Quem se importa com o aquecimento global?

A população humana cresceu exponencialmente durante o século XX e continua a crescer. Mas um estudo diz que se colocarmos na balança toda a população de formigas, elas pesam mais do que 6 bilhões de pessoas e consomem 5 vezes mais calorias. Interessante notar que elas são parte de um mundo finito e mesmo com o impacto que geram, sobrevivem. Geração após geração as formigas comem muito, reproduzem-se bastante, constroem cidades gigantescas e o planeta segue muito bem com elas.

Há algo de errado com os impactos negativos da humanidade, mais errado ainda desde a “revolução industrial”. A energia que passou a mover o homem deixou de ser a mesma biomassa que move as formigas e passou a vir de combustíveis fósseis. Esses combustíveis intensificaram o efeito estufa, e tudo o mais. O caos climático mostra suas garras, mas o medo de um mundo mais quente na média e desequilibrado como um todo não foi o suficiente para um tratado climático convincente. Nem em Quioto em 1997 ou Copenhague 2009.

Paira a pergunta: quem se importa com o aquecimento global? Países ricos querem se eximir das emissões, pobres querem poluir até ficarem ricos e nesse ínterim, o mundo esquenta. Talvez a melhor estratégia para combater o caos climático, seja deixá-lo de lado. Tratar o problema por um outro lado.

Estilos alternativos, que minimizam os impactos humanos negativos tem se tornado comum. Políticas públicas, privadas e particulares que alastrem e modos de vida condizentes com um planeta finito tem de ser promovidos e valorizados.

Seres humanos podem e sabem viver com menos. E menos não significa uma vida de privações, mas ter ao dispor mais bens duráveis e menos descartáveis. Ter mais máquinas que potencializem eficiências de toda natureza, gerar menos lixo, viver em cidades mais densas e com prédios mais de acordo com o ambiente local, etc.

O concreto e o aço que abriga a tantos e os combustíveis fósseis que transportam muitos estão aí, também estão presentes as energias renováveis e meios de transporte sustentáveis. A lição das formigas é simples, ou bem sabemos usar os recursos finitos do planeta de maneira inteligente, ou quando chegarem os efeitos do caos climático, os seres humanos serão como as cigarras que na abundância comemoram e na escassez sofrem e definham. Melhor para nós se soubermos ser um pouco mais como as formigas.

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Leituras complementares:
Hitler, formigas e transições por Denis Russo Burgiermann – Há uma infestação de humanos na Terra e é isso a causa de todo o resto dos problemas.
Make it last, por Peter Egan. As habilidades de um holandês de dar durabilidade ao que ele já tinha.
Dinheiro? Para quê? por Rodrigo Turrer – O irlandês Mark Boyle viveu um ano sem um tostão para convencer o mundo de que dinheiro é bobagem.

Ruas mais habitáveis

Cidades, com seus defeitos e inviabilidades são o habitat da maior parte dos seres humanos. Estão aqui há alguns milhares de anos e devem sobreviver a outros tantos, mas precisam melhorar em diversos aspectos até lá.

Podemos considerar a priorização das máquinas em relação a vida como um curto lapso de consciência. Algumas décadas durante o século XX em que chegamos a cogitar que o progresso e livre fluidez de máquinas foi mais importante do que os seres humanos.

A humanização do espaço urbano tem sido buscada por pioneiros há alguns anos, mas deixou de ser preocupação de uma minoria de visionários e cada vez mais ganha corpo como senso comum. Uma idéia que ganha corpo é a “moderação de tráfego”, ou “acalmia” como dizem os portugueses.

A moderação do tráfego tem por objetivo inserir a circulação dos veículos dentro um processo de desenvolvimento sustentável da cidade: preservar o ambiente urbano e a qualidade de vida, e, ao mesmo tempo, garantir a mobilidade das pessoas e dos bens assim como a acessibilidade aos vários locais e atividades. A melhoria das condições de segurança do tráfego é o primeiro critério neste processo.

Um benefício indireto de um número maior de ruas mais tranquilas pode parecer pequeno e pouco relevante, mas tem implicações enormes para as frágeis criaturas que habitam as cidades. Um estudo norte americano (Livable Streets) apontou que em situações análogas, pessoas que moram em ruas tranquilas tem em média três amigos a mais e o dobro de conhecidos do que alguém que mora em uma rua de tráfego motorizado intenso.

É fácil imaginar porque alguém que mora em uma rua tranquila tem mais amigos. A vontade de sair mais a rua, os efeitos positivos de dormir melhor, e um contato mais próximo com o ambiente e as pessoas a sua volta.

Uma cidade em que um número maior de pessoas tem mais amigos é mais democrática e tem um tecido social mais coeso. Torna-se portanto mais segura e agradável de se viver. E tudo começa com medidas de moderação de tráfego que são capazes de colocar de volta as pessoas como prioridade absoluta das cidades.

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Saiba mais:
Moderação do tráfego – vias-seguras.com
Traffic calming – wikipedia.org

Extremos Climáticos

Mesmo quando a neve cai, Copenhague continua sendo ciclável. Nada de especial nas bicicletas e nem mesmo seus ciclistas são mais poderosos do que os nossos. Apenas para garantir que um número relevante de pessoas continue pedalando, a prefeitura tem tratores especiais que limpam as ciclovias.

As alternativas fazem com que pedalar, mesmo no frio, sejam vantajosas. Afinal a bicicleta possibilita pontualidade, como sempre, e é prática como em qualquer lugar o ano todo. No entanto os transportes públicos ficam mais cheios por conta do frio e torna-se uma questão de análise racional de opções.

Para fazer um paralelo com o Brasil, ao invés de neve em janeiro, temos chuvas (em algumas regiões) e o calor. Pode parecer surpreendente, mas os incentivos e atitudes individuais dos ciclistas tem de ser similares tanto na neve quanto em tempo chuvoso ou no calor.

O desconforto climático de pedalar com grandes casacos é similar ao que tem de enfrentar um ciclista tropical e a atitude a ser tomada é a mesma, manter um ritmo constante e mais lento do que quando o clima está ameno. Já para quando a neve ou a chuva caem, o certo é reduzir a velocidade e tomar mais cuidado nas curvas, afinal a aderência dos pneus da bicicleta diminui. Em caso de calor o ciclista também deve optar por rotas mais arborizadas, afinal sombras são sempre mais agradáveis do que asfalto e concreto por todos os lados.

Para incentivar os ciclistas a seguirem pedalando mesmo com condições climáticas aparentemente adversas, medidas simples:

– Bicicletários seguros e cobertos para garantir que a bicicleta não vai ficar exposta as intempéries além do estritamente necessário, isto é, quando em movimento;

– Vestiários para quando o suor for além do aceitável. Afinal o costume indígena do banho diário chegou até os dias de hoje entre os brasileiros. E o calor tropical é também um grande incentivo a esse hábito;

– Por fim, ruas mais arborizadas e medidas de promoção a um micro-clima mais saudável nas cidades. Afinal árvores ajudam a resfriar a temperatura e ao mesmo tempo aliviam das chuvas mais fortes.

Quebra-Cabeças pós crise

Em outubro de 1973 o mundo inteiro descobriu que a dependência pelo petróleo era inimiga da economia. Foi a primeira crise, um baque que desacelerou o mundo macro-economicamente e forçou a buscas por alternativas. Mas são justamente os momentos de crise que ressaltam grandes oportunidades e principalmente novos caminhos.

Vale pinçar, dentre as diversas medidas de mitigação das crises do petróleo (houve logo depois a de 1979), dois países que são hoje exemplos para o mundo, por motivos distintos, Brasil e Dinamarca. Um nórtico e rico e o gigante latino americano em seu momento “Ame-o ou deixo-o”.

O Brasil do final dos anos 60 e início dos anos 70 era uma versão latina da China atual. Franca expansão econômica das “indústrias de base”. O milagre durou pouco, mas o ideario de “aumentar o bolo” ainda continua vivo na política econômica tupiniquim.

Com o primeiro choque do petróleo, o governo brasileiro voltou-se para o etanol a base de cana-de-açúcar como alternativa viável para abastecer a frota de automóveis nacionais que precisava continuar chegando ao mercado. Importar o petróleo tornou-se proibitivo, mas não só no Brasil.

Mesmo a rica Dinamarca passou por dificuldades com a crise. Mas as alternativas foram bem diferentes das adotadas no país tropical. O frio nórdico e a extensão territorial não abriam caminho para biocombustíveis. A solução foi diversificar as fontes geradoras de eletricidade para poder garantir o abastecimento dos aquecedores domésticos no inverno. Para os deslocamentos das pessoas, o país redescobriu a bicicleta. Veículo que facilita cidades mais densas e que por ser individual, é alternativa racional ao automóvel particular em curtas distâncias. Afinal, no espaço urbano a maior parte das viagens são curtas o suficiente para serem percorridas a pedal.

No século XXI os biocombustíveis são a moda e as bicicletas presença obrigatória para o bom planejamento urbano. Mas a ousadia dinamarquesa só tem sido efetivamente valorizada nos últimos anos. Planejar cidades que incentivem pessoas a pedalarem mais vezes e mais longe é algo que gera um círculo virtuoso de impacto local e global. Em Copenhague as pessoas simplesmente pedalam por ser a bicicleta uma excelente alternativa, mas foi uma decisão política tomada décadas atrás que construiu as facilidades.

A escolha de facilidades é portanto um excelente orientador para cidades e países. Aos militares brasileiros interessava incentivar a expansão industrial centrada na produção de automóveis. Os dinamarqueses ensinaram a viabilidade econômica de fazer mais, com menos. Os cidadãos e as cidades só tem a agradecer até hoje.

Parafraseando Jan Gehl em relação aos quase 40 anos da revolução ciclística dinamarquesa: o pode ser feito no Brasil para que a cada dia acordemos em cidades um pouquinho melhores do que ontem?

Lições de Copenhague

De Olho no Futuro

O grande acordo da COP15 em Copenhague fracassou. Os líderes das nações ricas e pobres não chegaram a um consenso e nenhum tratado foi assinado. No entanto, medidas benéficas saíram da Cúpula do Clima dos Prefeitos (Mayor Climate Summit). Diversas autoridades municipais presentes reforçaram que o uso da bicicleta pode e deve fazer parte de políticas de diminuição das emissões de CO2 nas cidades. Afinal os transportes motorizados são o principal poluidor urbano. Tanto em escala local, quanto global.

O vice-prefeito do Rio de Janeiro, Carlos Alberto Muniz, contou durante a cúpula que a cidade irá aumentar a infraestrutura para a bicicleta dos atuais 150km para 300km, além de reduzir limites de velocidade dos motorizados e expandir o sistema de bicicletas públicas. Muniz reforçou a importância de promover a acessibilidade a lugares pobres e promover o uso da bicicleta por todos os cariocas. Além disso, haverão parcerias público-privadas para que investimentos em áreas comerciais sejam pensados para as bicicletas.

A conferência em Copenhague acabou, mas a cidade continua sendo exemplo para o mundo e muitas outras podem seguir esses passos e ajudar seus países a diminuirem os impactos negativos sobre o clima no planeta. Afinal, pensar em cidades para as pessoas implica repensar um conceito fundamental: a quem servirá o progresso no futuro? Máquinas, concreto e aço tiveram seu tempo. Espera-se que o século XXI seja o tempo da vida em geral, a começar pela qualidade de vida dos humanos.

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Mais sobre os compromissos assumidos em Copenhague.
Com informações da página oficial do I-CE.