A bicicleta e as disputas partidárias

Foto: Vá de Bike/Rachel Schein

Foto: Vá de Bike/Rachel Schein

A promoção ao uso da bicicleta é necessidade urbana com popularidade crescente ao longo dos últimos anos nas maiores metrópoles mundiais. O dinamismo paulistano e pujança econômica tornam a cidade cenário perfeito para iniciativas que se repercutem Brasil afora. Exatamente por esse poder de influência nacional que a bicicleta na agenda da mais populosa cidade brasileira é antes de mais nada excelente notícia para o futuro da bicicleta no Brasil.

O Rio de Janeiro sempre buscou ser capital cultural do pais, o antigo distrito federal que visa manter-se promotor das revoluções de pensamento e percepção, indutor de mudanças de comportamento e de modismos para além do verão. Foi justamente nas bordas da areia das praias cariocas que as ciclovias aportaram com pompa em circunstância no país, lá nos idos da década de 1990. Eram “amigas do meio ambiente”, limparam a paisagem dos carros estacionados e ficaram durante anos sem qualquer integração com o restante da cidade.

Enquanto no Rio as ciclovias ficaram restritas à orla ou invisíveis nas baixadas da Zona Oeste, na capital paulista pouco ou quase nada foi implementado daquilo que foi planejado. São Paulo tem planos de ciclovias nos canteiros de avenidas desde os mesmos anos 1990.

Felizmente os anos 2000 trouxeram novos ares e a bicicleta como “tendência internacional”, passou a ser necessário pedalar atrás do prejuízo. Sem orla da praia e sem verba para as complexas ciclovias em canteiros centrais, São Paulo ocupou com ciclovias o eixo do metrô na Zona Leste e a orla do rio Pinheiros. Além disso, desde 2009 colocou em prática um plano de incentivar ainda mais o uso da bicicleta como lazer, as ciclofaixas operacionais aos domingos trouxeram para as grandes avenidas da cidade um fluxo respeitável de felizes neófitos e aspirantes a atleta que puderam (re)descobrir a bicicleta e a cidade através dela.

Berço do partido dos trabalhadores e da social democracia brasileira, São Paulo é certamente o estado de maior polarização e disputa partidária entre essas duas forças. Mas em geral é também em terras paulistas que esse debate ganha contornos destrutivos.

Na dança das cadeiras entre oposição e situação, coube aos aliados do PSDB criar e colocar em prática as ciclofaixas de lazer, as ciclovias do metrô e do rio Pinheiros além da parceria público-privada que trouxe para São Paulo as bicicletas públicas.

Sob os designos dos petistas, São Paulo viu se expandir nos últimos meses,como nunca antes, o tapete vermelho das ciclofaixas permanentes nas bordas das vias, majoritariamente onde antes haviam zonas de estacionamento motorizado.

O debate necessário sobre os caminhos a serem seguidos pela cidade passa também pelas disputas político-partidárias, mas já houveram momentos de confrontos no mínimo pouco benéficos para a população.

Certamente o principal descaminho seja a desnecessária reverberação dada por líderes partidários a reclamações auto-centradas do coro de discontentes que jamais aceitará qualquer mudança em prol das pessoas e dos ciclistas em detrimento da perda de espaço dos motorizados. Vozes pela manutenção do rodoviarismo seguirão na contra-mão da história e devem seguir em paz seu caminho para a irrelevância. Fazer coro a uma minoria descontente é um desserviço que não deveria ser utilizado como forma de se fazer oposição política.

Há ainda um risco real da partidarização, o travamento do debate e o atraso paralisante promovido por oposições irresponsáveis que tornam a bicicleta uma realização de determinado governo. Por hora os ataques estão centrados em uma ciclovia na avenida Paulista, símbolo da cidade. Oposição e situação ganharam espaço nos jornais para mostrar seus pontos de vista, naturalmente contaminados de uma visão partidária das próprias realizações.

Do lado petista, Chico Macena defende que “só agora, na gestão do prefeito Fernando Haddad, o assunto (mobilidade em bicicleta) passou a ser prioridade”. Na oposição, o vereador tucano Andrea Matarazzo afirma que durante a gestão de seus aliados “foi implementado em São Paulo o maior programa de incentivo à bicicleta existente até hoje no país”.

Para além das paixões partidárias, quem pensa, planeja e promove o uso da bicicleta é a favor de mais ciclovias, mais ciclofaixas e mais pessoas em mais bicicletas mais vezes na cidade, de domingo a domingo.

Os desafios aos políticos, de todos os espectros, fica posto. Cabe a quem estiver na situação fazer a mais competente e duradoura política em prol da bicicleta enquanto cabe as forças de oposição exercer as pressões necessárias para que os planos de quem está no poder sejam os mais benéficos para a cidade, além é claro de buscar soluções ainda melhores a serem implementadas quando por ventura sejam eleitos pela população.

A felicidade que uma ciclovia proporciona

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Foto: Thiago Bennichio

Esse texto deve preferencialmente ser lido ao som de Bob Dylan e seus tempos mutantes, porque é melhor começar a pedalar agora ou ficar parado tal como uma pedra…

Setembro deverá ser um mês da mobilidade especial para a cidade de São Paulo, são previstos mais 64,5km de intervenções viárias para bicicletas, número próximo ao que foi durante muitos anos TODA a infraestrutura voltada para a bicicleta na cidade.

A cada anúncio oficial sobre os novos trechos previstos, os ciclistas comemoram, buscam o nome das ruas que costumam trafegar, ou onde gostaria de ir pedalando tranquilamente. Bicicleta em São Paulo virou a pauta positiva da gestão municipal e quem pedala tem muito a comemorar. Mas nem tudo é vento no rosto ladeira abaixo, existem desafios totalmente novos.

Segregação espacial entre o centro expandido mais próspero e bem servido de transporte público é um dos desafios. As pontes que cruzam os rios, as grandes avenidas expressas que cortam a cidade. Esses são problemas estruturais que precisam ser amenizados o quanto antes, mas que não mudarão só com tinta, sinalização e vontade política. Para garantir que a cidade mantenha o ritmo e equacione desafios que a desumanizaram, a bicicleta precisa a cada dia ir além dos anseios dos grupos em prol da bicicleta e da administração pública da vez.

Comemorações são sempre bem vindas, mas é hora de os ciclistas irem atrás da ladeira esquecida do “longo prazo”. São Paulo através da atual administração já fez por merecer a “camisa verde”, aquela dos velocistas no Tour de France. Infelizmente uma cidade precisa da camiseta amarela, algo que costuma ser inalcançável aos velocistas, afinal na primeira ladeira despontarão os escaladores. Ou para trazer de volta para a política pública, São Paulo tem um time veloz agora à frente do pelotão, mas esse time estará à frente da administração da cidade somente até a próxima eleição. O processo político se renova a cada quatro anos e mesmo que haja reeleição, há sempre renovação de vontades, anseios e necessidades que obedecem a uma busca por resultados velozes.

A camiseta branca com bolas vermelhas dos escaladores ainda está em disputa, enquanto a atual administração merece os louros da pontuação pela velocidade, é preciso que haja a consciência por parte de quem pedala que os desafios por vir irão implicar em uma “equipe” com diversos talentos e o foco na camiseta amarela, aquela do ciclista completo, aquele que tem um time forte e que sabe manter-se veloz no plano e sobe determinado as montanhas quando elas se apresentam.

Por hora a bicicleta é uma vitória com nome e partido, precisará ser uma meta para toda a cidade. Do contrário, a ladeira que hoje é possível subir no embalo da velocidade imposta, será um desafio quase intransponível quando eventualmente uma nova administração deixar de lado os 400 km propostos como meta para a cidade até o fim dessa gestão. Uma meta pomposa, mas que se tornará uma vitória da cidade somente se outro plano vier a se tornar realidade.

Caso a atual infraestrutura seja capaz de aumentar em de 300 mil para 3 milhões o número de viagens em bicicleta, será no mínimo improvável um retrocesso e a bicicleta terá se tornado efetivamente a propulsora de uma transformação necessária na cidade. Afinal, uma cidade que pedala mais, tende a caminhar mais, tende a precisar de um transporte público mais eficiente para cumprir distâncias mais longas. Em resumo, a bicicleta é hoje o melhor problema que a cidade de São Paulo tem, um problema que se encarado de maneira correta, irá mostrar nas ruas soluções para o atraso de décadas que a mobilidade motorizada proporcionou a mais rica, dinâmica e engarrafada metrópole brasileira.

Copacabana, mais de 20 anos de ciclovia

As primeiras ciclovias cariocas foram construídas na orla da zona sul da cidade. Ao longo da Avenida Atlântica entre a rua Francisco Otaviano até a Pedra do Leme foram 4 quilômetros de asfalto com 2,70 metros de largura construídos no ano de 1991.

Desde a inauguração, nunca foi feito um levantamento completo de quantas bicicletas utilizam a infraestrutura. Mas para tudo sempre há tempo e o vídeo mostra um pouco como foi a contagem eletrônica de bicicletas.

Via: Bike é Legal.

Pedalar nos mostra o óbvio

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Placa proíbe pedalar em ciclopassarela. Foto: Renata Falzoni/Bike é Legal

Um flagrante jornalístico em São Paulo mostrou com clareza a mudança de visão que uma bicicleta é capaz de causar. Na inauguração de uma “ciclopassarela”, o prefeito de São Paulo deparou-se com a placa de “proibido pedalar na passarela”. Placa da mesma natureza das “pare e desça da bicicleta” que ainda são vistas nas cidades brasileiras.

Governar o mundo através de placas parece ser um vício brasileiro. É possível encontrar regras afixadas em locais públicos exigindo uma imensa diversidade de comportamentos. A bicicleta nesse contexto é o veículo perfeito para marcar o óbvio, tal e qual a água que escorre pelo caminho mais rápido e confortável, o ciclista procura ser sempre ágil e minimizar o próprio esforço.

O planejamento cicloviário sofre ainda hoje para enxergar, de dentro dos gabinetes, o ser humano que irá conduzir a bicicleta. Acima do que se deseja como conduta, é preciso entender a necessidade de sermos simples.

No caso da ciclopassarela foi preciso o prefeito da cidade mostrar o óbvio, do contrário seguranças estariam de prontidão para reforçar a regra imposta pela placa. E o que talvez seja pior, haveria uma enormidade de ciclistas dispostos a cumprir a regra simplesmente porque foi escrita uma placa.

Assista o momento da descoberta do óbvio:

Veja também como foi a inauguração da ciclopassarela.

Dez ciclistas por minuto em Copacabana

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A ciclovia da orla de Copacabana é certamente um dos locais mais movimentados no Rio de Janeiro e certamente no Brasil. Até o dia 17 de agosto de 2014 não havíamos parado para contar. E foi num domingo de sol em pleno inverno carioca que foi pra rua a Eco-Counter para definir com precisão a quantidade de ciclistas que passaram por ali ao longo de um dia. E novamente na quarta-feira 20 de agosto a contagem foi repetida.

Vale destacar alguns percentuais. Enquanto nas ruas internas de Copacabana 8% dos ciclistas são mulheres, na orla esse percentual é de 27%. Números se invertem em relação as bicicletas de serviço 36% nas ruas internas e 7% na orla. Mas mesmo assim é possível derrubar um mito 48% dos ciclistas na orla se deslocavam para trabalho ou estudo.

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Total de ciclistas na orla de Copacabana:

Escolher inicialmente o domingo foi proposital para ter como base comparativa com um dia de semana. Nos domingos há ainda a possibilidade de utilizar a área de lazer, o que ajudou a aumentar o número total. Em menos de 12 horas, foram cerca de 7.496 bicicletas que cruzaram o mesmo ponto, um fluxo de 625 ciclistas por hora ou 10 por minuto. Um trânsito intenso, com uma bicicleta a cada 6 segundos.

Do total, exatos 5.850 trafegavam na ciclovia ou 487 ciclistas por hora.

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Naturalmente que ao longo da quarta-feira os números foram menores, mas ainda assim impressionantes. Pelo mesmo ponto, passaram 3.894 ciclistas quase 325 ciclistas por hora. Ou 5,5 por minuto. A turística praia de Copacabana além de ser um excelente espaço de lazer aos domingos é também um importante eixo de deslocamento durante a semana. Um espaço para cruzar com tranquilidade a praia que é cartão postal brasileiro.

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Contagens automáticas de ciclistas

Os testes com o equipamento de contagem ciclistas no Brasil foram certamente pioneiros e parte do interesse da Transporte Ativo em entender e quantificar o uso da bicicleta nas cidades. Uma ferramenta pela valorização do mais prazeroso, prático, eficiente e agradável meio de transporte jamais inventado.

Claro que o hábito e o prazer das contagens fotográficas de ciclistas também aconteceu dessa vez. Justamente desse levantamento que vieram as belas imagens que ilustram esse post.

As contagens automatizadas através do Eco-Counter foram uma parceria com a Sacis Soluçōes Ambientais que representa o equipamento no Brasil.

Baixe o relatório completo.