Sobre cidades, combates e aprendizado – Bikes vs Carros

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Todo aprendizado é coletivo, mais de que uma transmissão de conhecimento, aprendemos por meio das trocas sociais. Em geral a mediação é feita por professores, mas também é possível ensinar por meio de imagens em movimento. Há riqueza de informações nos filmes, ainda assim, o conhecimento só se alastra nas interações humanas.

Promover o debate que transforma as cidades é a ambição do documentário Bikes vs. Carros do diretor sueco Frederik Gertten. Filmado ao redor do mundo e com São Paulo como cidade de destaque, o documentário pedala por novos e antigos caminhos.

O título denuncia o conflito de planejamento urbano em curso mundo afora. Ao explicitar a rivalidade entre dois veículos de transporte individual, o título do filme traz uma abordagem negativa em relação as dinâmicas urbanas. Acaba remetendo ao protesto e denuncismo. Felizmente, a história e seus personagens são mais leves e com uma postura em geral menos belicosa.

Em pouco mais de uma hora de projeção, é possível ter uma panorama geral de como as cidades ao longo do século XX se tornaram espaços de circulação automotiva e como atualmente essa situação está mudando. Os ciclistas são personagens fundamentais desse redesenho urbano pela reflexão que a bicicleta propicia aos ciclista, mas principalmente pela comunidade que se forma para garantir melhores condições para quem pedala em ambientes urbanos hostis.

Para o diretor, São Paulo é a cidade que ainda tem escolhas, Los Angeles é a urbe refém do rodoviarismo e Copenhague o paraíso das bicicletas. Através dessas 3 realidades é que se constrói o eixo narrativo do filme. Primeiro o problema da (i)mobilidade urbana que atualmente parece um problema sem solução, as imagens e personagens levam o espectador à beira do desespero. Mas assim como em uma aventura em desenho animado, após a mais difícil das situações há o renascimento da esperança que atinge o ápice na conclusão da história.

Cidades são obras inconclusas e ao retratar um panorama de como elas se organizam e reorganizam, Bikes Vs. Carros mostra o papel fundamental de indivíduos e grupos engajados socialmente que pedalam rumo a inatingível utopia urbana. Ao olhar para frente e seguir pedalando, cada pessoa em bicicleta é força motriz que primeiro sonha, mas que a cada evolução do pedal, realiza mudanças fundamentais. Uma ciclofaixa na rua e as cidades não estão mais no mesmo lugar.

O filme Bikes vs Carros estreou em 18 de junho de 2015 nos cinemas do Rio de Janeiro de São Paulo. A estréia em outras capitais brasileiras será no dia 25/06. Acompanhe o calendário de exibições na Maria Farinha Filmes (distribuidora no Brasil). Saiba como organizar uma exibição pública do filme na plataforma VIDEOCAMP.

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Roupas, estilo e bicicleta

Com exceção das pedaladas peladas, em geral todos pedalamos vestidos. E no dia a dia dos pedais, existem uma série de fatores esquecidos para as roupas usadas pelos ciclistas.

Há o esporte do ciclismo, com roupas de tecidos sintéticos para lidar com o suor e grudadas no corpo para diminuir a resistência do vento. Mas na cidade, nos deslocamentos pendulares entre casa e trabalho, as vestimentas de atleta nem sempre são a melhor opção. Afinal, um short com espuma acolchoada nos fundilhos e elástico nas coxas não é exatamente a melhor opção para passar 8 horas em uma cadeira de escritório.

De maneira espontânea, os ciclistas buscam estilos de vestir adequados ao uso que fazem da bicicleta e no cotidiano, isso significa roupas adequadas para pedalar, mas não só para ficar no selim. Timidamente as marcas que definem estilos e produzem roupas buscam se adequar a essa demanda.

 

Camiseta Polo e a moda do esporte

Foi o grande tenista René Lacoste, o “Crocodilo”, que inventou e popularizou as camisetas de manga curta, gola alta e três botões. Foi no entanto a adoção da peça de roupa pelos atletas do polo que popularizou a “roupa para jogar tênis”.

Lacoste imaginou uma roupa que fosse confortável e elegante para sua prática esportiva, atualizando a vestimenta sisuda utilizada anteriormente e que era desconfortável para as raquetadas.

As especificidades do ciclismo de alto rendimento tornam menos viável a popularização das roupas dos atletas no uso cotidiano. Ainda assim, a cultura da bicicleta tende a avançar sobre mais barreiras quando a roupa que se utiliza para pedalar for também vestimenta cotidiana para quem está longe dos pedais.

A bicicleta como acessório de estilo

Por hora a bicicleta ainda é em geral utilizada como acessório de estilo, um ícone em campanhas de marketing de roupas. Certamente há benefícios de ter a bicicleta como uma peça “da moda”, mas são poucos. Nos milhares de “conceitos” e apelos para o consumo, as magrelas tendem a ser apenas mais um ruído. Passam a imagem de liberdade, modernidade e acabam por ser apenas excentricidade da vida urbana.

Há de chegar o tempo em que a utilidade da bicicleta e das vestimentas confortátveis para pedalar sejam populares para além da imagem em campanhas publicitárias. Roupas mais duráveis, com costuras reforçadas, adequadas para quem está ao ar livre e em movimento são acima de tudo uma necessidade dos tempos atuais.

Até lá, seguiremos com a bicicleta como símbolo “trendsetter”, como na bela campanha com ciclistas urbanos da Levi’s:

 

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Como pedalar de óculos na chuva

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Cada gota entre o óculos e o rosto rasga um pouco e cega os olhos outro tanto. Mas quando a chuva de verão vem forte e postergar a pedalada é indesejável ou impraticável, resta seguir.

Uma boa capa de chuva eventualmente irá sofre com a densidade da água que escorre pelo cangote peito abaixo. As lentes coberta de gotas acabam por mais atrapalhar a visão do que corrigir as distorções da miopia.

Luzes de freio, concentração total nos buracos e tampas de bueiros. Por caminhos conhecidos fica tudo mais simples e aos poucos é possível se entregar ao prazer da água que cai, torrencial.

Concluída a aceitação o aprendizado passa a ser a cegueira e o instinto de seguir quase de olhos fechados. Não existe mais velocidade, apenas a fluidez.

A água escorre pela capa de chuva, no rosto, sobe do chão para os pés, percorre os pneus. Desce pelos paralamas, acumula-se nas pequenas depressões no asfalto. Torna-se nada, apenas água. E chega-se ao destino.

Pedalar nas ruas de uma grande cidade vale a pena?

 

Pedalar nas ruas em meio ao trânsito motorizado é uma atitude definida como “apocalíptica”, não importa o conforto, os riscos, vale apenas o prazer, a praticidade e a economia de ser veloz em meio aos congestionamentos constantes.

Pedalar por opção ou necessidade sob qualquer condição é levar consigo a vontade de mudança, apontar outro rumo em meio ao que está posto nas cidades. Usar a bicicleta é promover um outro mundo possível como uma bandeira que soluciona a crise urbana de mobilidade de maneira individual e em caráter imediato.

Pedalar é solução tão simples, prática e prazerosa que rotineiramente torna-se vício. Experimentar a bicicleta e incorporá-la ao dia-a-dia tende a ser viciante, as outras alternativas de mobilidade tornam-se, por comparação, mais lentas, desconfortáveis, caras e maçantes.

Quem pedala é capaz de seguir quase indefinidamente por exemplos pessoais e convicções íntimas sobre a viabilidade de pedalar. Faz parte do confronto direto imposto pelas pessoas ao redor que porventura ainda não pedalam. Talvez o comportamento de fé nas duas rodas movidas a pedal seja uma barreira invisível para que mais pessoas pedalem. Uma barreira construída pelos próprios ciclistas que pregam com argumentações construídas dentro do séquito pedalante.

Talvez seja possível entender o sentimento dos ciclistas quando se coloca em perspectiva o que representa outra alternativa urbana, essa mais normatizada, veículos motorizados. Desconstruir, amistosamente, o que representa a escolha de mover-se em uma carruagem puxada por motor a explosão é natural para qualquer ciclista. Mas quando esse desmonte de discurso é proposto para quem desconhece a bicicleta como alternativa de mobilidade, o debate toma outro rumo.

Pedalar é assumir a responsabilidade pelos próprios atos, é ser protagonista do próprio movimento. Quem vai de bicicleta necessariamente assume para si os riscos dos próprios excessos de velocidade, assume que se errar, será punido de acordo com a lei do asfalto áspero. Tudo que é feito em cima da bicicleta implica em consequências para quem é o motor da ação. Sem proteção ou isolamento, pedalar é portanto garantia de aprender que o bem estar de todos no trânsito é responsabilidade compartilhada e que acima de regras está a integridade de si e dos outros.

Face a irresponsabilidade e irrealidade da imagem vendida na publicidade automotiva, defender a necessidade de assumir os próprios erros é garantir uma sociedade mais honesta. Em cima de uma bicicleta, qualquer ilusão de ser maior do que si mesmo fica pelo caminho. A bicicleta é apenas um objeto, sua força é tão somente aquela de quem a propulsiona, não há quadro de carbono, leveza de material ou qualquer outra artimanha tecnológica capaz de prevalecer sobre a potência muscular humana do condutor.

O poder da bicicleta é justamente sua fragilidade e num tempo de tantas opressões e imposições de condutas e comportamentos, reconhecer-ser frágil e indefeso é tornar-se livre. E para responder a pergunta do título: sim, vale a pena. Vale tanto a pena que mesmo face as dificuldades facilmente indentificáveis, cada ciclista urbano é também embaixador e propagador do ideário da bicicleta.

Basta garantir um fluxo constante de novos ciclistas nas ruas, que se mantenham nas ruas, e os espaços públicos de circulação e convívio em nossas cidades serão melhores no futuro. Com mais pessoas em mais bicicletas, mais vezes.

Bicicleta, qualidade e quantidade

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Os benefícios qualitativos da bicicleta estão e sempre estiveram postos, é preciso agora buscar os quantitativos.

Cada pessoa que por si só toma a decisão de dar a primeira pedalada, representa uma vitória emblemática contra a inércia. Mas é justamente isso, uma vitória individual, um momento de inspiração e motivação que que inicia um novo ciclo. Pode ser apenas a ida até a esquina para comprar pão, um passeio na ciclovia ou o deslocamento até o trabalho. Há sempre a vitória contra todas as forças físicas que mantém a bicicleta e o ciclista parados.

Há forças que agem nos indivíduos e suas máquinas, e uma força ainda mais forte é aquela que mantém um grande número de pessoas no mesmo estado de movimento, paradas. Lidar com forças coletivas requer naturalmente impulsos individuais, mas não é algo que possa se basear só nisso.

São Paulo, mas também o Brasil e o mundo, vivem um momento fundamental de quebra de inércia coletiva. Cada cidade está em um estágio na construção do movimento revolucionário de expansão do uso dos espaços públicos pelas pessoas. A prioridade para a circulação humana é uma necessidade do nosso tempo, um desafio herdado do século XX e que precisa ser encarado coletivamente. E coletivamente só é possível haver mudanças tendo a bicicleta no cardápio de todos os que queiram usá-la.

A figura do ciclista urbano como o destemido aventureiro das ruas e avenidas brasileiras está, espera-se, com os dias contados. Quando pedalar for a opção mais gostosa, rápida e segura para qualquer pessoa, deixará de haver a divisão entre ciclistas apocalípticos e integrados. Voltaremos a ter cidades que cumprem sua função, servem aos que nela vivem.

É sempre bom lembrar que a inércia depois de vencida, tende a manter o movimento. Com a expansão de infraestruturas cicloviárias nas cidades brasileiras, o desafio deixa de ser a vitória contra a falta de ação e passa a ser um constante equilíbrio face as diversas resistências.