Cães, bicicletas e o cavalo-vapor

O mais famoso site de leilões no Brasil é uma boa maneira para conhecer o que está disponível no mercado de bicicletas, mas funciona também como fórum de debates sobre produtos e outros assuntos.

Um anúncio simples com uma única foto. Uma bicicleta nacional com suspensão dianteira e traseira, paralamas e bagageiro. E nas palavras do anunciante: “pronta para sair pedalando depois da compra”. No espaço para perguntas, algumas ofertas de troca e uma saltou aos olhos:

Amigo, tenho um cachorrinho shi tzu com pedigree, preto e branco com 60 dias, vacinado e vermifugado, que vale mais ou menos $700. Te interessa fazer esta troca?

A resposta dada pelo vendedor discorre sobre algumas incongruências da nossa sociedade em relação ao tratamento com os animais.

Amigo, animais são criaturas sencientes e não mercadorias. Esse filhote merece ter uma vida digna. Você me ofereceria uma criança por R$ 700? Então como oferece um cão? Do ponto de vista ético (e não jurídico ou cultural), qual a diferença? Aliás, será que há uma diferença de fato? Será que essa diferença não foi inventada? Ou só porque todo mundo faz está correto? Vou lhe dar um conselho: se não quiser ficar com ele, doe o cachorrinho para alguém que lhe inspire confiança, alguém que não vá abandoná-lo ou negociá-lo sob hipótese alguma. Não utilize como critério de escolha a disposição em pagar algumas centenas de reais por um ser capaz de sentir dor e expressar emoções. O abandono de animais em São Paulo é altíssimo, e as ruas – pode apostar – são um péssimo lugar para se sobreviver… Desculpe a franqueza, mas você tocou num princípio nevrálgico da minha ética. Boa noite e muita paz para você.

Rever o conceito das cidades em que vivemos também é repensar a maneira com que nos conectamos a outras formas de vida que habitam esse mesmo planeta. Antes da invenção da carruagem sem cavalos que hoje domina nossas ruas, dois graves problemas nas grandes cidades eram os dejetos de animais e as carcaças dos mortos. Trocamos cavalos de carne e osso pelo “cavalo-vapor”. Com isso os cães que perambulavam nas ruas com tranquilidade hoje encontram-se apenas nas periferias com menos trânsito motorizado ou em pequenas cidades.

A cena de abertura do clássico “Meu Tio” de Jacques Tati retrata esse momento histórico em que as cidades tornaram-se menos amigáveis com os vira-latas e mais convidativas as carruagens movidas a cavalo-vapor.

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Aos pedais e ao trabalho

Churrasco sobre rodas

Esse que sorri é o Brito, tradicional churrasqueiro que atende seus clientes no bairro da Liberdade em São Paulo. A bicicleta cargueira tem apetrechos extras, duas caixas de isopor com gelo para as bebidas e a disposição de alimentar as pessoas que buscam comida barata estacionada na calçada.

Churrasco sobre rodas

Uma outra bicicleta tem pedais mas as rodas que giram não são capazes de tirar o ciclista da imobilidade. Trata-se de uma solução adaptada em que as pernas são o motor da máquina de amolar. Facas, tesouras, alicates de unha, tudo afiado com pedaladas.

Amolando com pedais

Duas maneiras de ganhar a vida, movidos pelas próprias forças.

Ano novo, viva!

Pai e filha pedalam por um caminho e param perto de um lago. O pai diz adeus à filha e se vai. A filha espera seu retorno, por toda a vida.

  • Também disponível no Youtube.
  • O desenho animado, do diretor holandês Michael Dudok de Wit, ganhou o Oscar de melhor curta de animação em 2001. Está disponível no volume 2 da coleção Anima Mundi.

    A trilha sonora contribui para dar um aperto no coração, mas é a metáfora da vida de todos nós, feita de perdas, despedidas, sonhos, esperanças e coisas boas e simples, que se renovam em ciclos, como andar de bicicleta.

    Bici-Polo e Família

    Esse vídeo de 1938 mostra o Pato Donald ao descobrir a maneira diferente que seus sobrinhos jogavam polo… movidos a pedal. É para lembrar que em época de férias as crianças costumam soltar a imaginação nas brincadeiras com os novos presentes. Além disso o vídeo mostra também que a subcultura do polo jogado em bicicleta não é tão nova assim. Apesar da moda das fixas estar se alastrando e com ela esse novo esporte.

    – Visto primeiro no Copenhagenize.com

    Um sentido para a vida

    Jitensha (bicicleta, em japonês) é uma história sobre Mamoru Amagaya, um jovem se esforçando para encontrar sentido na vida.
    Deprimido, desempregado, para piorar as coisas, as peças de sua bicicletas começam a desaparecer, uma por uma. Frustrado, Mamoru deixa um recado para o ladrão, pedindo-lhe que leve logo a bicicleta inteira. O recado que recebe em resposta tem uma assinatura: Deus.

    Ao final, quando falta apenas uma peça para ser levada, Mamoru recebe um envelope, contendo os endereços em que cada peça da bicicleta pode ser recuperada. Confuso, o homem embarca em uma viagem para ressuscitar e remontar sua amada bicicleta. A busca faz Mamoru descobrir que ele próprio está em um processo de cura. Ao juntar sua bicicleta peça por peça, percebe que ele mesmo está sendo remontado, da mesma forma, por algo maior do que ele.

    O filme Jitensha foi lançado em maio deste ano e já ganhou 4 prêmios.

    Além de todas as metáforas, como a vida sendo despedaçada dia após dia, a morte cotidiana, o argumento central do filme retrata a certeza de que a bicicleta é mais do que um veículo. Sem motor, sem carapaças de aço, a bicicleta é uma ferramenta que potencializa o que temos de mais humano: nosso corpo, que molda nosso espírito. E a força interior que nos empurra a recomeçar todos os dias. Se desistir, a queda é inevitável.

    • veja mais: na página oficial Jitensha, todas as informações, trailer, imagens para download.