Construir, a parte fácil

Brasília foi desenhada na prancheta, fruto da mente criativa de Lúcio Costa e seu “plano piloto”. Mas tão rígida nos planos, a nova capital federal não levou em conta o erro, o tempo e as incertezas. Todas as cidades não planejadas do mundo contém o erro ao longo de muitos anos e Brasília só teve 50 anos de interferências humanas não previstas.

Nem mesmo o mais “planificado planejamento” foi capaz de prever que ao invés de 500.000 a cidade fosse ter 2 milhões e 600 mil habitantes. Cercada de invasões e habitações informais das cidades satélites, Brasília reforça a distância física entre moradia e emprego, entre ricos e pobres. Niemeyer foi gênio da poesia com concreto, mas uma cidade não pode contar apenas com aço, asfalto, cimento e cabos de força.

A nossa capital federal, só é mesmo cidade por suas pessoas que garantem que toda a beleza e inovação arquitetônica dos traços de Niemeyer permaneçam firmes e bem cuidados. As rodovias que ligam a cidade e amplitude do horizonte do planalto central garantem a beleza da cidade construída, mas o desafio é garantir que esse espaço possa ser para as pessoas.

Cada superquadra é um pouco uma célula urbana quase autosuficiente, com comércio e moradia. No entanto a mesma amplitude que fascina o visitante é a que desincentiva a caminhada e a presença das pessoas nas ruas. A compartimentalização nunca fez bem as cidades, como diagnosticou Jane Jacobs.

Mesmo as vias expressas que funcionam como rodovias não foram capazes de abrigar o fluxo sempre crescente de veículos motorizados particulares e a cidade que nasceu sem semáforos hoje já convive com o malfafado congestionamento motorizado. Sinal do triunfo da mobilidade individual sobre o transporte coletivo, grande falha da capital federal.

Apesar de tudo, Brasília é o reflexo de um Brasil do passado que mirou longe rumo ao futuro. Não foi erro crasso, nem retumbante sucesso. Foi apenas um rascunho que virou maquete que ergueu-se em meio a poeira do cerrado para ser o símbolo de um Brasil que queria ir além do litoral atlântico, onde ainda vive a maioria absoluta dos brasileiros. Acabou sendo apenas uma cidade brasileira diferente e igual a todas as outras e marcadamente fruto de um tempo histórico em que o homem acreditava-se maestro do mundo.

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O ambiente natural e as cidades

O sudeste brasileiro concentra 42% da população do país em menos de 11% do território. São quase 80 milhões de pessoas sendo que mais de 90% vivem em cidades.

Salada de números à parte, a mais densa concentração de brasileiros vive na região da Mata Atlântica que sucumbiu a 7% da sua extensão original. Muito se fala sobre salvar a Amazônia, mas o exemplo das maiores cidades brasileiras vai na contramão da preservação de biomas.

O modelo de gestão e crescimento das cidades no sudeste ainda não segue regras básicas de boa convivência com o ambiente natural. É um caminho lógico portanto que as cidades do resto do país se espelhem nos modelos de gestão das maiores metrópoles.

Um exemplo australiano pode servir de inspiração para que cidades brasileiras possam reconhecer que fazem parte de um bioma e que um manacá da serra plantado na calçada pode ser mais do que algumas flores bonitas que embelezam uma rua.

Um trecho de um artigo no O Eco ilustra o que tem sido feito na Austrália.

Os governos federal, estadual e municipais mapearam os espaços verdes da Grande Sydney e verificaram as possibilidades de interligá-los. A idéia é aumentar a área útil das unidades de conservação da cidade por meio de corredores de vegetação nativa, que viabilizem rotas migratórias para pássaros e pequenos mamíferos e permitam assim maior troca genética à fauna de Sydney.

Tudo foi inventariado. Parques infantis, terrenos baldios, jardins públicos, campos de futebol e de golfe, mananciais, áreas de recreação de escolas públicas e privadas, estacionamentos de fábricas e de entidades do governo, margens de rodovias, jardins de casas particulares etc.

Iniciativas como a tomada em Sydney servem de modelo para repensarmos nossas cidades. E tudo que acontece eixo São Paulo – Rio de Janeiro – Belo Horizonte tem potencial para balizar o desenvolvimento urbano dos mais de 5.000 municípios brasileiros.

Leia a íntegra do artigo “Sydney dá bom exemplo” de Pedro da Cunha e Menezes.

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Geologia, engenharia e harmonia

O progresso já foi a luta do homem contra a natureza. Onde o importante era descobrir maneiras de controlar e subjulgar o “mundo natural”. Os avanços do século XX levaram essa noção de progresso a extremos que se mostraram hoje um grande erro de concepção.

Canalizações de rios, contenções de encostas, aterros e outras grandes interferências humanas no ambiente podem ser compreendidas somente em tragédias como as que atingiram o Rio de Janeiro nesse começo de abril de 2010.

Onde antes haviam rios, florestas, pântanos e lagoas hoje está presente o asfalto e o concreto. O poder humano diante da intensidade das chuvas em um país tropical é insignificante.

Da mesma forma que a problemática ocupação urbana carioca foi produzida ao longo de algumas centenas de anos, pelo menos mais algumas décadas serão necessárias para reverter os malefícios.

A construção de uma cidade mais humana é também a luta por uma cidade que saiba conviver melhor com o ambiente natural. Medidas podem ser tomadas para reverter a ocupação irregular de encostas que tira vidas. Mas não só isso.

Os rios, córregos e corpos d’água nunca mais poderão ser os mesmos de antes da ocupação humana, resta a cada dia buscar devolver-lhes um pouco do espaço e possibilitar que possam fluir o mais próximo possível do natural.

Além disso, todas as medidas de construção de uma cidade em harmonia com a natureza passa pelo melhor uso do ambiente urbano. O espaço de circulação, hoje intensivo no uso de asfalto e concreto pode dar lugar a mais árvores e vazios para drenagem. As construções podem ser mais do que esculturas a base de tijolos e cimento para também serem capazes de absorver um pouco da água das chuvas e impedir as enxurradas que destroem e inundam.

Qualquer cidade é fruto das escolhas feitas por seus habitantes. Cidades viáveis no futuro serão aquelas que souberem lidar com as adversidades de maneira adequada além de reverter um quadro desfavorável. Não é apenas um voto em prol da qualidade de vida, mas também da sobrevivência.

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Pedestres para cidades saudáveis

Todos os urbanóides vivem em um bairro. As pessoas não vivem em uma cidade, uma região metropolitana, uma estado ou um país. A vida urbana se constrói nos bairros e em suas ruas e avenidas.

Uma cidade só é saudável e viva quando tem bairros saudáveis em que as pessoas podem atender suas necessidades cotidianas a pé. Ir ao banco, a um restaurante, ao mercado ou a padaria.

O raio de ação do pedestre é limitado e por isso um bom bairro tem de ser minimamente denso. Bairros dormitórios ou a urbanização aos moldes de “cidades jardim” são falhas por não levar em consideração as distância e necessidades cotidianas. Sofrem com isso a população de baixa renda, isolada em conjuntos habitacionais e os mais abastados, isolados do restante da cidade em bairros protegidos.

Enquanto as cidades não caminham para retornar a sua função original de habitats densos para seres humanos, resta a quem tem a chance, escolher viver em bairros que congreguem facilidades para os pedestres.

A aventura humana se traça por linhas tortas e os passos lentos que nos possiblitaram dominar o planeta são os mesmos que tem de ser olhados com mais atenção. Esse já é o discurso da nova mobilidade e pode ser a bandeira dos movimentos ambientalistas para as cidades. Afinal, todos precisamos da Amazônia e outros ecossistemas naturais. Ainda que a maioria de nós não viva na selva, mas nos gigantescos zoológicos humanos que são as cidades.

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Onde se fabricam ciclistas

Foi inaugurada a maior ciclovia paulistana, 14km ao longo da margem do rio Pinheiros. Entre a água e os trilhos do trem, a pintura vermelha é bem visível para os milhares de helicópteros que sobrevoam a cidade. Por isso e pelos ciclistas que já circulam a nova pista é iconica. Cartão postal de um ângulo desconhecido da cidade e que engloba a bicicleta, personagem de crescente importância na paulicéia.

Críticas foram feitas. Na inauguração, são apenas 2 acessos, um em cada extremo do trajeto. É pouco, muito pouco e praticamente inviabiliza o uso da pista como meio de transporte. O horário restrito pela falta de iluminação é outro ponto, só será possível pedalar entre as 6 da manhã até as 18 horas. Mas felizmente são novos problemas que estão exatamente uma pedalada a frente.

Já no primeiro fim de semana, os ciclistas tomaram as pistas, carentes de espaços para desfrutar a cidade. Serão esses ciclistas e a repercurssão positiva na mídia que farão com que esse espaço seja ampliado, os acessos construídos e a malha cicloviária da cidade aumente para cada vez mais melhorar a circulação de quem já pedala e de quem quer pedalar.

Reverter o curso da urbanização centrada no automóvel particular é um trabalho complexo. E tal e qual manobrar um navio transatlântico, é preciso que o capitão dite o rumo e os tripulantes visualizem e sonhem com o novo destino. Construir cidades para pessoas passa por angariar apoio político e uma opinião pública favorável.

São Paulo deve muito aos que já conquistam as ruas diariamente pedalando, mas a cidade precisa aprender a “fabricar” mais ciclistas e espaços de qualidade para a circulação de bicicletas é uma excelente maneira de atingir o objetivo. Tudo para que, devagar e sempre, cumpra sua verdadeira função, habitat artificial das frágeis criaturas humanas.

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