Mônica Campos*
Durante muitas décadas o sistema de tráfego urbano deveria organizar a circulação dos diversos modos de transporte estabelecendo uma série de regras postuladas por códigos de trânsito e implantando no cenário urbano um sistema de comunicação visual que orientasse as ações das pessoas ao se deslocar. Tanto para pedestres quanto para veículos, o sistema determinava através de placas de sinalização, sinais de trânsito, e também desníveis (calçada) onde deveria ser o lugar de cada um e como cada um deveria se “comportar” em seu lugar, para que houvesse segurança.
A inquestionável “separação” entre os diversos modos de deslocamento em nome da tão necessária segurança começou a ser colocada em cheque pelo holandês Hans Monderman em um novo conceito conhecido como Shared Space ou Espaço Compartilhado.
Engenheiro de tráfego e atuante na área de urbanismo desde 1969, Monderman iniciou suas reflexões a cerca desse tema há mais de 30 anos quando na Holanda havia 15 milhões de habitantes e se registravam 3,4 mil acidentes por ano. O governo holandês descontente pelas inúmeras tentativas de solucionar os problemas ocorridos pelos conflitos viários convidou Monderman para elaborar um projeto que acabasse com o grande número de acidentes ocorridos.
A sugestão do “compartilhamento do espaço” passou da sugestão à prática na cidade holandesa de Drachten. A idéia do engenheiro de tráfego Hans Monderman foi aplicada em apenas uma quadra, pavimentada com pequenos tijolos. Nenhuma faixa de demarcação e divisão de pistas para veículos ou de travessia de pedestres, semáforo, quebra-molas, indicação de velocidade ou um guarda para disciplinar o fluxo. Suprimiu-se também a calçada.
Embora se tratasse de uma via cujo volume de veículos circulantes era de 20.000 veículos/dia (via de trânsito pesado), Monderman conseguiu reduzir quase a zero o número de acidentes nas áreas em que o projeto foi implantado.
Na verdade o sucesso dessa nova filosofia de projeto urbano se deve à comunicação pelo olhar. Quando os motoristas param de consultar a toda hora a sinalização e se concentram no ato de dirigir, monitorando com seu olhar o que acontece em sua volta, acabam tornando mais seguro o ambiente por onde circulam. O princípio de tudo é o respeito ao ser humano, onde o pedestre tem sempre a preferência.
O objetivo dessa nova filosofia seria “integrar” as diversas formas de deslocamento ao invés de separá-las por meio de regras, placas de sinalização, semáforos, desníveis (calçadas). Nessa nova ótica, o espaço público seria devolvido ao ser humano, ator principal nos layouts dessas áreas de convívio.
O advento do carro fez com que o ato de pensar o tráfego adquirisse uma influência dominante deste modo de transporte sobre o uso e projetos de espaços públicos. Os espaços públicos passaram a se tornar locais destinados unicamente à movimentação e ao tráfego de veículos motorizados, refletindo em seus projetos viários a preocupação com a fluidez dos mesmos e com o desejo de limitar os perigos relacionados à segurança. O papel do homem, como usuário do espaço, foi reduzido ao de participante do trânsito. O êxito do Espaço Compartilhado é reverter estes papéis.
Implantado inicialmente na cidade em Drachten, o conceito será também aplicado no período de 2004 a 2008 em mais sete cidades na forma de projeto piloto. A iniciativa ficou a cargo do Programa da Comunidade Européia chamado INTERREG III. As cidades beneficiadas são: Bohmte (Alemanha), Ejby (Dinamarca), Emmen, Fryslân e Haren (Holanda), Ipswich (Reino Unido) e Ostende (Bélgica).
Frases de Monderman:
“Quanto mais organizado o comportamento do tráfego, mais sujeito a infrações. As pessoas têm que se organizar sozinhas, sem as autoridades”
“Quando há separação, as pessoas pensam, esse espaço é meu. Sendo compartilhado, têm a consciência de dividir o espaço”
“É uma evolução do conceito de preferência. Em vez de isolar a bicicleta em ciclovias, fazer com que ela tenha preferência em relação aos automóveis e, por sua vez, dêem preferência aos pedestres”.
Mônica Campos é Arquiteta Urbanista, mestre em Engenharia de Transportes e escreveu esse texto especialmente para o blog da Transporte Ativo.
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Imagens da Cidade de Roma – Exemplos de Espaços Compartilhados
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