A importância dos cruzamentos

 

Em cada esquina está o maior risco que um condutor, ciclista ou pedestre enfrenta nas cidades. São nos cruzamentos entre ruas e avenidas que as mais graves ocorrências de trânsito acontecem. As vítimas em geral são os mais frágeis, mas nem sempre a carcaça de aço de veículos motorizados representa defesa suficiente.

Com essa lógica em mente arquitetos da Universidade George Mason projetaram “cruzamentos protegidos”, uma adequação para as esquinas típicas nas cidades norte-americanas e como eles podem ser modificados para se adequarem aos cidadãos em bicicleta. O mais importante no projeto no entanto talvez não seja exatamente a solução de arquitetura, mas sim a necessidade de adaptação dos espaços de circulação nas cidades as pessoas que por ela circulam.

 

Ainda é comum vermos ruas de bairro que se prolongam ao infinito (ou ao menos até o próximo cruzamento) sem qualquer barreira física ou até mesmo visual. Reordenar cruzamentos é uma maneira de lembrar as pessoas que por ventura estejam ao volante que existem pessoas do lado de fora e que a cada esquina, elas tem a oportunidade e os incentivos para cruzarem. As ruas do mundo precisam de mais atenção para as pessoas que estão nelas e ao redor delas. As soluções de projeto serão implementadas no seu devido tempo, até lá é preciso imaginá-las.

Para isso, vale assistir o vídeo demonstrativo (em inglês) que conta melhor o conceito de “cruzamentos protegidos”.

Protected Intersections For Bicyclists from Nick Falbo on Vimeo.

A soma dos erros nas ruas

Trupicão, tropeço, rola, tombo, catar cavaco, derrapar na lama, escorregar no tomate… São tantas maneiras de sofrer acidentes quando se está a pé em casa ou nas ruas. As mais perigosas são dentro do banheiro, aquele local cheio de água e azulejos derrapantes. Seres humanos são imperfeitos a ponto de estarem sempre sujeitos a cometerem os mais diversos tipos de erros, seja onde for.

Ao longo do século XX os erros humanos cometidos nas ruas passaram a ser muitas vezes com pena de morte. Muitas vezes a pessoa condenada cometeu o pequeno erro de estar no local errado na hora errada. Só no Brasil os números (imprecisos) apontam que a pena capital contra erros humanos ao redor do espaço público de ruas e avenidas e nas estradas varia ao redor dos 50.000 todos os anos.

Dois fatores explicam claramente a diferença entre os erros humanos quando puramente humanos e aqueles cometidos nas ruas. O somatório entre massa e velocidade de veículos automotores. Por esse motivo inclusive a legislação brasileira de trânsito contém aquele trecho de que o veículo maior deve zelar pela segurança do menor e todos pela incolumidade do pedestre.

A campanha de trânsito da Nova Zelândia que ilustra esse texto demonstra com clareza que erros humanos podem ter consequências mais graves do que deveriam quando se tem na equação a massa mais a velocidade de um veículo automotor.

O espaço simbólico das ruas aos poucos tem sido entendido como um espaço a ser compartilhado, e nas cidades esse compartilhamento se faz através de medidas corajosas que tratem as máquinas como convidados trapalhões das cidades, que devem por isso circular em Zonas 30, ou seja, a velocidades baixas.

Para pensar as ruas de lazer

 

Foi através da experiência colombiana das “ciclovias” que o mundo descobriu um novo tipo de área de lazer urbana. Apesar da confusão no termo, para os colombianos, as ciclovias definem o que no Brasil seriam ruas de lazer.

Espaços que estão fechados para as pessoas e que em determinados horários, geralmente aos domingos, ficam abertos às pessoas. No Rio de Janeiro acontece na orla da praia e em milhares de ruas. Na cidade de São Paulo, os cidadãos também organizam as suas, mas o mais comum (e mais divulgado) são as ciclofaixas de lazer, a segregação de uma pista em grandes avenidas para o fluxo de bicicletas durante domingos e feriados.

O 8˚ Congresso da Rede de Ruas de Lazer das Américas aconteceu em Lima no Peru e mais uma vez buscou fazer avançar a discussão sobre o papel dessas zonas temporárias para as pessoas na transformação urbana.

A visão de longo prazo continua sendo a mesma, que as ruas de lazer se estendam para além de dias e horários específicos e tornem-se o uso corriqueiro do espaço público das ruas.

Cidades, aqueles espaços em constante construção e transformação, precisam se adequar ao século XXI, um tempo em que as pessoas estão mais preocupadas com a qualidade de vida e menos com a expansão do PIB à qualquer custo. Nada mais perfeito portanto que investir na felicidade interna bruta, uma das maneiras propostas para medir a riqueza das nações atualmente.

Por hora, é possível aprender como implementar e promover a realização de ruas de lazer, nos moldes colombianos. Ou como transformar ruas em espaços de lazer nas cidades brasileiras.

– Saiba mais sobre a rede CRA (Ciclovías Recreativas de las Américas).

Será que somos ciclistas?

Uma pergunta fundamental precisa ser feita regularmente, quem são afinal os “ciclistas”. Em geral a resposta é bastante direta, são seres quase especiais que por diversos motivos pedalam. Pode ser a definição do triatleta, do entregador da farmácia, de quem se deslocam até o trabalho, ou um pai ou mãe que aproveita a rapidez da bicicleta para deixar o filho na escola.

Ainda assim, o uso do termo costuma também designar a “tribo” dos ciclistas. Aqueles que tem paixão pelo esporte, necessidade pelo transporte ou utilizam a bicicleta como ferramenta profissional. E aí que reside um pequeno grande problema. Os “nichos” que buscam definir e compartimentalizar a existência humana e todas as suas atividades de maneira a afastar justamente o fator humano.

Vale experimentar definições mais claras. Pessoas a pé, pessoas de carro, pessoas de ônibus, pessoas em motocicletas, pessoas de patins, pessoas de skate e pessoas de bicicleta. Em todas essas últimas expressões o mais importante são justamente os seres humanos que optaram por um ou outro meio de transporte. Esse fato pode ser melhor exemplificado em uma releitura de estatísticas na mortalidade no trânsito.

Para cada número que fala de “pedestres” mortos em atropelamentos, certamente é mais grave a morte de “pessoas a pé” no trânsito. As maiores vítimas, frágeis por estarem a pé e por serem pessoas como todos nós. O mesmo se aplica aos “motociclistas”, “motoristas”, “ciclistas” etc. Para cada definição dessa natureza, é possível entender que “não faço parte desse grupo” e esquecer que cada número é uma vida.

Pela simplicidade e empatia que gera, é que temos especial apreço pelo nosso slogan: “por mais pessoas em mais bicicletas mais vezes”. Pouca diferença faz qual o nicho, subgrupo ou cultura pertence aquele que pedala, mas será sempre um ser humano que optou pela bicicleta. Ao priorizar as pessoas, daremos uma pedalada certeira em direção a uma humanização dos espaços em que essas pessoas vivem e circulam.

Dentro dessa lógica, querer aumentar o número de “ciclistas” pode parecer contra intuitivo para quem está de fora e até a defesa da vontade de um pequeno nicho de ativistas em detrimento da vontade da maioria. A definição do senso comum para “ciclista” costuma ser restritiva e para o “ciclista urbano” vir acompanhada de elogios distanciados. Comentários em geral elogiosos ao “ciclista” pela “coragem” em pedalar, seguida de uma desculpa genérica na linha de “não é para mim”. Ser uma pessoa que pedala portanto é uma quebra do senso comum que busca devolver a quem acredita na bicicleta como uma “nave especial nas ruas” uma resposta simples e inclusiva. Afinal, é preciso apenas tomar uma opção em pedalar para ser uma “pessoa em bicicleta”.

Certamente promover o uso da bicicleta passa menos por máquinas sem alma e mais por carne, osso e mentes que conduzem objetos sem vida.

– Esse texto foi inspirado na leitura do artigo: Can Saying “People on Bikes” Instead of “Cyclists” Make Biking Safer?

Barreiras aos ciclistas

A inclusão da bicicleta de maneira plena na mobilidade urbana das cidades é uma trajetória longa com episódios simbólicos durante o caminho.

O tratamento cotidiano recebido por ciclistas e pedestres é talvez a maior exemplificação da importância de defender a inclusão e a atenção às necessidades de pedestres e ciclistas. Fotos de interdições completas de calçadas para obras, sem a garantia de alternativas seguras, são corriqueiras.

O problema certamente vai muito além da atenção do mestre de obras em preservar seu trabalho de restauração até que o cimento seque. É retrato de que a fluidez segura e confortável de pedestres reside na lista de inexistências da mobilidade urbana.

Certamente o melhor exemplo recente seja o impressionante muro na beira de uma ciclovia na zona Leste de São Paulo. Da noite pro dia surgiu uma parede no meio do caminho, no meio do caminho a parede ficou, grudada ao guard-rail. Aos pedestres e ciclistas coube encarar o muro de frente e depois de contorná-lo, pular a infame estrutura de ferro. Essa ultima sempre lá para proteger os motoristas de muros e paredes que por ventura “interrompam” suas velozes trajetórias.

No futuro a mobilidade urbana será com menos sinalizações, divisões entre calçada e rua. Nesse futuro a circulação das pessoas será prioridade e as altas velocidades que tornam as ruas incompatíveis com a vida serão restritas à distantes auto-estradas. Até que esse futuro se construa, há que mudar a percepção que o caminho de pedestres e ciclistas pode ser interrompido sem qualquer consideração.

Leia mais sobre o muro: “Ciclovia em São Paulo foi fechada por um muro” e sobre “Os muros concretos que dividem o mundo“.