Pedestres para cidades saudáveis

Todos os urbanóides vivem em um bairro. As pessoas não vivem em uma cidade, uma região metropolitana, uma estado ou um país. A vida urbana se constrói nos bairros e em suas ruas e avenidas.

Uma cidade só é saudável e viva quando tem bairros saudáveis em que as pessoas podem atender suas necessidades cotidianas a pé. Ir ao banco, a um restaurante, ao mercado ou a padaria.

O raio de ação do pedestre é limitado e por isso um bom bairro tem de ser minimamente denso. Bairros dormitórios ou a urbanização aos moldes de “cidades jardim” são falhas por não levar em consideração as distância e necessidades cotidianas. Sofrem com isso a população de baixa renda, isolada em conjuntos habitacionais e os mais abastados, isolados do restante da cidade em bairros protegidos.

Enquanto as cidades não caminham para retornar a sua função original de habitats densos para seres humanos, resta a quem tem a chance, escolher viver em bairros que congreguem facilidades para os pedestres.

A aventura humana se traça por linhas tortas e os passos lentos que nos possiblitaram dominar o planeta são os mesmos que tem de ser olhados com mais atenção. Esse já é o discurso da nova mobilidade e pode ser a bandeira dos movimentos ambientalistas para as cidades. Afinal, todos precisamos da Amazônia e outros ecossistemas naturais. Ainda que a maioria de nós não viva na selva, mas nos gigantescos zoológicos humanos que são as cidades.

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O trânsito é um sistema complexo, que não se resume a conceitos bidimensionais simples como tempo de deslocamento, fluxo de veículos (quantidade/tempo) e espaço para vagas.

É preciso considerar questões subjetivas como atratividade, conforto, beleza, principalmente quando se fala em calçadas e espaço para pedestres.

Andar a pé vai muito além do tempo gasto no percurso, pois caminhar é o encontro mais direto entre as pessoas e o espaço público, entre nós e a cidade que nos abriga e condiciona nossa existência.

Para o pedestre, o tempo gasto num trajeto geralmente não muda, caminhar não causa engarrafamento. As distâncias geralmente não se encurtam, pois, embora digam que o pedestre tem um trajeto “errante”, na verdade ele escolhe o caminho mais curto e aprazível dentro das possibilidades. Ao contrário dos carros em canaletas pré-estabelecidas, o andar do pedestre é um sistema complexo feito de decisões simples tomadas a cada segundo.

Por isto, é fundamental que políticas de trânsito considerem questões que não são medidas com réguas ou relógio. Além de levar de um lugar a outro, calçadas precisam ser agradáveis e convidativas. Queremos andar num lugar bonito.

Infelizmente, isto tem sido rotineiramente negligenciado nas políticas urbanas brasileiras. A culpa não é só dos motoristas que usam a calçada como estacionamento. O poder publico cuida mal das calçadas, que são mal construídas e mal conservadas, quando existem. A iniciativa privada por vezes usa as calçadas como espaço privado, mas por tradição não considera que também deveria cuidar delas. Se todos fizessemos nossa parte, a cidade seria melhor.

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Carnaval, democracia nas ruas

O carnaval é quando as ruas voltam a pertencer as pessoas, sem concessões. Em massa e em festa milhares de enebriados foliões tomam conta dos espaços públicos Brasil afora. Durante alguns dias o que é de todos passa ser verdadeiramente de quem queira. O lúdico e o “estar” deixam completamente de lado o fluir e o circular.

Durante o reinado do Momo a circulação se faz por outras vias, bicicletas e veículos motorizados devem procurar alternativas para fluir, por ser grande demais, a massa em alegria toma conta de todos o espaço. De porta a porta, do lado de fora, apenas gente.

A força incontrolável da festa inspira outras cidades possíveis. Quatro dias no ano são muito pouco para ter a cidade aos pés de quem está a pé. A demanda reprimida fica clara por mais espaços públicos de qualidade. Pessoas gostam de pessoas e o excesso e densidade do Carnaval evidenciam também que o aperto só é tolerável com música e festa.

Durante os outros 361 dias do ano o casamento entre circulação e diversão perde espaço. A cidade para as pessoas que funcionou durante a folia fica fechada. Será que precisaremos esperar até o próximo Carnaval para libertar a vontade de estar em companhia e em alegria nas ruas?

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Fábulas com animais

Explicar cidades por meios de metáforas e fábulas resvala em duas imagens fundamentais: o bode na sala e o touro na loja de porcelana.

Um chefe de família tinha de ouvir reclamações sobre o quanto a situação da casa era ruim, era mal conservada e cheia de consertos a serem feitos. Ao invés de resolver o problema, o homem trouxe para a sala o bode mais fedorento que tinha. A situação ficou insuportável. Depois de algumas semanas, o benevolente pai e marido tirou o bode e milagrosamente a família passou a só lhe tecer elogios.

O que está ruim, pode sempre ficar pior e basta ficar menos pior para aliviar a situação. A escalada da poluição e congestionamentos abrem espaço para que bodes entrem na sala e piorem ainda mais a qualidade de vida da população. Olhos atentos servem justamente para não deixar entrar o fedorento animal e nem esquecer como era antes caso ele realmente entre.

O grande problema em relação ao “bode” urbano é que ele é cheiroso e silencioso por dentro, mas gera barulho e desconforto para quem está do lado de fora. A metáfora do touro na loja de porcelana ajuda a explicar a diferença de tratamento que o bode recebe.

Tanto faz se é um elefante na loja de cristais ou um touro na loja de porcelana, a imagem é a mesma. Um bicho grande e forte, cercado de fragilidade por todo o lado. Quem iria convidar quadrupedes enormes para um ambiente tão delicado. De certa maneira foi o que aconteceu com nossas cidades. Mais do que isso, o touro e o elefante tornaram-se sagrados.

Estamos passando pelo ponto de inflexão em que é fundamental parar de tentar tirar a porcelana da loja, só porque agora entrou um touro. Temos de tomar medidas para domar o touro, já que ainda iremos conviver com ele por mais algum tempo.

Moderação de tráfego, segurança para os componentes mais frágeis do trânsito são medidas que terão de ser tomadas. Não apenas para garantir qualidade de vida para as pessoas, mas para assegurar a sobrevivência das cidades.

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O mais simples meio de transporte

Caminhar é a maneira mais antiga de ir de um ponto a outro, mas é sempre bom relembrar. Conhecer o próprio bairro a pé, ou refazer um trajeto rotineiro andando é certamente uma atividade lúdica e até mesmo científica. É oportunidade para descobrir a moda das ruas e a arte dos muros, a melhor maneira de conhecer o comércio e ver in loco quem frequenta os botecos.

As grandes cidades vão muito além da capacidade humana de absorver conhecimento. Tanto acontece ao mesmo tempo e muda com frequência tão grande que nem mesmo a criatura que criou a cidade é capaz de compreende-la e conhece-la. Caminhar pelas ruas é por isso a melhor maneira de, sem sucesso, entender a urbe. Flanar é arte antiga, mas as vezes ir pelos próprios pés procurando algo que não se acha é ser objetivo e sonhador com um pé depois do outro.

O trajeto nunca é o mesmo quando caminhamos, em cada lado da rua, uma calçada. Em cada calçada pontos de interesse distintos, prédios, perspectivas e sempre encontros fortuitos com o inesperado. Um amigo na esquina, moça bonita que passa, rapaz faceiro que segue seu rumo. Casal de idosos de mãos dadas.

Caminhar é o meio de transporte mais antigo e certamente nunca pode ser esquecido. Por mais que sejamos incapazes de entender a diversidade da urbe, melhor fazer parte dela movendo-se com os próprios pés. Para saber dos problemas, das vantagens e ao mesmo tempo sentir-se vivo e fazer parte de onde se vive.

Uma música de flaneur apaixonado a beira mar:

Wilson Simoninha – É bom andar a pé.