Quebra-Cabeças pós crise

Em outubro de 1973 o mundo inteiro descobriu que a dependência pelo petróleo era inimiga da economia. Foi a primeira crise, um baque que desacelerou o mundo macro-economicamente e forçou a buscas por alternativas. Mas são justamente os momentos de crise que ressaltam grandes oportunidades e principalmente novos caminhos.

Vale pinçar, dentre as diversas medidas de mitigação das crises do petróleo (houve logo depois a de 1979), dois países que são hoje exemplos para o mundo, por motivos distintos, Brasil e Dinamarca. Um nórtico e rico e o gigante latino americano em seu momento “Ame-o ou deixo-o”.

O Brasil do final dos anos 60 e início dos anos 70 era uma versão latina da China atual. Franca expansão econômica das “indústrias de base”. O milagre durou pouco, mas o ideario de “aumentar o bolo” ainda continua vivo na política econômica tupiniquim.

Com o primeiro choque do petróleo, o governo brasileiro voltou-se para o etanol a base de cana-de-açúcar como alternativa viável para abastecer a frota de automóveis nacionais que precisava continuar chegando ao mercado. Importar o petróleo tornou-se proibitivo, mas não só no Brasil.

Mesmo a rica Dinamarca passou por dificuldades com a crise. Mas as alternativas foram bem diferentes das adotadas no país tropical. O frio nórdico e a extensão territorial não abriam caminho para biocombustíveis. A solução foi diversificar as fontes geradoras de eletricidade para poder garantir o abastecimento dos aquecedores domésticos no inverno. Para os deslocamentos das pessoas, o país redescobriu a bicicleta. Veículo que facilita cidades mais densas e que por ser individual, é alternativa racional ao automóvel particular em curtas distâncias. Afinal, no espaço urbano a maior parte das viagens são curtas o suficiente para serem percorridas a pedal.

No século XXI os biocombustíveis são a moda e as bicicletas presença obrigatória para o bom planejamento urbano. Mas a ousadia dinamarquesa só tem sido efetivamente valorizada nos últimos anos. Planejar cidades que incentivem pessoas a pedalarem mais vezes e mais longe é algo que gera um círculo virtuoso de impacto local e global. Em Copenhague as pessoas simplesmente pedalam por ser a bicicleta uma excelente alternativa, mas foi uma decisão política tomada décadas atrás que construiu as facilidades.

A escolha de facilidades é portanto um excelente orientador para cidades e países. Aos militares brasileiros interessava incentivar a expansão industrial centrada na produção de automóveis. Os dinamarqueses ensinaram a viabilidade econômica de fazer mais, com menos. Os cidadãos e as cidades só tem a agradecer até hoje.

Parafraseando Jan Gehl em relação aos quase 40 anos da revolução ciclística dinamarquesa: o pode ser feito no Brasil para que a cada dia acordemos em cidades um pouquinho melhores do que ontem?

Natal, Bicicletas e Eletricidade

No dia de abertura do COP 15, uma árvore de Natal especial foi montada em Copenhague. Com 17 metros de altura, todas as suas luzinhas são mantidas acesas pela força de voluntários que se revezam pedalando 15 bicicletas. A árvore foi montada para demonstrar como é fácil tomar medidas para economizar energia.

Um outro exemplo na Inglaterra mostra que 80 ciclistas são capazes de gerar eletricidade suficiente para gerar energia elétrica para uma casa durante um dia inteiro. A hora do banho no chuveiro elétrico foi o momento de maior esforço. Um exemplo de como a mais eficiente maneira de transformar energia em movimento é capaz de gerar eletricidade em quantidades significativas. Mas o consumo e a eficiência de eletricidade em nossas casas tem muito a evoluir e a ser racionalizado. Afinal nem todo mundo pode contar com a ajuda de 80 amigos para tomar um banho de chuveiro elétrico.

A lição de Copenhague é que uma comunidade pode se reunir para pedalar e manter acessa uma árvore de natal. Cada um fazendo um pequeno esforço para manter acesa sua parte.

Reduza, Reuse, Cicle

A bicicleta é a máquina de transportar pessoas mais eficiente que a humanidade foi capaz de desenvolver até hoje. Menos calorias por quilômetro do que o milenar caminhar. Mas a junção de catraca, coroa e uma corrente impulsionando uma roda de bicicleta é capaz de muito mais. Gerar energia elétrica para uma casa. Tudo isso foi feito com materiais reaproveitados, criatividade e dedicação de um grupo.

Saiba como fazer seu gerador de “energia alternativa limpadora” e confira os vídeos que ensinam como fazer uma pequena turbina hidroelétrica com partes de bicicleta.


Manual e vídeos vistos primeiro no twitter da @Gira_me.

Recompensas para os Ciclistas

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O texto abaixo é uma tradução do Copenhagenize para ser memorizado e sempre lembrado em caso de dúvidas em relação a importância de se promover o uso da bicicleta e combater argumentos ruins contra elas. O texto também foi traduzido aqui.

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O registro e fiscalização de bicicletas na Europa (e no mundo) ainda levanta algumas polêmicas e pessoas chegam a sugerir que ciclistas devem pagar pelo uso das ruas, assim como fazem os motoristas. Essa linha de raciocínio mostra-se bastante fraca em provar seus motivos.

Na União Européia vivem meio bilhão de pessoas, 100 milhões destas pedalam diariamente de acordo com a Federação Européia de Ciclismo. Nenhum desses cidadãos sofre a inconveniência de registrar suas bicicletas, menos ainda na Holanda e Dinamarca – países com o maior número de ciclistas.

Seguem três bons argumentos para rebater a idéia de registro de bicicleta:

1. Uso das ruas e estradas e desgaste das vias

Imaginemos o pesadelo logístico de registrar dezenas de milhões de bicicletas. Primeiro deveria ser criado ou adaptado um sistema informatizado para armazenar os registros de bicicletas. Funcionários teriam de ser contratados para operar o sistema e mais dinheiro teria de ser gasto para emitir as licenças.

Consideremos o impacto nas vias. O peso médio de um automóvel é de 1650 kg (fonte). Um chute aproximado, pode intuir que em média uma bicicleta pese 13 kg. Com base nesses números, uma bicicleta pesa 0,8% de um automóvel.

Fica claro que o impacto do peso das bicicletas nas vias é irrisório. Imaginemos que o preço de registrar um automóvel seja de $100 tendo como base os impactos negativos no desgaste das vias. Com base nisso, registrar uma magrela custaria 80 centavos.

Agora seria necessário subtrair um pouco desses 80 centavos. Na Dinamarca taxas sobre o desgaste das vias e para proteção ao meio ambiente estão embutidas no custo de licenciar um automóvel, além de sobretaxas sobre o peso a depender do tamanho do carro. O impacto negativo para o meio ambiente de um carro é grande, a bicicleta não gera nenhum durante seu uso. Apenas para escolher um número, vamos tirar 50% dos 80 centavos com base no impacto zero da bicicleta no meio ambiente. Chegamos a 40 centavos por bicicleta. Esses 40 centavos resultariam em nada depois de contabilizarmos as taxas administrativas.

Não é preciso ser economista para notar que o projeto seria bastante deficitário. A fiscalização seria outro problema. Os aparatos policiais certamente tem prioridades mais importantes do que conferir a documentação de bicicletas. Ou seja, um complexo sistema de registro de bicicletas seria um enorme desperdício de recursos públicos e isso não é interessante para ninguém.

Campanhas de conscientização e em prol da segurança viária teriam melhores resultados no longo prazo.

Também vale a pena lembrar que mais bicicletas nas ruas significaria menos desgaste das vias. Isso iria reduzir a necessidade de caras obras para tapar buracos, recapear pistas, etc. Seria mais barato para os motoristas e muito mais conveniente termos menos interrupções no viário para obras.

2. Impacto na Saúde

Além dos impactos negativos irrisórios nas vias, ciclistas também beneficiam a sociedade como um todo ao optar pela bicicleta. Os benefícios são muitos e extensivamente bem documentados. Numa relação direta com o uso do automóvel, é interessante notar o que dizem alguns estudos sobre poluição.

O nível de partículas poluentes dentro de um automóvel é muito maior do que do lado de fora – na bicicleta por exemplo. Alguns links em inglês falam mais sobre isso.

Ciclistas Respiram Melhor
O trânsito motorizado mata 10 vezes mais do que os acidentes de trânsito

Além de ser mais danoso aos pulmões sentar-se dentro de um carro do que fora, consideremos o que diz um dos links:

Na Dinamarca aproximadamente 4.000 pessoas morrem anualmente em consequência da poluição do ar causada pelos automóveis. O número é dez vezes maior do que as mortes DENTRO dos carros. Estudos recentes afirmam que respirar a poluição gerada pelo trânsito motorizado é mais perigoso para sua saúde do que simplesmente transitar.

Morrem 3.400 anualmente tendo como causa direta a emissão das emissões que saem dos canos de descarga dos carros. Além disso de 200-500 pessoas perdem a vida prematuramente por doenças do coração e aumento da pressão sanguínea causada pelo barulho gerado pelo trânsito motorizado. Isso mesmo… apenas o BARULHO!

Fica difícil quantificar o quanto esses números iriam aumentar se estudos similares fossem feitos nas grandes cidades brasileiras. Afinal a população de toda a Dinamarca é de 5 milhões de pessoas.

Ciclistas portanto reduzem os custos da saúde pública e por consequência deixam mais leitos livres nos hospitais para quem necessita deles. Quem pedala também promove a própria saúde – irá passar menos dias em casa por conta de doenças além de ter uma maior produtividade contribuindo para um impacto positivo na economia.

um belo estudo dinamarquês acerca do tema. Alguns trechos:

– Pessoas ativas fisicamente vivem cerca de 5 anos a mais do que pessoas inativas
– Pessoas inativas sofrem em média 4 anos a mais com doenças degenerativas
– Pedalar tem os mesmos efeitos positivos para a saúde do que qualquer outro exercício. Quatro horas por semana, ou aproximadamente 10 km por dia é um nível excelente de atividade. Trata-se de quando pedala em média o cidadão de Copenhague, nos deslocamentos ao trabalho e outras viagens.

Além disso:

Caso o cidadão de Copenhague pedalasse 10% mais:
– Seriam mais 41 milhões de quilômetros pedalados (atualmente são 1.2 milhões de km/dia em Copenhague)
– O sistema de saúde deixaria de gastar 55 milhões de coroas dinamarquesas por ano (aprox. R$ 20 milhões)
– Seriam economizadas 155 milhões de coroas (R$ 55 milhões) em horas perdidas (devido a doenças)
– Seriam 57.000 dias de trabalho a mais que hoje são perdidos por conta de doenças. Um aumento de 3,3%
– Mais 61.000 anos de vida
– Menos 41.000 anos vivendo com doenças degenerativas

3. Seja pago para pedalar

Todo o raciocínio acima deve de alguma maneira levar a recompensas para os ciclistas. Uma prefeitura que constrói ciclovias segregadas, encorajando novos ciclistas a pedalar, irá gastar menos em manutenção viária e saúde pública.

Em Copenhague descobriu-se que para cada novo quilômetro de infraestrutura viária para bicicleta:

Ao construir uma ciclofaixa em ruas com um trânsito de 2.500 bicicletas e 10.000 automóveis por dia iria aumentar o número de bicicletas em 18-20% naquele trecho.
Além de acarretar uma diminuição entre 9-10% no número de carros e menos 9-10% feridos em acidentes.
– Uma economia de 246.000 coroas (R$ 86 mil) para a saúde pública
– Economia de 643.000 coroas (R$ 225 mil) em perdas de produtividade.
– Um queda nos custos com saúde, perda de produtividade e acidentes num total de 633.000 coroas (R$ 221.500)
– O quilômetro extra significa 170.000 km pedalados a mais.
– Para cada 1 coroa gasta, a sociedade economiza 5 coroas.

Isso sim é incentivo econômico!

Inclusive, o Departamento Norueguês de Estradas (Vegvesen) optou por pagar seus funcionários para irem trabalhar de bicicleta ao invés de irem de carro. Muito dessa decisão devido aos estudos e conclusões apresentados acima.

“Ao encorajar as pessoas a pedalarem ou caminharem ao trabalho nós garantimos que eles façam uma atividade física e ao mesmo tempo diminuam os impactos no trânsito,” – declarou Roar Gartner chefe de uma região Administrativa da cidade de Vestfold na Noruega.

Resumo Resumido

Caso alguém seja confrontado com argumentos para que os ciclistas paguem pelo registro de bicicletas, a série de argumentos acima irão com certeza dar uma boa base para a contra-argumentação.

Ao invés de buscar motivos para fazerem os ciclistas pagarem para circular, os motoristas tem mais que nos pagar um chopp e agradecer em nome deles, das crianças (de hoje e do futuro), do país e da sociedade em geral.

Propostas para o Clima Urbano

A conferência da ONU sobre mudanças climáticas irá começar no dia 07 de dezembro em Copenhague. Até lá os países debatem entre si e internamente qual será o papel que irão se comprometer a assinar quando chegarem na Dinamarca. O Brasil por hora está comprometido com a redução do desmatamento da Amazônia, maior gerador de emissões do país. No entanto os compromissos a serem firmados podem colaborar para desenhar um futuro de prosperidade ambiental para os brasileiros.

O modelo de desenvolvimento do século XX já se mostrou fadado ao insucesso e as nações mais ricas do mundo já começaram a rever diversos conceitos. Todas as grandes capitais européias já estão refazendo o desenho de futuro urbano, e o uso da bicicleta naturalmente não para de crescer e ser incentivado. Nessa disputa informal entre as cidades, Amsterdã e Copenhague saíram a frente no planejamento cicloviário. Ambas redescobriram a bicicleta nos anos 1970 e hoje oferecem excelentes condições para que seus cidadãos possam pedalar para todos os lugares.

Reduzir as emissões de CO2 dentro das cidades é uma meta a ser debatida e que implicará diversos ganhos. No contexto urbano a queima de combustíveis fósseis mostra suas desvantagens comparativas de maneira mais clara. Natural portanto que o transporte público e o uso da bicicleta sejam prioridade absoluta. Reduzir o uso de derivados de petróleo no transporte urbano ajuda a reduzir as emissões globais de dióxido de carbono além de melhorar a qualidade do ar nas cidades.

As esferas locais, estaduais e o governo federal no Brasil tem nas metas de redução das emissões de carbono uma maneira de se alinharem ao futuro que já está sendo traçado. Os erros cometidos no século XX nas cidades mais ricas do planeta não precisam ser repetidos por nós para chegarmos a conclusão de que as melhores cidades do futuro serão aquelas em que todos podem ir e vir sem impactar negativamente o clima global, nem poluir o ar que respiram.

Mais cedo ou mais tarde o Brasil terá de se alinhar a “nova economia de baixo carbono” e o quanto antes for iniciada a transição, maiores serão os benefícios e menores os custos.

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Mais:
Política Estadual sobre Mudanças Climáticas (AM)
Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo
Projeto de Lei da Política Estadual sobre Mudanças Climáticas (SP)
Rich cities: Don’t repeat our mistakes – Cop15.dk
Brasil não deve ter meta de emissão de CO2 – estadao.com.br

Abaixo um vídeo da Campanha TicTac sobre as cidades:

22 Pessoas, 2 Cachorros e o Clima from Leão Filmes on Vimeo.