conscientização

Vencedor           Ciclocidade – Bicicleta Faz Bem ao Comércio –  São Paulo

Menção Honrosa          Rodas da Paz – Caminhos da Cidade –  Brasília

Levantamento de Dados e Pesquisas

Vencedor         Ciclo Urbano – Pesquisa Origem Destino –  Aracaju

Menção Honrosa        Cidade Ativa – Painéis interativos para a Paulista Aberta – São Paulo

Empreendimentos

Vencedor          Úrbici Café – Fortaleza

Menção Honrosa          Bike Rio Café –  Rio de Janeiro

Menção Honrosa          Compartibike –  São Paulo

Menção Honrosa          Biciponto – Porto Alegre

As melhores iniciativas na promoção ao uso da bicicleta

Vale colocar um pouco mais sobre as iniciativas, na palavra dos responsáveis. Primeiro “Ação Educativa e Conscientização“. Dividida em três fases e ainda está em execução:

A campanha “Bicicleta faz bem ao Comércio” foi lançada ao final do mês da mobilidade (30/9) de 2015, com o objetivo de sensibilizar comerciantes ainda resistentes com a presença cada vez maior de ciclistas em São Paulo.

Também ainda ativo, o projeto “Caminhos da Cidade – Atividades interdisciplinares sobre mobilidade urbana“, recebeu a menção honrosa com um material que:

pretende proporcionar atividades em uma linguagem mais lúdica para trabalhar o tema bicicleta no universo escolar. A proposta é promover uma reflexão sobre mobilidade sustentável, incentivando a criatividade e a sensibilidade ambiental e social de estudantes da nona série do ensino fundamental e do primeiro ano do ensino médio.

Levantamento de Dados e Pesquisas” é a categoria fundamental para que mobilidade em bicicleta seja feita menos com base em achismos e paixões e mais centrada nos impactos positivos que mais bicicletas nas ruas trazem.

Realizada entre 2014 e 2015, a “Pesquisa Origem e Destino das viagens de bicicleta no município de Aracaju” é a primeira do gênero no país e abrangeu todos os bairros da capital sergipana.

Como resultado, foram produzidos dados inéditos de “grande utilidade para a elaboração de politicas públicas municipais relacionadas à bicicleta.”

Os “Painéis interativos para a Paulista Aberta” foi a consolidação de uma metodologia desenvolvida pela Cidade Ativa em diversos projetos e pesquisas.

A pesquisa forneceu dados para fortalecer os argumentos do Movimento Paulista Aberta, junto com outros levantamentos realizados por outras organizações envolvidas na causa, e foram apresentados à Prefeitura e apontados na Audiência Pública que debateu a abertura da avenida.

Quem tiver interesse, pode conferir o relatório completo da pesquisa sobre a Paulista Aberta.

Dentre os “Empreendimentos“, surgiu muita coisa boa que mostram que há uma nova economia ao redor da bicicleta. Paixão e sustento tem pedalado juntos.

Grande vencedor da mais disputada categoria:

O Úrbici Café é uma cafeteria de rua e, inspirado no papel que a bicicleta desempenha no cenário urbano, nasceu consciente de que empresas devem exercer papel social fundamental para o bem estar coletivo, dessa forma trabalhamos de maneira responsável sempre fomentando o uso da bicicleta como ferramenta para melhorar a cidade e promovemos outras ações que incentivam boa convivência entre os indivíduos e estimulam novas formas de pensar sobre problemas do cotidiano.

Café e bicicleta é uma história que tem andado junto, mas a força do Úrbici está justamente em trazer para a praça algo que em geral funciona dentro de espaços tradicionais de comércio. Os jurados reconheceram portanto a importância de ser leve e simples como a bicicleta.

Reconhecida por uma menção honrosa, outra iniciativa similar, visou atender a uma demanda dos ciclistas cariocas e acolher necessidades.

O Bike Rio Café é uma bicicletaria, um espaço multifuncional, que promove e incentiva a utilização e da bicicleta como mobilidade urbana. Oferece estacionamento, vestiários com chuveiros, espaço bistrô/café para lanches e refeições e loja especializada com oficina.

Nascida da iniciativa de jovens estudantes da USP:

A Compartibike é uma empresa especializada em soluções inovadoras de mobilidade urbana, tendo como principal área de atuação o planejamento, implantação e operação logística de sistemas de bicicletas compartilhadas.

O reconhecimento veio brindar o crescimento da iniciativa que de 2009 até hoje saiu de uma premiação de empreendedorismo e hoje está presente em mais de 10 cidades brasileiras e viu seu faturamento crescer 10 vezes em 2015 na comparação com o ano anterior. Aceleração na velocidade dos pedais.

A última menção honrosa coube ao Biciponto projeto que facilita a vida de quem pedala integrando a bicicleta no comércio local que de outra forma não estaria totalmente apto a atender as necessidades de quem usa a bicicleta.

Diante de uma emergência como um pneu furado, o ciclista acessa a plataforma on line com sistema de geolocalização e encontra o biciponto e a bicicletaria mais próximos.

(…)

Essa rede gera autonomia para o ciclista e ao mesmo tempo cria novas conexões entre os usuários desse modal, o comercio local e o comércio especializado, disseminando o senso de comunidade e enriquecendo as relações interpessoais.

Todas as iniciativas estarão presentes no “IV Workshop – A Promoção da Mobilidade por Bicicleta no Brasil

Os critérios de avaliação

Votaram para escolher os melhores um “grupo de notáveis” composto por 15 pessoas próximas à Transporte Ativo. Todos deveriam ter em mente os seguintes parâmetros na hora de avaliar os trabalhos:

· Comprometimento e Alcance dos Resultados

· Inovação e Desenvolvimento

· Combinação de diferentes estratégias

· Variedade de Resultados

· Praticidade e Replicabilidade

Além disso, não havia obrigação de indicar um vencedor ou menção honrosa. A comissão julgadora estava livre para premiar uma iniciativa e até 2 menções por categoria, ou votar em branco caso julgassem que nenhuma inscrição merecia ser o prêmio principal ou ser mencionada.

Cada projeto escolhido como vencedor por um dos jurados recebeu 3 pontos, cada menção honrosa recebeu 1 ponto.

Para manter um padrão de qualidade nas premiações, decidimos que para receber uma menção honrosa deve-se ter pelo menos metade dos pontos do vencedor da categoria.

Pelos critérios apontados, duas categorias tiveram apenas uma menção honrosa, porém na categoria “Empreendimentos” três projetos tiveram mais de metade dos pontos do vencedor, julgamos então justo que também recebesse o devido reconhecimento.