São Paulo e a criminalização das ruas

São Paulo, cidade sede da maior festa do futebol, construiu estádio, abriu avenidas e até um viaduto novo para que milhares pudessem assistir aos jogos no Itaquerão. Ficou na dívida de abrir ruas para as pessoas.

O local de festas imposto pelas pessoas é nas inviáveis ruas da Vila Madalena com suas casas, bares e ladeiras estreitas incapazes de suportar o fluxo de pessoas interessadas em compartilhar a felicidade. O sucesso do espaço público do bairro espalhou o transtorno para os moradores e como reação a administração pública investiu em criminalizar o espaço público.

Além do reforço na regra de bares fecharem às 1am, as ruas são esvaziadas à força pela Polícia Militar para que “o pessoal da limpeza” possa passar.

O vídeo mostra a história triste de uma cidade em busca de afogar as mágoas, mas que só poderia faze-lo em espaços privados, longe das ruas.

São Paulo sofre de excesso de gente, em todo evento há uma fila, em todo espaço público de lazer muita gente que teve a mesma idéia ao mesmo tempo. Uma cidade que esqueceu das pessoas e dos sentimentos que elas buscam compartilhar é uma cidade necessariamente triste. Que impõe toque de recolher nas centralidades fabricadas, que concentra gente demais nos poucos espaços que oferece para interação e diversão livre entre as pessoas.

O Rio de Janeiro tem a orla de Copacabana e seus milhões no Reveillon e em tantos outros shows, passeatas e festas. São Paulo já teve a Avenida Paulista, que sofre com excesso de regras e onde torcidas não são bem vindas para comemorar seus triunfos. Os gringos, os hermanos e os paulistanos descobriram na Vila Madelena uma alternativa, ao invés de expulsá-los para suas casas, a cidade deveria multiplicar alternativas de espaços livres para festejos.

Porque toda cidade tem o direito de festejar suas glórias e afogar suas mágoas no espaço público. Como provoação final, duas fotos da festa em Buenos Aires nessa quarta feira, 9 de julho de 2014.

Terror, fuga e felicidade

A cidade de São Paulo mede os quilômetros de seus congestionamentos e eles costumam ser maiores quando antecedem feriados prolongados. Mas a cada 4 anos surge o fenomenal congestionamento pré-jogo do Brasil.

Logo na estréia o terror se impôs sobre quem depende da mobilidade urbana motorizada que se faz no asfalto. A fuga para a alegria e êxtase de acompanhar a estréia do Brasil na Copa do Mundo foi precedida pelo que mais próximo até hoje do “congestionamento final”, aquele em que finalmente as ruas da cidade se tornarão um único e gigantesco estacionamento.

Refém das grandes distâncias, o cidadão paulistano naturalmente evita o “congestionamento final”. As viagens se reorganizam e o fluxo segue nas ruas saturadas. O espaço restrito funciona como inibidor de vontade e muitos optam por deixar as carruagens guardadas ao invés de se somar a imobilidade na rua.

Essa foi a lição para o segundo jogo da seleção Brasileira. Em uma mesma segunda-feira a volta de um feriado prolongado se somaria a interdições viárias no centro da cidade e na zona leste. Além do Brasil nos gramados, haveriam também 22 em campo no Itaquerão e milhares de pessoas a caminho do estádio.

Novamente o terror tomou conta, o prefeito buscou decretar feriado municipal e o legislativo barrou a iniciativa. Mas o medo do maior congestionamento de todos os tempos exerceu seu papel e quase que por milagre a cidade fluiu.

Enquanto isso, a cidade de quem pedala segue imune ao terror e fuga. Todo ciclista cotidiano além de esbanjar felicidade no ir e vir diário (a famosa injeção de endorfina diária), é capaz de descobrir no restrito espaço urbano de circulação a alegria da liberdade. A rua além de meio de deslocamento é também espaço de lazer e a diversão cotidiana é poderosa.

O ciclista, por ser livre, não anseia pela fuga. Seja a fuga através do congestionamento nas estradas em feriados, seja a fuga para ir logo para casa assistir ao jogo do Brasil. Nesta simples constatação está parte do segredo subversivo da bicicleta.

Reescrever o espaço urbano das ruas é possível, pedalemos.

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#VaiTerCopa, #NãoVaiTerCopa e o espaço público

A Copa do Mundo no Brasil tornou-se política mais importante que o futebol. Antes da bola rolar, se falava de estádios, mas não do gramado, se falava de motivações político-partidárias, empreiteiras e nada do escrete canarinho nas rodas de conversa. No máximo trocaram-se figurinhas, em shoppings, escolas, escritórios e nas ruas.

O futebol no Brasil tem caráter de definidor nacional, além do patriotismo de chuteiras, a identidade dos brasileiros e brasileiras se construiu também através do esporte. Não se tem notícia de outro país que durante um jogo de copa do mundo fique completamente vidrado na televisão. É uma festa privada e pública. Nos unimos em casa para assistir a uma partida ou saimos às ruas para em grupo para torcer diante de um telão e depois comemorar em festas quase carnavalescas.

Foi com grande ousadia que movimentos sociais Brasil afora resolveram marchar sob o slogan #NãoVaiTerCopa. Leviano seria imaginar que esperassem inviabilizar o evento, ou reorganizar a devoção nacional pelo futebol. Tentaram (e seguem tentando) demonstrar que grandes eventos servem a um modelo de cidade que é extremamente excludente. Remoções e gentrificação deram a tônica para além da construção dos estádios. Grandes obras, novas e largas avenidas, leves toques de BRT e metrô foram os legados efetivamente executados que irão perdurar para além do jogo final.

Cabe pensar sobre o diálogo de contestação e o restante da sociedade. A repressão violenta das forças policiais foram certamente um grande desincentivo para que fosse travado um diálogo nas ruas entre descontentes com o evento e apaixonados por futebol. Com equipamentos novos e de última geração, batalhões de choque foram a única resposta dada a quem buscou dissonar quanto ao que foi feito para que o Brasil pudesse ser palco do maior show midiático esportivo do mundo.

Tendo como força de oposição a violência, ficou difícil envolver a sociedade em uma agenda que buscasse refletir sobre a necessidade e os métodos de ação que o Brasil todo se envolveu para a Copa. Grande perda para o país certamente. Afinal, nossa jovem democracia ainda tem muito a debater para definir caminhos e consolidar vontades populares.

Mas antes que acabe o torneio já é possível vislumbrar algumas contribuições do Brasil para que as próximas Copas sejam melhores (e talvez menores) que a de 2014.

A primeira lição é que governar vai muito além de construir avenidas, estradas ou estádios. Governar é equacionar vontades, incluir a população na definição do seu próprio futuro e garantir que os investimentos do Estado possam beneficiar as pessoas, mais do que favorecer privilégios. No embate entre Copa ou Não-Copa esse debate ficou perdido e precisará ser feito em outros países democráticos que por ventura queiram ou aceitem realizar um evento dessa magnitude.

Outro aprendizado, é que contestação no Brasil precisa ter muita alegria. Do contrário, face a adversidade, se esvazia. O que claramente aconteceu com a escalada da violência policial contra os protestos que se somou à estréia da seleção nacional na Copa.

Contra a violência tão naturalizada com que se tratam as pessoas no Brasil, só o escracho, humor e deboche para seduzir a vontade popular para outros caminhos. Tem de haver um certo canibalismo político de ter mais carnaval reivindicativo e menos protestos contra tudo que aí está. Trata-se de ganhar corações e mentes, sempre.

Ou os discursos dissonantes falarão apenas aos próprias pares sobre paixões compartilhadas entre si. Tal como carnavalizaram os “hinchas” argentinos na praia de Copacabana:

Estavam lá apenas para reforçar entre eles a alegria de serem argentinos e buscarem provocar o Brasil, futebolisticamente. Ainda que desde a derrota brasileira em 1990 na Itália eles não tenham tido boas Copas e nós tenhamos acumulado dois títulos mundiais e um vice-campeonato.

Mostraram sua paixão, divirtiram-se, foram expulsos da rua pela polícia com um certo grau de violência e seguiram até a hora do jogo no Maracanã.

Ainda teremos muitos minutos de jogos de futebol, ainda mais embates entre dissonantes e as forças policiais. E até que se encerre o Mundial, as ruas continuarão sendo utilizadas como espaços de circulação, protestos e festas.

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