Mobilidade como serviço

Estamos em ano de eleições, mais uma vez a bicicleta entrará em pauta nas promessas em relação à priorização da bicicleta. Mas é importante fazer um retrato da lógica que tivemos até hoje em relação a mobilidade urbana, seja para bicicletas ou para pedestres.

Tanto por parte das administrações municipais, do governo federal ou dos estados, mobilidade costuma ser traduzida em obras. Infelizmente grandes somas de recursos seguem ainda para obras viárias e muitas dessas obras privilegiam a mobilidade motorizada individual.

Priorizar a bicicleta e os pedestres começa em uma política pública de incentivos, mas os resultados precisam antes passar por um orçamento organizado e favorável. As obras certamente são importantes, já que infraestrutura cicloviária é uma necessidade em qualquer cidade brasileira. Mas obra não pode ser um fim em si mesmo.

A prioridade para pedestres e ciclistas tem de ser vista como um serviço do poder público oferecido à população. Uma cidade que apenas oferece espaço de circulação para cidadãos em veículos motorizados é uma cidade limitada. Pedestres precisam ter acesso à calçadas de qualidade, mas também precisam de transporte público eficiente para as longas distâncias.

Pensar mobilidade quanto serviço é tratar pedestres e ciclistas como clientes que precisam estar satisfeitos e bem atendidos para que continuem a optar por caminhar mais. A mobilidade como meio de suprir a oferta por deslocamentos em automóvel é uma equação que não se fecha. Cada cidadão dentro de seu automóvel imediatamente dificulta o deslocamento e o uso do espaço público por outros. Já um pedestre e até mesmo um ciclista que se desloca pelas ruas das cidades faz um uso raciona que garante uma distribuição igualitária do espaço urbano.

Enquanto zelar pela qualidade do piso asfáltico for o grande serviço oferecido pelo poder público municipal, nossas cidades estarão fadadas aos congestionamentos e a perda da qualidade de vida. Mudar o paradigma da mobilidade involve garantir que pedestres e ciclistas sejam atendidos da melhor forma possível em suas necessidades de deslocamento.

O título e a idéia desse post vieram da leitura da entrevista de Roberto DaMatta com Tom Vanderbilt na Revista Trip de junho de 2012.

Ética das ruas

No zoológico humano gigante das nossas cidades os usos dos espaços de circulação são construídos através das idéias. Ao longo do século XX que foi criada e disseminada a noção de que as ruas são espaços de circulação exclusivos de veículos motorizados, um conceito que tem sido revisto ao longo do mundo.

As cidades e seus usos foram construídas primeiro no mundo das idéias e com o passar do tempo certos conceitos se cristalizaram. O vídeo abaixo é uma campanha colombiana de 1941 que coloca crianças e adultos a pé como culpados pelos seus infortúnios.

A abordagem pode soar bizarra, mas infelizmente o século XX no que se refere a campanhas de trânsito ainda não acabou. A cidade do século XXI cada dia mais volta a ser a cidade das pessoas, uma cidade com espaços públicos para todos e circulação segura e prioritária dos mais frágeis.

Infelizmente ainda existem exemplos ineficientes de campanhas de culpabilização da vítima. Quando mais eficaz e correto é sempre investir no incentivo para que pedestres e ciclistas possam circular tranquilamente pelas ruas das cidades. Nessa lógica, os veículos motorizados são coadjuvantes, com o transporte público sendo sempre um ator com mais espaço do que os meios de transporte motorizados individuais.

Na comunicação publicitária institucional, como é o caso de campanhas de trânsito em Nova Iorque e em São Paulo os velhos conceitos ainda estão presentes.

Valorizar os mais frágeis é além de mais correto, também o mais racional. Vale sempre ter a mão os dados sobre vítimas de trânsito e “acidentes” (o nome oficial para colisões, atropelamentos e crimes de trânsito) no Brasil:

Ciclistas são 7% dos deslocamentos e 4% dos “acidentes”
Carros 24% dos deslocamentos e 27% dos “acidentes”
Motos 12,6% dos deslocamentos e 22% dos “acidentes”.
Fonte – cruzamento de dados das seguintes pesquisas:
Pesquisa IPEA –Mobilidade Urbana 2011
Mapeamento das Mortes por Acidentes de Trânsito no Brasil – Confederação Nacional de Municipios 2009

Dados da secretaria de saúde de São Paulo apontam que em 2011, 3,4 mil ciclistas sofreram lesões no trânsito e foram internados na rede do SUS, o que gerou um gasto de R$ 3,25 milhões ao Sistema Único de Saúde. Dados da cidade do Rio de Janeiro apontam 811 internações entre 2000-2007 e 114 óbitos no período.

A importância da manutenção

Tudo que o homem constrói, tende a perecer. Sejam as piramides no Egito, ou o piso do calçadão de Copacabana. Para garantir o conforto de pedestres é fundamental deixar o piso de acordo, afinal enquanto um buraco na rua pode danificar uma suspensão, ou estragar a roda de um carro, uma calçada danificada pode levar alguém ao hospital.

Na transição para o planejamento humano em prol das pessoas, algumas adaptações estão sendo feitas. A que certamente nos é mais agradável são os calceteiros cariocas. No árduo trabalho de manter a beleza do piso tradicional, eles contam com a ajuda de um triciclo, como mostra o flagrante acima.

Contra a areia da praia que chega às ciclovias na orla, a solução é um veículo (motorizado) para varrer as pistas e garantir a circulação segura e limpa dos ciclistas. Claro que uma solução mais simples e barata também seria possível. Mas um veículo exclusivo para limpar as ciclovias, e que custa caro, é certamente um sinal de valorização da bicicleta e do ciclista, merecedor de tratamento especial.

Já uma solução de muito boa vontade, mas que não é agradável ao ciclista, é o caminhão pipa que limpa a ciclofaixa, nesse flagrante do amigo Reginaldo Paiva. Quem coordena a limpeza da ciclofaixa dessa maneira certamente não soube medir as consequências da água molhada na bicicleta e no ciclista, além é claro do desconforto de compartilhar a pista com um caminhão.

Na escala evolutiva das boas idéias em prol da circulação de pessoas, fica clara a necessidade de inventividade e de novos rumos possíveis na operação e gerenciamento de nossas cidades. Beleza, simplicidade e funcionalidade juntos, sempre.

Conservação à pedal

Foto: Divulgação/SECONSERVA

Uma novidade ciclística já está cruzando as ruas e ciclovias do Rio de Janeiro. Desde o começo de março, para agilizar o trabalho de manutenção do calçamento de pedras portuguesas em praças e na orla, a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SECONSERVA) colocou à disposição dos calceteiros um triciclo de carga.

Os calceteiros são aqueles profissionais que tem a missão de zelar e manter a qualidade do piso de pedras portuguesas, um patrimônio carioca, mas que requer um grande esforço para ficar sempre em perfeitas condições de circulação.

Nas próximas semanas os calceteiros, e agora, triciclistas, poderão ser vistos trabalhando na orla do Leblon, na Lagoa Rodrigo de Freitas, na altura do Posto 6 em Copacabana e nas praças General Osório, em Ipanema e Santos Dumont, na Gávea.

Além dos aspectos óbvios de economia de custos e sustentabilidade ambiental, a realização do serviço de manutenção de calçadas através do uso de triciclos é acima de tudo a opção mais inteligente. Afinal está sempre no último quilômetro o maior custo de deslocamento de produtos. Ao levar consigo os equipamentos e materiais necessários para o trabalho, os calceteiros tem facilidade nos deslocamentos, sem depender de um veículo de carga grande.

Com informações da assessoria de imprensa da SECONSERVA.

Carnaval na Avenida

Carnaval, além da festa de Momo com desfiles, blocos e a alegria incontida é também um momento de êxodo temporário das grandes cidades. Quando ruas e avenidas deixam de ser espaços de congestão motorizada para se tornarem vazios urbanos ou festas de rua.

A cidade vai sempre além da quarta-feira de cinzas e as vidas dos urbanóides voltam a uma rotina mais regrada. Fica para trás o momento excepcional da festa da carne, o asfalto tomado por pessoas, ou a imensidão vazia das grandes avenidas. Há que se esquecer o lazer distante na praia ou no campo e voltar ao concreto.

Para além do ócio, da festa e da alegria, podemos trazer para a rotina um pouco do que nos ensinam as viagens e os momentos de folia. Caminhar na areia fofa com a brisa do mar e o barulho das ondas é insuperável, mas no dia a dia é possível procurar o caminho mais arborizado de calçadas mais bonitas e ir a padaria, ao trabalho ou até ao dentista.

Quando não houverem boas calçadas, nem uma ciclovia junto à areia do mar, a solução é pressionar para modificar a paisagem do local onde construímos nossas vidas. Tudo para que a volta de um feriadão prolongado seja mais uma simples transição do que um momento de tortura.