Paternidade, crianças e espaço público

A paternidade é um videogame repleto de desafios em que cada fase concluída é apenas o início da seguinte. Criar uma criança acostumada a circular pela cidade é desafio maior do que qualquer jogo.

Após o nascimento de uma criança o corpo vai se amadurecendo aos poucos. Da firmeza do pescoço até o caminhar os músculos vão se construindo. Ao mesmo tempos os ossos se alongam, as conexões no cérebro se multiplicam.

Junto com a criança, nasce também o medo dos pais. A pequenez e fragilidade da vida está lá demonstrada a todo o momento, mas tal como um passarinho que aprende a voar jogando-se do ninho, assim também somos nós.

A mais divertida das tarefas de educar uma criança é apresentar o mundo ao redor. Tal introdução envolve conduzir pelas ruas uma vida pelo qual somos totalmente responsáveis.

Face a agressividade motorizada e dos riscos de um ambiente urbano criado nos moldes de autoestradas, muitas famílias blindam-se. As crianças então circulam presas nas carruagens de aço e vão de um espaço fechado ao outro.

Da aurora da nossas vidas que é a infância, leva-se tudo e quase nada. Ficam gravadas as marcas dos hábitos que vão se formando e das habilidades adquiridas. Apresentar o mundo para uma criança em uma grande cidade envolve permitir que elas circulem livres pelas calçadas.

O olhar atento e a companhia próxima são vacina contra a imprudência de automobilistas e as inúmeras saídas de garagem. Mas são nos canteiros de flores, nas árvores, grades e escadas pelo caminho que nossos filhos podem conhecer o espaço onde vivem para futuramente dominá-lo.

Chega um dia então que é hora de envolver transportes ativos na equação, primeiro um patinete, logo então uma bicicleta sem pedais. Aumenta a velocidade e o pai torna-se atleta enquanto a criança se apaixona pelo vento no rosto.

Na mais tenra idade, poder voar em liberdade é privilégio. Prazer e alegria que marcam de forma indelével o resto de nossos dias.

Muitos de nós lembram das primeiras pedaladas, quem nos ensinou e guardam na memória a sensação da conquista do equilíbrio. Por meio de uma bicicleta de equilíbrio, antes dos 2 anos de idade, ser ciclista entra na parte das memórias gravadas no inconsciente.

As memórias conscientes costumam aparecer somente após os 3 anos de idade, a bicicleta quando introduzida desde a mais tenra infância é portanto das marcas que se assentam na alma, é como a nossa língua materna que nossa razão nos diz que sempre soubemos, mas que na realidade aprendemos cedo demais para nos lembrarmos.

Cada criança que descobre o vento no rosto torna-se possibilidade futura de cidades livres de parabrisas e blindagens. Liberemos então as calçadas para a infância e avancemos por grandes distâncias carregando em nossas bicicletas, sentadas nas cadeiras as mais preciosas vidas que temos, aquelas que trouxemos ao mundo em nome das quais defendemos cidades amigas da bicicleta.

Um carrinho de bebê ou um adulto com uma criança no colo circulando pelas ruas é documento vivo sobre a necessidade de espaços agradáveis e seguros para circulação humana. Uma criança livre em um meio de transporte ativo, ou sentada como passageira em uma bicicleta é mostra concreta de que outras cidades são possíveis.

Leia mais:

Why Are Little Kids in Japan So Independent?

The benefits of biking to school

Bicicletas para crianças: saúde, diversão e trânsito

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Após o lançamento da versão impressa já está disponível online o livro “Bicicletas para crianças: saúde, diversão e trânsito”.

Uma pequena fábula sobre o nascimento da Cidade abre a história que depois mergulha em aspectos técnicos e práticos. Desde a discussão sobre o direito das crianças à cidade, passando por uma reinvenção da educação viária chegando a uma mobilidade urbana na perspectiva da criança e o futuro urbano da infância.

Mas nem tudo são soluções e otimismo. A publicação também lança luz sobre a mortalidade do trânsito motorizado e como ele vitima as crianças além de abordar o sedentarismo infantil e seu vínculo com a epidemia global de obesidade.

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Apesar dos percalços, há esperança no que está por vir. Serão os mais jovens humanos que nos darão inspiração para modificar o presente, mas acima de tudo, através dos ensinamentos da infância reinventaremos o planeta urbano com mais humanidade.

Modificar estruturas rígidas requer maleabilidade, e a humildade de ser pequeno. Assim pode ser com nossas cidades, aparentemente tão rígidas e definitivas, mas aptas à transformação. Alguns dos passos sugeridos estão no livro, mas como nas receitas nele contidas, o importante é a diversidade e principalmente a sensibilidade de praticar valores humanos.

Saiba mais:

– Dowload em pdf:


Bicicletas para Crianças: Saúde, Educação e Trânsito

Outras publicações sobre mobibilidade e bicicletas para crianças no site.

Bicicletas para crianças, o livro

 

 

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Um livro para buscar faíscas para relembrar boas memórias e ajudar na formação dos alicerces das gerações futuras.

Será lançado no Rio de Janeiro de Janeiro e em São Paulo “Bicicletas para crianças – Saúde, Diversão e Trânsito”. De autoria de João Lacerda e com ilustrações de Milla Scramignon. A publicação é uma realização da Transporte Ativo com patrocínio do Itaú.

Dividido em 7 capítulos, “Bicicletas para crianças” busca ser inspiração para novas fábulas e também um manual prático de como promover a mobilidade humana dentro e fora do ambiente escolar.

Para construir cidades para as crianças

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No olhar de cada criança há sempre o impulso pela descoberta, uma coragem de desbravar o desconhecido e absorver tudo que é belo no mundo. Preservar a sabedoria inata da infância é dever dos adultos e existem várias formas de fazê-lo.

A experiência ao longo dos anos por vezes solidifica percepções e até mesmo inviabiliza transformações necessárias. Cada nova vida humana que chega ao mundo nos faz lembrar que nada está pronto.

Somos, e seremos sempre, capazes de inventar novas fábulas, descobrir soluções inéditas para velhos problemas, manipular o tempo e o espaço, escrever ensinamentos para o presente, desbravar os caminhos menos trilhados e acima de tudo, oferecer o nosso melhor para as futuras gerações honrando o que recebemos de nossos antepassados.

Entre o passado e o que está por vir, são as crianças que nos ensinam o valor de viver cada momento. A beleza está em juntar a pureza da infância com humildade e utilizar a sabedoria dos anos vividos para transformar para melhor as cidades ao nosso redor, dia após dia.

Serviço:

Rio de Janeiro
Data: Sexta, 11 de dezembro de 2015
Hora: 18:00h
Local: Bike Rio Café, rua do Senado, 176

São Paulo
Data: Sábado, dia 12 de dezembro de 2015
Hora: 15:00h
Local: Preto Café, rua Simão Álvares, 781

Ruas para crianças em Amsterdã

O bairro De Pijp é hoje o exemplo de ambiente agradável para se morar, mas no começo dos anos 1970 a situação era bastante diferente.

Foi através do desejo de crianças em idade escolar que a organização do desenho viário se tranformou para revelar o retrato atual do espaço público de circulação em toda Amsterdã.

Ruas para os carros vs. espaços de lazer

O ano é 1972 e um documentário televisivo holandês conta a história do conflito pelo espaço urbano vivido pelas crianças. Elas moravam em apartamentos pequenos sem espaço para brincar, em casa ou nas ruas, e ameaçadas pela insegurança viária.

Dentro do momento histórico da Holanda, o desejo infantil por brincar e circular em segurança somou-se à revolta contra a morte de crianças no trânsito e também o impulso de diminuir a poluição ambiental. O clima favorável para mudanças foi construído por muitas mãos, mas certamente os desejos infantis por inclusão na cidade tiveram um enorme papel nas mudanças.

Redução de velocidade e de espaço viário
A história de como as ruas do bairro de De Pijp tornaram-se o que são hoje é um somatório de pressões e esforços no redesenho de políticas públicas que beneficiem as pessoas, em especial as crianças.Dentre as primeiras medidas a serem tomadas, está a redução da velocidade para no máximo 30 km/h em todas as ruas residenciais. A criação de novos espaços para circulação e permanência vem logo em seguida. Por fim, para consolidar iniciativas piloto, modifica-se a infraestrutura com fechamento permanente de ruas para a circulação motorizada, construção de pequenos parques e o que mais a comunidade julgar necessário.

Crianças, tal como árvores, crescem e frutificam. Atualmente as ruas arborizadas do De Pijp são presentes maduros do esforço coletivo em prol da cidade.

Saiba mais:

Amsterdam children fighting cars in 1972

– As crianças que trouxeram vida às ruas de Amsterdam

Primeiros passos na rua

Há para quem nunca antes existiu, novidade em cada metro de calçada. Passear na rua com uma criança de colo que começa a dar os primeiros passos é das mais renovadoras experiências urbanas.

Primeiro uma forte dose de medo da imprudência alheia. Uma entrada de garagem para um motorista apressado representa um risco, a mão adulta que ajuda a firmar os passos é também a que restringe o rumo em direção ao outro lado. A cratera mortal por onde circulam as carruagens de aço é invisível aos olhos da pureza infantil. Resta ao adulto dilapidar seus medos e conduzir a aventura.

Feito de metal, meio frio, com algo fixo lá no alto esse é o poste com uma placa com as regras de estacionamento. É grande e se estende mais alto do que qualquer outro ser humano vivo. Vale uma pausa para contemplação.

Nas calçadas entre a rua e os prédios, tem existem também misteriosos objetos feitos de trama de ferro. Vazios são simplesmente misteriosos, mas em determinados horários são receptáculos mágicos onde se coloca o lixo. Um portal transdimensional das ilusões humanas quanto ao destino de seus resíduos. Objetivamente é sujo, para uma criança é fixo e parece flutuar no ar.

Isolada por um degrau que surge quase do nada mora a dona árvore. Um ser vivo que desperta curiosidade para quem nasceu em meio ao mundo criado e manipulado por forças humanas. O tronco firme e rugoso merece o toque, mas a falta de intimidade não convida ao abraço.

Do outro lado da rua caminha um cão, com coleira e um homem que o guia. Não existe homem, não existe rua e o vale da morte que ela representa, há apenas um cachorro que é digno de ser apontado e atraente para que se queira mudar de calçada. Tudo para e logo surge outro ser peludo, quatro patas no chão e bem pertinho.

Outra lixeira, mesma curiosidade. Outro poste, deslumbramento. O mundo inteiro construído está ainda por ser descoberto. Cada passo dado na cidade por uma criança fornece a dimensão dos erros cometidos e concede uma pequena dose de esperança quanto as possibilidades do nosso futuro urbano.

Fossem delas essas ruas, não seriam cobertas de ladrinhos, apenas livres para traçar caminhos erráticos, sem linhas retas e com o rumo único das descobertas.