Pokémon Go, megadados e bicicletas

O jogo Pokémon Go foi o primeiro sucesso a unir o virtual com interações no mundo real. Para ser bem sucedido no jogo é preciso desbravar as cidades. Há um mapa, pontos de interesse e criaturas soltas a serem capturadas.

Para entender a dimensão do esforço de energia humana, o primeiro (e até agora único) grão mestre Pokémon teve de caminhar mais de 150 quilômetros para colecionar os 142 bichinhos virtuais diferentes disponíveis, tendo capturado um total de 4.269 monstros e emagrecido 4,5kg no processo.

Esse novo fluxo de pessoas e os dados georreferenciados que elas geram são um valioso recurso de megadados (ou bigdata), já devidamente capitalizado pelos criadores do Pokémon Go.

As pessoas se deslocam pela cidade para gastar dinheiro, consumir produtos, mas ao mesmo tempo geram efeitos negativos tais como a superlotação dos transportes públicos ou a poluição.

Entender o espaço urbano como uma pulsação de pessoas é fundamental para planejar melhor. Afinal, hoje no Brasil 86% das pessoas vive em cidades, quase 180 milhões em circulação de um total de 3,8 bilhões no mundo.

A realidade virtual é o flanar do século XXI?

No mundo em aceleração do século XIX, flanar era baixar a velocidade para imergir nas cidades cada vez mais rápidas. Ainda que a velocidade da época fosse a da tração dos animais ou das máquinas movidas a vapor.

Mais do que um jogo, Pokémon Go é uma técnica de trazer pessoas para os espaços públicos e principalmente um meio para unir o real e o virtual, a “realidade estendida” que se soma à “gameficação” das cidades.

Existem lições valiosas a serem aprendidas, certamente a maior delas é que a natureza humana anseia por interação e os espaços públicos estão aí para serem explorados, “conquistados” e, acima de tudo, melhorados.

Usar a inteligência dos dados do fluxo de pessoas no entanto vai muito além de um jogo de celular. Talvez o principal banco de megadados, ainda subexplorado, seja o das viagens em bicicletas públicas. O CitiBike de Nova Iorque tornou público em 2015 o seu relatório de uso após mais de 22 milhões de viagens.

Já a Fietsersbond (União de Ciclistas Holandeses) criou a semana de contagem de ciclistas, a maior pesquisa sobre o uso da bicicleta no país de 18 milhões de magrelas e 17 milhões de habitantes. Com um aplicativo de celular, foi possível descobrir dados sobre onde os ciclistas perdiam mais tempo em semáforos e onde havia potencial para a construção ou melhorias na infraestrutura cicloviária.

Seja para gerar riqueza para as empresas de software, ou benefícios para a população das cidades, os megadados estão aí para serem “minerados” em busca de informações valiosas.

Saiba mais:

Go Pokémon GO!: The Social Life of Virtual Urban Spaces
The Pokepocalypse Is Coming for New York
Pokémon Go Has Created a New Kind of Flâneur
Cyclists and Public Bike Sharing – the best kept secret in Smart City data collection?
A Tale of Twenty-Two Million Citi Bike Rides: Analyzing the NYC Bike Share System
Fiets Telweek: Measuring, improving and stimulating of bike-behaviour

Carnaval: tempo de purpurinar as ruas

Há alguns anos, ainda na primeira década do século XXI, um fenômeno começou a tomar conta das ruas do Rio de Janeiro durante o carnaval, foi o fenômeno da multiplicação dos blocos. Nos bairros, no centro da cidade, da zona sul à zona norte a ruas e avenidas passaram a pulsar com gente.

Hoje o samba e a alegria já estão consolidados muito além do sambódromo da Marques de Sapucaí. Todos os anos, quem gosta de espaços públicos democraticamente ocupados por pessoas pode ser deslumbrar com a diversidade da diversão. Seja rico ou seja pobre, o rei Momo sempre vem.

A consolidação da festa pagã durante o feriado religioso ainda coloca cidades no mapa, Salvador e Rio de Janeiro ainda são as praias famosas para quem quer tomar as ruas na busca de diversão. Tanto que em ambas, existe além dos consolidados roteiros, a aventura dos “pipocas” baianos, ou os “blocos clandestinos” dos cariocas.

Carnaval para redescobrir cidades

O ano de 2016 foi de consolidação da redescoberta das festividades de rua pelos paulistanos. Houve quem dissesse que a culpa foi da crise econômica que limitou os orçamentos e fez com que mais gente optasse por ficar em casa durante o carnaval. Uma análise mais ampla aponta para um fenômeno que se alastra Brasil afora. Carnaval deixou de ser a época de escapar dos grandes centros em busca de diversão sem limites nas cidades carnavalescas.

As pessoas continuam buscando as ladeiras de Olinda, Ouro Preto e tantas outras. Mas cada ano torna-se mais possível e razoável escolher entre ir dormir em casa depois da folia ao invés de enfrentar estradas ou aeroportos.

São Paulo é cidade de fugitivos. Destino de homens de negócio durante a semana e palco de gigantescos congestionamentos nas estradas causados por moradores em fuga para locais mais aprazíveis nos feriados prolongados. O necessário embate entre lazer/prazer e trabalho é ainda mais necessário na maior cidade brasileira, a noção de que a cidade é engrenagem de produção de riqueza e moedor de carne humana precisa ser reinventada.

Os cariocas descobriram primeiro que é possível ter prazer nas ruas da cidade em que se vive. Os paulistanos estão seguindo no caminho, e com seus superlativos, buscam espalhar a folia pela cidade para que o carnaval seja a apoteose da felicidade e menos parecido com o apocalipse da bebedeira, urina e lixo.

Saldo positivo para apresentar São Paulo já tem. A cidade arrecada mais dinheiro com o Carnaval de rua do que com o sambódromo do Anhembi e principalmente, desloca-se em massa através dos ônibus, metrô e trens. Mas acima de tudo, o reinado motorizado do resto do ano submete-se ao reinado das pessoas alegres, fantasiadas e dançantes.

Até quando o próximo carnaval chegar, o importante é tirar a purpurina do corpo, mas deixá-la guardada na alma.

Como fazer cidades coletivas e divertidas

Produzir espaços urbanos de interação social é o objetivo de qualquer cidade que funcione em prol das pessoas. Mas o desafio ainda está por ser vencido.

Um exemplo de interação social mediada por dispositivos móveis é o aplicativo Swarm, iniciativa da empresa Foursquare para que as pessoas possam brincar e competir pela supremacia de estabelecimentos e marcos urbanos. O jogo se desenvolve com dois objetivos, um na escala entre amigos, outro na escala urbana tendo desconhecidos como adversários. Basicamente é preciso visitar lugares e pela pontuação dessas visitas, superar o ranking de pontuação dos amigos. A outra competição é pelo troféu da “prefeitura”, ou posse, de qualquer um dos lugares mapeados na cidade.

Todo o jogo, alimenta o banco de dados do desenvolvedor, que assim pode comercializar publicidade e serviços direcionados e qualificar a plataforma de curadoria de estabelecimentos Foursquare.

Jogos no contexto urbano

Utilizando o mesmo conceito do jogo via celular, é possível imaginar usos para além da simples diversão. Foi exatamente o que fez o artista Thomas Laureyssens na cidade de Gante na Bélgica.

Como projeto na Universidade de Gante, Thomas utiliza jogos,  intervenções lúdicas e ferramentas de participação para promover espaços urbanos de interação social. A novidade está em utilizar a diversão como balão de ensaio na construção coletiva de cidades.

Moradores de dois diferentes bairros competiram durante um mês para ver qual grupo fazia mais pontos durante uma semana.  A pontuação era sempre dada individualmente, mas o número de pontos em geral aumentava nas interações coletivas. A soma do total obtido pelos moradores do bairro dava o ranking geral.

Um vídeo no TEDxGhent explica a iniciativa:

Cidades colaborativas

Exemplo máximo de jogo de planejamento urbano, SimCity é basicamente a construção de cidades ditatoriais. O jogador é um tirano vitalício que concede benesses e modifica o espaço ao seu bel prazer. Os habitantes são apenas dificuldades algorítmicas, protestam quando determinadas condições pré-programadas pelos desenvolvedores dos jogos não são satisfeitas.

O modelo SimCity quando aplicado à realidade se transfigura quase à perfeição na cidade de Dubai, ou até mesmo no plano urbanístico de Lucio Costa para Brasília. A necessidade urbana atual envolve necessariamente democracia participativa, exatamente por isso o jogo precisa ser colaboração e trabalho coletivo.

Dos tabuleiros e telas para as ruas

Uma excelente comparação entre diversão e possibilidades tecnológicas para a construção de cidades sustentáveis é o Transport Tycoon, atualmente disponível para dispositivos móveis e em uma versão aberta e colaborativa chamada OpenTTD. O objetivo do jogo é operar uma empresa de logística levando insumos, bens e pessoas entre os destinos. Assim como na realidade, o transporte sobre trilhos e a cabotagem são as maneiras mais eficientes de levar alguma coisa de um ponto a outro.

Ferramentas de eficiência logística hoje estão disponíveis para que sejam possível organizar e otimizar frotas de transporte. Sejam centros de operação e controle (CCO) de trens metropolitanos, sejam ferramentas como o Apache Hadoop, capaz de armazenar uma enorme quantidade de dados georreferenciados para promover melhores serviços logísticos.

Tempo e espaço são, afinal, apenas dados. Seja na realidade dos pixels ou na concretude terrena.

Jogos e cidades, fronteira de possibilidades

A integração entre jogos, cidades e planejamento urbano é ainda um horizonte de possibilidades a ser desbravado. Mas o entendimento do ser humano como animal lúdico e competitivo, nos permite vislumbrar usos e possibilidades para interação e colaboração de maneiras cada vez mais adequadas para a cidade ideal das pessoas.

 

Sabia mais:

The Future of the City: Crowd-Sourcing & Gamification for City 2.0
The Mathematics of Gamification – Foursquare
Play social in the city – Thomas Laureyssens

Regras demais diminuem a segurança

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As ruas precisam ser espaços seguros de aprendizagem

Ruas são espaços de uso coletivo, mas a segregação produzida ao longo do século XX, trouxe uma lógica que acaba por forçar comportamentos conflituosos entre os diferentes usuários no trânsito.

A engenharia de tráfego com suas placas, rótulas, alças de acesso, pontes e viadutos acaba trazendo a lógica das rodovias e da circulaçãoem alta velocidade para o coração das cidades, inviabiliza assim o mais fundamental dos aspectos urbanos, a interação humana.

Regras demais destroem o senso de responsabilidade pessoal, desencorajam a negociação e ao buscar diminuir os riscos, na verdade os aumentam.

Precisamos criar um manifesto em favor do vilarejo, do contato entre as pessoas, de cidades com mais portas abertas e menos grades. Com mais vigilância comunitária e menos vigias particulares. Uma lógica urbana em que a responsabilidade seja compartilhada e que zelar pelo outro, seja um dever coletivo.

Por hora, ainda queremos isolar as pessoas dos riscos de uma mobilidade motorizada utilizando plástico bolha. Buscam-se muros altos, blindagens, isolamento contra tudo que está fora. Fora de casa, fora do carro, fora dos manuais de sinalização rodoviária. Ao invés de faixas de pedestre, semáforos, separação entre calçada e leito carroçável, precisamos de olho no olho entre condutores e todos ao redor.

As mais diversas expressões, majoritariamente em inglês, traduzem os conceitos de responsabilidade compartilhada no trânsito. São as “naked streets”, as “complete streets”, o “traffic calming” em geral. É preciso portanto despir as ruas de tantas placas e balizas para torná-las completas e acessíveis a todos, tornando com isso mais seguro e calmo o trânsito.

Exhibition Road em Londres é o exemplo maior de como realizar transformações em prol do futuro urbano mais humano. Trata-se, sem falsa modéstia, da localidade cultural mais acessível no mundo. São parques e museus ligados por um boulevard com fluidez para as pessoas em harmonia com o acesso motorizado.

Há um longo caminho, mas é preciso relembrar o que tornaram nossas cidades maravilhas da humanidade e o que muitas delas estão fazendo para continuarem a ser ninhos de criatividade e inovação em prol do progresso humano.

Leia mais:

 

 

A caminhada como ferramenta logística

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A caminhada, além de deslocamento ativo também pode ser aplicada como solução de logística urbana. É isso que mostra o estudo de Julio Loureiro da Unigrario, iniciativa premiada no seminário sobre mobilidade a pé Walk21 que acontece entre os dias 20 e 23 de outubro de 2015 em Viena na Áustria.

Mobilidade a pé, solução logística

Diversos usos para a caminhada no planejamento logístico já são utilizados atualmente. Restaurantes, farmácias, lanchonetes, os correios, entrega de documentos em geral, mercados, pet shops e diversos outros negócios já incorporam as entregas a pé para chegar ao consumidor final.

Para multiplicar o impacto positivo, outras maneiras de incorporar o andar na logística de pequenas e grandes empresas podem estar presentes. O uso de caminhões como depósitos móveis é certamente uma dessas soluções. Estacionados em áreas seguras e livres das cada vez mais comuns de restrições à circulação motorizada, veículos de carga podem ter nos entregadores com carrinhos de mão o apoio necessário para acessar toda uma área urbana através de diversas viagens curtas.

Nos anos 1990 a “Expresso Harmonia” já fazia esse tipo de serviço na entrega à domícilio de milhares de catálogos médicos de uma companhia de seguro de saúde.

A cada manhã o veículo de entrega, ou depósito móvel, estacionava em um ponto da cidade e de lá uma equipe de tamanho variável se encontrava e saia para cumprir um roteiro previamente definido. Cada entregador a pé era capaz de fazer 80 entregas por dia e um único caminhão tinha capacidade para até 1.200 catálogos. Equipes com no máximo 21 pessoas eram capazes de fazer 30.000 entregas por semana em toda a cidade.
Um exemplo de logística a pé no centro do Rio de Janeiro

O método de entrega que utiliza caminhões como depósitos móveis e entregadores a pé é justamente o estudo de caso levado para o Walk21 em Viena.

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Toda a operação começa com um caminhão de 5 toneladas que sai do depósito central somente com o motorista e estaciona no centro do Rio de Janeiro, uma rotina que acontece de segunda à sexta-feira. Logo cedo, seis outros funcionários juntam-se ao motorista no esforço de realizar as entregas.

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Feita a separação, que dura cerca de uma hora, as entregas começam a serem feitas. São de 60-75 pedidos por dia, com um máximo de 120 por caminhão em um único dia.

Cada carrinho de entrega leva uma carga de cerca de 1,3m3, que pode pesar de 60 até 100kg, a depender da densidade do material transportado. É possível ainda incorporar logística reversa, geralmente utilizada para a substituição de produtos com defeito.

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O mapeamento é feito com base na acessibilidade, restrições de entrega por lojas e prédios, tudo de forma a maximizar a quantidade de entregas concluídas com sucesso, minimizando a necessidade de viagens em vão.

Toda a tabulação das rotas é feita com base no aprendizado coletivo dos próprios entregadores. Eles mesmos organizam uma tabela com as notas fiscais e a quantidade de volumes transportados. As pessoas envolvidas e a localização do caminhão são sempre as mesmas, o que facilita todo o trabalho, mas também impõe dificuldades circunstanciais. Diferenças sazonais na quantidade de entregas e eventuais expansões na área de entrega são problemas comuns.

Logísitica eficiente e de baixo impacto

 

Toda a eficência do sistema de entrega por meio de caminhões e pessoas a pé ainda está baseada no aprendizado das ruas e um conhecimento coletivo não sistematizado. Mesmo assim o índice de entregas não realizadas é baixo.

Serviços informatizados possibilitam que rotas sejam traçadas da melhor maneira possível, contribuindo para um aumento na produtividade e compilando dados sobre períodos críticos, produtividade por entrega e cobertura territorial.

Saiba mais: