A importância das brincadeiras de rua

Ilustração: Nicolas Viot - no livro "O Passeio da Fleur"

Ilustração: Nicolas Viot – no livro “O Passeio da Fleur” – disponível em nossa bicicloteca infantil.

Muitos adultos tem lembranças afetivas de sair para brincar nas calçadas e nas rua durante a infância. O calçamento pouco importava, podia ser asfalto, pedras ou terra. Para as crianças atualmente a história é bastante diferente, mas não precisa ser.

Com um pouco de planejamento e imaginação, “brincar na rua” pode ser uma parte importante da vida de nossos filhos também.

Pesquisas na Inglaterra atestam que 90% dos adultos brincavam regularmente em suas ruas na infância. A maioria das crianças hoje gostaria de fazer o mesmo, mas um terço da população inglesa entre 7-14 anos não brinca ou nem ao menos frequenta sua rua.

Brincadeiras de rua são um degrau fundamental para crianças e adultos responsáveis na jornada do brincar supervisionado da primeira infância para a vida independente dos adolescentes.

A ONG inglesa “Playing Out”, que ajuda moradores a organizarem suas oficinas comunitárias, elaborou uma lista de benefícios das brincadeiras de rua:

  • é semi-supervisionado – as crianças podem brincar enquanto os adultos se dedicam as atividades domésticas;
  • encoraja o brincar livre – as crianças seguem suas próprias idéias e interesses;
  • é fácil de organizar e na porta de casa – crianças gostam de brincar perto de cada e não é necessário levá-las a lugar nenhum;
  • provê espaço para grandes e enérgicas brincadeiras – a maioria das praças é pequena demais para pedalar uma bicicleta ou andar de patinete e muitas crianças não tem acesso a um parque de maneira independente;
  • desenvolve um maior espírito comunitário onde vizinhos zelam uns pelos outros;
  • as crianças encontram e fazem amizade com crianças de outras escolas e faixas etárias.

Por onde começar

No começo, você pode querer ficar por perto enquanto seus filhos brincam. É possível se dedicar ao jardim, para os que moram em casa, ou  conversar com vizinhos. Busque envolver-se o mínimo possível na brincadeira dos pequenos – deixe que eles decidam o que fazer e como fazê-lo.

Convide crianças vizinhas e seus responsáveis para se juntarem à brincadeira quando sentir segurança para isso e deixe-as brincar na calçada enquanto você está em casa. É importante estabelecer barreiras sobre onde elas podem e não podem ir e lembrá-las de ficarem atentas ao trânsito motorizado. Deixe a porta entreaberta para poder ouvir as crianças e conferir de vez em quando o andamento da brincadeira.

Idéias de brincadeiras de rua

As crianças muito provavelmente irão preferir inventar seus próprios jogos de rua, ou tentar algumas das idéias abaixo:

  • rodas – crianças adoram a oportunidade de usar suas bicicletas, patins e patinetes na rua;
  • giz – crianças inventam são capazes de fazer lindos desenhos no asfalto que embelezam a rua;
  • bolas – um jogo de queimada, ou até uma partida de futebol são excelentes possibilidades;
  • jogos de rua tradicionais – brincadeira velha é brincadeira boa – as crianças irão amar conhecer as brincadeiras que seus pais e avós brincavam.

Quem precisa lembrar ou ter novas idéias de brincadeiras tradicionais, vale conferir algumas mapeadas pelo projeto Território do Brincar.

Uma opção interessante é organizar “sessões de brincadeira de rua”, abrindo as ruas para as crianças e limitando o trânsito motorizado por algumas horas no contraturno escolar. Dessa maneira as crianças podem brincar na pista e também nas calçadas.

Moradores podem ter acesso com seus automóveis e até mesmo deixá-los estacionados na rua. Restrições de trânsito podem ter requisitos burocráticos ou no mínimo sinalização viária com cones para lidar com os automóveis. As crianças devem ser encorajadas a fazer o que sentirem vontade: elas podem pintar o asfalto com giz, jogarem futebol, ou brincar com suas bicicletas e patinetes.

Festas de rua

Uma festa de rua é um pequeno evento particular organizado por moradores para moradores e que envolve comidas, bebidas, brincadeiras e música. Em geral envolve o fechamento da rua para trânsito motorizado e fazer um requerimento formal para as autoridades locais. Pode ainda ser necessária uma autorização para tocar música ao vivo ou comercializar bebidas.

Uma festa de rua é uma maneira maravilhosa para:

  • encontrar e conhecer seus vizinhos;
  • aproveitar a rua livre de carros;
  • dar às crianças a chance de experimentar brincar na rua em um ambiente seguro, sem tráfego e com muitos adultos para supervisioná-las.

Festas de rua são excelentes eventos teste para a implementação de ruas de lazer, uma política municipal de abertura do espaço viário para pessoas que já é lei em diversas cidades brasileiras.

O projeto Prioridade Absoluta tem modelos de como fazer uma requisição para uma rua de lazer. Além disso, a organização inglesa “Streets Alive” oferece uma série de informações sobre como organizar uma festa de rua.

Para todas as idades, as ruas foram feitas para brincar

 

Esse post é uma tradução adaptada do texto: Street play and events disponível na página da Sustrans.

 

Ruas para crianças em Amsterdã

O bairro De Pijp é hoje o exemplo de ambiente agradável para se morar, mas no começo dos anos 1970 a situação era bastante diferente.

Foi através do desejo de crianças em idade escolar que a organização do desenho viário se tranformou para revelar o retrato atual do espaço público de circulação em toda Amsterdã.

Ruas para os carros vs. espaços de lazer

O ano é 1972 e um documentário televisivo holandês conta a história do conflito pelo espaço urbano vivido pelas crianças. Elas moravam em apartamentos pequenos sem espaço para brincar, em casa ou nas ruas, e ameaçadas pela insegurança viária.

Dentro do momento histórico da Holanda, o desejo infantil por brincar e circular em segurança somou-se à revolta contra a morte de crianças no trânsito e também o impulso de diminuir a poluição ambiental. O clima favorável para mudanças foi construído por muitas mãos, mas certamente os desejos infantis por inclusão na cidade tiveram um enorme papel nas mudanças.

Redução de velocidade e de espaço viário
A história de como as ruas do bairro de De Pijp tornaram-se o que são hoje é um somatório de pressões e esforços no redesenho de políticas públicas que beneficiem as pessoas, em especial as crianças.Dentre as primeiras medidas a serem tomadas, está a redução da velocidade para no máximo 30 km/h em todas as ruas residenciais. A criação de novos espaços para circulação e permanência vem logo em seguida. Por fim, para consolidar iniciativas piloto, modifica-se a infraestrutura com fechamento permanente de ruas para a circulação motorizada, construção de pequenos parques e o que mais a comunidade julgar necessário.

Crianças, tal como árvores, crescem e frutificam. Atualmente as ruas arborizadas do De Pijp são presentes maduros do esforço coletivo em prol da cidade.

Saiba mais:

Amsterdam children fighting cars in 1972

– As crianças que trouxeram vida às ruas de Amsterdam

Quais sementes você planta?

Sem gente que a habite, toda urbe é apenas uma coleção de tijolos empilhados cercada de concreto e asfalto. A cidade pertence a cada um que nela viva e que por ela circule. Ainda que seja possível esquecer desse fato e atribuir ao mandatário da vez ou a outros que tenham poder a propriedade das aldeias densas que chamamos de casa.

Enxergar a cidade como solo vivo para as pessoas é certamente o caminho necessário para se apoderar do espaço ao redor. Ver a massa construída como território cru ainda por ser marcado é um dever que nos cabe.

Arte e agricultura urbana

A artista e muralista Mona Caron deu de presente a São Paulo sua semente, um broto que cresce forte às margens do minhocão. Com latas de tinta uma parede cega tornou-se terra fértil. O papel da arte sempre foi apontar caminhos e inspirar mais pessoas a percorrer jornadas em buscas das imagens que traduzam utopias.

A riqueza da pintura está em resumir visualmente pequenas perfurações já em curso na teia de concreto. O movimento global em prol da agricultura urbana tem sido essa força que traz o verde para dentro dos tons de cinza de nossas aldeias construídas. E cada planta que alimenta é um pequeno movimento em direção a reorganização urbana ao redor de prioridades urgentes, a água, a vida, toda a natureza que foi esquecida e subjugada ao longo dos anos em nome da limpeza hermética da modernidade.

As bandeiras certas para mudar as mentes e as cidades

Vários embates de forças estão em curso. O mais popular nos últimos dias foi entre os que acreditam que todo direito só é pleno quando é para todos e os que crentes em sua boa fé defendem suas visões de mundo com força quase fundamentalista. Na batalha jurídica norte-americana em defesa do casamento igualitário, venceu o entendimento de que era preciso dar garantias sólidas aos casais formados por pessoas do mesmo sexo. A Suprema Corte norte-americana definiu que as uniões civis tem de ser reconhecidas em todo o país e não apenas em alguns estados que aprovaram o casamento entre iguais. Um grande passo rumo a “união mais perfeita”, nas palavras do presidente Barack Obama.

Houve um tempo em que mulheres não tinham direito ao voto e o tom de pele definia pessoas como cidadãs de segunda classe. Os ativistas dos direitos LGBT são hoje o que já foram as sufragete e equivalem-se aos líderes do movimento negro que buscavam igualdade. Visões progressistas quando ganham força e massa crítica tornam-se consensos e seus detratores ficam esquecidos na longa caminhada histórica rumo a uma organização social da humanidade que seja melhor do que a anterior.

Os desafios atuais podem parecer grandes demais, mas o que foi construído por mãos e mentes humanas pode ser rescrito de acordo com o sabor e as pressões do nosso tempo. Sólido é tudo aquilo que é capaz de se desmanchar no ar. O século XX foi o ápice de muitas das forças destrutivas que ainda nos afligem, as cidades são o terreno de um embate que é acima de tudo de visões de mundo, de mentalidades. Pessoas em bicicleta e tantas outras lançam sementes para um futuro mais igualitário, humano e feliz.

Por mais pessoas em mais bicicletas, mais vezes. Pedalemos.

Saiba mais:

Muro cinza 1 X 0 Arte (e a arte de Mona Caron para a bicicletada Paulistana)
The President Speaks on the Supreme Court’s Decision on Marriage Equality
Last Week Tonight with John Oliver: Transgender Rights (HBO)

Uma ciclovia para abrir novas avenidas

São Paulo, 28/06/2015 - Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

São Paulo, 28/06/2015 – Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

A Avenida Paulista é a melhor ágora que sobrevive em São Paulo. Todo movimento político e toda discussão que diz respeito a polis tem de passar por lá ou tem no vão do MASP seu epicentro.

Torna-se óbvio que a praça do ciclista tenha sido disputada e ganha pelo movimento cicloativista para que a bicicleta ganhasse espaço na cidade. Mas a inauguração da mais paulista das ciclovias foi mais que vitória de um grupo ativista ou de aficcionados pelas pedaladas. Foi retomada do espaço público, foi mais uma porteira que se abriu em prol de uma cidade para pessoas.

Aos que estão empenhados em mais bicicletas na cidade há décadas, foi o coroamento de um sonho; os que pedalam há apenas alguns anos, foi o incentivo para que se mantenha a cadência; para quem acabou de descobrir os pedais foi deslumbramento.

Já para quem tem dúvidas sobre o que uma cidade para pessoas significa, foi um manual completo de introdução a uma cidade melhor.

São Paulo, 28/06/2015 - Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

São Paulo, 28/06/2015 – Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

O comércio não conseguiu atender a demanda, a alegria transbordou em lágrimas e sorrisos e o asfalto conheceu o silêncio, as conversas sem gritos e o ar limpo.

Política pública da melhor qualidade é a que parte da sociedade civil organizada, é encampada pelo poder público e transforma a realidade. Sempre foi essa a intenção da massa crítica de São Paulo, nascida em 29 de junho de 2002. A reação em cadeia que pessoas em bicicleta quiseram iniciar 13 anos atrás, depois de muitos catalisadores agora está agindo de maneira quase espontânea.

O cicloativismo ainda não chegou ao ponto de ser desnecessário, mas a cada pedalada é possível enxergar mais perto o fim do movimento que se tornará extinguirá quando for incorporado por toda a sociedade.

Pedalemos. As cidades ainda não mudaram, mas cada vez mais pessoas em mais bicicletas mais vezes irão realizar utopias.

Leia mais:

A política pública se torna “chic” e distante do povo quando começar em áreas nobres!

Ocupando o símbolo de São Paulo

33 imagens adoráveis da inauguração da ciclovia na Avenida Paulista

Planejamento urbano para pedestres

Barreiras para pedestres em travessa - foto via Mapillary

Barreiras para pedestres em travessa – foto via: Mapillary

O simples ato de caminhar pelas ruas de grandes cidades brasileiras pode ser revolucionário, ou no mínimo contra cultura. Muito da lógica de engenharia que constrói rodovias é ainda hoje aplicada no desenho e planejamento para a fluidez do espaço de circulação urbano.

Entender e definir trajetos para o fluxo de pessoas e cargas sempre foi uma necessidade urbana, mas um aspecto fundamental ficou de fora quando se institucionalizou o rodoviarismo urbano com prática padrão. Esquecemos das ruas como um componente vital de zonas urbanas, estrutas que impactam diretamente a qualidade de vida da população local.

A importância de marcadores de qualidade para o trânsito pedestre é tão fundamental que é preciso lembrar da lógica dos shoppings centers. Em cidades com primazia do transporte motorizado sobre os deslocamentos humanos, centros de compras que são locais adequados para circulação e contemplação e funcionam como ilhas de tranquilidade cercadas de estacionamentos lotados por todos os lados.

Descobrir os caminhos dos pedestres

Vista de cima a cidade é feita apenas de linhas e vazios.

Vista de cima a cidade é feita apenas de linhas e vazios.

Para entender e planejar a mobilidade é preciso “descer ao nível pedestre”, caminhar e descobrir o movimento de quem se desloca a pé. Descobrir barreiras, tais como qualidade do piso, calçadas estreitas, posts, placas, comércio ambulante, abrigos de ônibus, falta de sinalização e iluminação focada no pedestre, falta de acessibilidade, cruzamentos inseguros, caminhos indiretos, desrespeito às linhas de desejo, invasões e interferências na calçada através de carros estacionados ou obras etc.

O pedestre requer mais do que linhas e planos traçados em escritórios com ar condicionado, entender as necessidades de deslocamento urbano a pé requer um profundo conhecimento do espaço urbano, seus caminhos e seus locais de pausa.

Sinergias entre bicicletas e pedestres

Pai ciclista prefere a calçada. foto via Mapillary

Pai ciclista prefere a calçada – foto via: Mapillary

Por ser veículo e por ser compatível com velocidades humanas a bicicleta é um excelente colonizador para espaços urbanos desgastados por excessos rodoviaristas. Com um mínimo de adequação do viário existente é possível incluir mais pessoas pedalando o que invarialmente torna as ruas mais agradáveis para caminhar e gera um círculo virtuoso de promoção à qualidade de vida.

Utopias e o futuro da mobilidade

Vai acontecer em Viena, na Áustria o Walk21, um conferência mundial realizada por uma rede de organizações e pessoas que promovem a mobilidade a pé. A idéia é inspirar e envolver as pessoas através da disseminação de boas práticas e implementação de soluções que criem espaços de circulação para que mais pessoas escolham caminhar. Por mais pedestres, caminhando com mais conforto mais vezes.

O futuro da mobilidade já está aparecendo - foto via Mapillary

O futuro da mobilidade já está aparecendo – foto via: Mapillary

Saiba mais:

– Vale conferir os projetos inspiradores enviados para a seleção.
– Leia o manual de desenho urbano para pedestres elaborado pelo governo inglês.