Em favor das reduções de velocidade

A Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET) reduziu o limite de velocidade no eixo composto pelas avenidas Rubem Berta e 23 de maio. Antes a velocidade máxima permitida podia chegar a 80 km/h em alguns trechos e agora passa a ser de 70 km/h nos quase 8,3 quilômetros em questão. Nas palavras do comunicado da CET:

Medida visa padronizar velocidade no corredor Norte/Sul e proporcionar maior segurança

São dois pontos em que os interesses dos condutores de veículos a motor e ciclistas são afetados positivamente. Ainda que o eixo das avenidas seja inadequado para a circulação de bicicletas.

Muitos motoristas reclamam, com razão, da dificuldade de respeitar os limites de velocidade que variam em uma mesma via. Igualar o limite dentro em um eixo viário resolve o problema. A medida implementada por hora somente no eixo norte/sul, poderia ser expandida para as ruas locais e outras avenidas de São Paulo, uniformizando as velocidades máximas e encorajando os motoristas a conduzir de maneira uniforme e em acordo com a segurança viária.

Ainda em relação a segurança, as avenidas Rubem Berta e 23 de maio concentram um grande fluxo de motoqueiros que, na maior parte do dia, trafegam por entre os carros. Reduzir o limite irá beneficiar portanto os condutores e passageiros desses frágeis motorizados. Limites de velocidade condizentes com a segurança de todos e que sejam fáceis de respeitar são portanto uma medida extremamente positiva.

Incrivelmente, ainda ecoa entre alguns motoristas e na mídia opiniões contrárias a redução da velocidade. Opiniões que carecem de um mínimo de bom senso e tem uma visão extremamente estreita da realidade das ruas. Durante a maior parte do dia a velocidade máxima da via, ou de qualquer via em São Paulo, é irrelevante. A quantidade de veículos motorizados impede o fluxo de todos. Reduzir o limite portanto implica em uma pequena perda nos horários de trânsito livre.

Dois comentários no blog do Luís Nassif, que tratou sobre o assunto, resumem a questão. No primeiro a distância percorrida em metros em cada uma das velocidades e a segurança.

Numa velocidade de 80km/h vc a cada segundo vc avança 22,5 metros e a 70km/h vc avança 19,5 metros, parece pouca diferença, mas considerando que o tempo de reação é de 3/4 de segundo e que a distancia de frenagem após a reação será de 39,5 metros em pista seca para um veiculo a 80km/h e de 34,5 metros se estiver a 70km/h, teremos um total de 56 metros para 80km/h e de 49 metros para 70km/h, são sete metros de diferença, basicamente uma vez e meia o tamanho de um automóvel.

O segundo comentário, trata de uma situação imaginária caso todo o trecho pudesse ser percorrido a uma velocidade constante.

O trajeto do aeroporto de Congonhas até o vale do Anhangabau tem 8,4 km. Os tempos para percorrer este trajeto serão:
70 km/h = 7,2 min
80 km/h = 6,3 min
A diferença é 0,9 min, ou 54 segundos.

Parcela ínfima dos mais de 17.000 quilômetros de ruas e avenidas, esses 8.300 metros passam a ser representativos em relação ao que pode ser feito na cidade. Regular a velocidade tendo a segurança como prioridade é uma medida que salva vidas sem trazer perdas a fluidez motorizada, já tão comprometida. Facilitar a vida do condutor motorizado pode beneficiar a todos, independente do veículo escolhido.

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Cães, bicicletas e o cavalo-vapor

O mais famoso site de leilões no Brasil é uma boa maneira para conhecer o que está disponível no mercado de bicicletas, mas funciona também como fórum de debates sobre produtos e outros assuntos.

Um anúncio simples com uma única foto. Uma bicicleta nacional com suspensão dianteira e traseira, paralamas e bagageiro. E nas palavras do anunciante: “pronta para sair pedalando depois da compra”. No espaço para perguntas, algumas ofertas de troca e uma saltou aos olhos:

Amigo, tenho um cachorrinho shi tzu com pedigree, preto e branco com 60 dias, vacinado e vermifugado, que vale mais ou menos $700. Te interessa fazer esta troca?

A resposta dada pelo vendedor discorre sobre algumas incongruências da nossa sociedade em relação ao tratamento com os animais.

Amigo, animais são criaturas sencientes e não mercadorias. Esse filhote merece ter uma vida digna. Você me ofereceria uma criança por R$ 700? Então como oferece um cão? Do ponto de vista ético (e não jurídico ou cultural), qual a diferença? Aliás, será que há uma diferença de fato? Será que essa diferença não foi inventada? Ou só porque todo mundo faz está correto? Vou lhe dar um conselho: se não quiser ficar com ele, doe o cachorrinho para alguém que lhe inspire confiança, alguém que não vá abandoná-lo ou negociá-lo sob hipótese alguma. Não utilize como critério de escolha a disposição em pagar algumas centenas de reais por um ser capaz de sentir dor e expressar emoções. O abandono de animais em São Paulo é altíssimo, e as ruas – pode apostar – são um péssimo lugar para se sobreviver… Desculpe a franqueza, mas você tocou num princípio nevrálgico da minha ética. Boa noite e muita paz para você.

Rever o conceito das cidades em que vivemos também é repensar a maneira com que nos conectamos a outras formas de vida que habitam esse mesmo planeta. Antes da invenção da carruagem sem cavalos que hoje domina nossas ruas, dois graves problemas nas grandes cidades eram os dejetos de animais e as carcaças dos mortos. Trocamos cavalos de carne e osso pelo “cavalo-vapor”. Com isso os cães que perambulavam nas ruas com tranquilidade hoje encontram-se apenas nas periferias com menos trânsito motorizado ou em pequenas cidades.

A cena de abertura do clássico “Meu Tio” de Jacques Tati retrata esse momento histórico em que as cidades tornaram-se menos amigáveis com os vira-latas e mais convidativas as carruagens movidas a cavalo-vapor.

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Ruas mais habitáveis

Cidades, com seus defeitos e inviabilidades são o habitat da maior parte dos seres humanos. Estão aqui há alguns milhares de anos e devem sobreviver a outros tantos, mas precisam melhorar em diversos aspectos até lá.

Podemos considerar a priorização das máquinas em relação a vida como um curto lapso de consciência. Algumas décadas durante o século XX em que chegamos a cogitar que o progresso e livre fluidez de máquinas foi mais importante do que os seres humanos.

A humanização do espaço urbano tem sido buscada por pioneiros há alguns anos, mas deixou de ser preocupação de uma minoria de visionários e cada vez mais ganha corpo como senso comum. Uma idéia que ganha corpo é a “moderação de tráfego”, ou “acalmia” como dizem os portugueses.

A moderação do tráfego tem por objetivo inserir a circulação dos veículos dentro um processo de desenvolvimento sustentável da cidade: preservar o ambiente urbano e a qualidade de vida, e, ao mesmo tempo, garantir a mobilidade das pessoas e dos bens assim como a acessibilidade aos vários locais e atividades. A melhoria das condições de segurança do tráfego é o primeiro critério neste processo.

Um benefício indireto de um número maior de ruas mais tranquilas pode parecer pequeno e pouco relevante, mas tem implicações enormes para as frágeis criaturas que habitam as cidades. Um estudo norte americano (Livable Streets) apontou que em situações análogas, pessoas que moram em ruas tranquilas tem em média três amigos a mais e o dobro de conhecidos do que alguém que mora em uma rua de tráfego motorizado intenso.

É fácil imaginar porque alguém que mora em uma rua tranquila tem mais amigos. A vontade de sair mais a rua, os efeitos positivos de dormir melhor, e um contato mais próximo com o ambiente e as pessoas a sua volta.

Uma cidade em que um número maior de pessoas tem mais amigos é mais democrática e tem um tecido social mais coeso. Torna-se portanto mais segura e agradável de se viver. E tudo começa com medidas de moderação de tráfego que são capazes de colocar de volta as pessoas como prioridade absoluta das cidades.

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Saiba mais:
Moderação do tráfego – vias-seguras.com
Traffic calming – wikipedia.org

Visão Zero

O conceito de “Visão Zero” é antes de mais nada uma nova abordagem ética do trânsito motorizado. Foi aprovado pelo parlamento sueco em 1997 e pregava que:

“Nunca pode ser eticamente aceitável que alguém morra ou fique gravemente ferido enquanto se desloca pelo sistema rodoviário de transporte.” Dentro dessa ótica, o zero não é um número a ser alcançado em uma data específica, mas uma visão da segurança do sistema que ajuda a construir estratégias e estabelecer metas.

Ao contrário da visão em voga até então, a Visão Zero estabelece que a responsabilidade é partilhada entre quem desenha as vias e quem as utiliza. E sempre que houverem fatalidades, algo tem de ser feito para que o fato não se repita. “A vida nunca pode ser trocada por outro benefício dentro da sociedade”.

Dentro dessa lógica, não basta estabelecer a letra em lei para como o motorista deve conduzir, mas é preciso fazer com que o desenho da via facilite uma conduta segura pelos usuários. Curvas de alta velocidade e longas retas dentro das cidades, expondo os mais frágeis ao risco são os exemplos mais claros de como o desenho do viário contribui para a insegurança do sistema.

Sempre a cada fim de semana prolongado a mídia reporta os números, dezenas de milhares de vítimas em nossas estradas, acompanhados da variação em relação ao mesmo período do ano anterior. Mesmo com o prejuízo ao país na casa dos bilhões, ainda falta uma abordagem sistêmica que facilite o comportamento correto da maioria dos motoristas e expurgue os infratores.

A Visão Zero dos suecos por ser um modelo ético, pode ser aplicado em qualquer país ou cidade. Basta que haja a vontade política de privilegiar a vida e a saúde das pessoas acima de outras variáveis. Fazendo com que o trânsito cumpra seu propósito, sem propiciar que as ruas sejam tratadas como pistas de autorama.

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Mais:
Vision Zero – An ethical approach to safety and mobility

Extremos Climáticos

Mesmo quando a neve cai, Copenhague continua sendo ciclável. Nada de especial nas bicicletas e nem mesmo seus ciclistas são mais poderosos do que os nossos. Apenas para garantir que um número relevante de pessoas continue pedalando, a prefeitura tem tratores especiais que limpam as ciclovias.

As alternativas fazem com que pedalar, mesmo no frio, sejam vantajosas. Afinal a bicicleta possibilita pontualidade, como sempre, e é prática como em qualquer lugar o ano todo. No entanto os transportes públicos ficam mais cheios por conta do frio e torna-se uma questão de análise racional de opções.

Para fazer um paralelo com o Brasil, ao invés de neve em janeiro, temos chuvas (em algumas regiões) e o calor. Pode parecer surpreendente, mas os incentivos e atitudes individuais dos ciclistas tem de ser similares tanto na neve quanto em tempo chuvoso ou no calor.

O desconforto climático de pedalar com grandes casacos é similar ao que tem de enfrentar um ciclista tropical e a atitude a ser tomada é a mesma, manter um ritmo constante e mais lento do que quando o clima está ameno. Já para quando a neve ou a chuva caem, o certo é reduzir a velocidade e tomar mais cuidado nas curvas, afinal a aderência dos pneus da bicicleta diminui. Em caso de calor o ciclista também deve optar por rotas mais arborizadas, afinal sombras são sempre mais agradáveis do que asfalto e concreto por todos os lados.

Para incentivar os ciclistas a seguirem pedalando mesmo com condições climáticas aparentemente adversas, medidas simples:

– Bicicletários seguros e cobertos para garantir que a bicicleta não vai ficar exposta as intempéries além do estritamente necessário, isto é, quando em movimento;

– Vestiários para quando o suor for além do aceitável. Afinal o costume indígena do banho diário chegou até os dias de hoje entre os brasileiros. E o calor tropical é também um grande incentivo a esse hábito;

– Por fim, ruas mais arborizadas e medidas de promoção a um micro-clima mais saudável nas cidades. Afinal árvores ajudam a resfriar a temperatura e ao mesmo tempo aliviam das chuvas mais fortes.