Linhas de desejo e representatividade

Rios sempre foram obstáculos naturais. Em São Paulo são a grande barreira para os meios de transporte ativos. Os rios Pinheiros e Tietê formam uma linha real que separa o centro expandido da capital do resto da mancha urbana metropolitana.

Alças de acesso que permitem velocidades altas para os motorizados e a ausência de faixas de pedestres acabam por desencorajar viagens a pé e de bicicleta nas pontes. Em algumas delas caminhar e pedalar é até proibido.

Como forma de reforçar o desejo de pedalar em segurança sobre o rio Pinheiros, ciclistas pintaram uma ciclofaixa na ponte Cidade Universitária. O fluxo de pedestres é enorme por conta da USP de um lado e da estação de trem do outro lado do rio. Some-se a isso a grande oferta de empregos de um lado e moradias do outro.

O “cicloativismo apocalíptico” exemplificado na sinalização não-oficial carrega consigo o desejo ancestral de traçar o caminho mais curto e seguir por ele. Nas palavras do filósofo Gaston Bachelard, é a linha de desejo, ou trilha social. Foi desse modo humano de viajar que se fizeram caminhos na mata, que viraram trilhas, estradas. Por onde passaram boiadas, trilhos e estradas.

Caminhos em qualquer cidade, ou espaço humano habitado, serão sempre os mais curtos e fáceis. Durante as últimas décadas esse caminho era pensado para a utilização de veículos motorizados. A demanda e ineficiência em deslocar pessoas provaram a falência desse modelo. Para mitigar o colapso, resta investir em alternativas que encoragem o uso de meios de transporte inteligentes para as inúmeras demandas humanas por ir e vir.

Leia mais:
atos de amor e coragem (pedaline)
23 de maio (apocalipse motorizado)
Desire path (wikipedia)
Subconscious Democracy and Desire (Copenhagenize)

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Mais espaço para a circulação

A Companhia de Engenharia de Tráfego em São Paulo restringiu o estacionamento de automóveis no bairro de Moema em São Paulo. De um lado de diversas vias não é mais permitido estacionar, e no lado oposto o estacionamento passa a ser pago, em sistema rotativo. Houveram protestos, mas os cálculos comprovam que a rotatividade é boa e que os impactos na circulação viária tende a melhorar.

Mas um ciclista mostrou o antes e depois para quem pedala. Menos conflitos e mais espaço para a bicicleta.

O que alguns veem como perda, para outros são ganhos. Ao final, a tendência é que mesmo os que se sentiram prejudicados, sintam que os benefícios foram maiores.

Veja a postagem original no blog do Ecologia Urbana.

Fluxos e seus sentidos

Reza a lenda que durante as reformas na Avenida Central no Rio de Janeiro (atual Rio Branco), foi feita uma tentativa de ordenar o fluxo de pedestres. De um lado deveriam caminhar todos em direção a praça Mauá, do outro o rumo deveria ser a Cinelândia. Uma rápida visita ao centro do Rio hoje irá deixar claro que felizmente a idéia não vingou.

Ordenar o fluxo pertence a lógica da circulação de veículos motorizados. Na falta de trilhos, o ideal é mantê-los sempre no mesmo sentido para evitar colisões e maximizar a segurança e fluidez. Em outras palavras, mão e contra-mão é um conceito que se aplica aos deslocamentos de máquinas, não de pessoas.

O mesmo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que trata a bicicleta com veículo garante que uma via pode ser sinalizada para que a bicicleta vá no contrafluxo do trânsito motorizado.

Artigo 58:

Parágrafo único. A autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via poderá autorizar a circulação de bicicletas no sentido contrário ao fluxo dos veículos automotores, desde que dotado o trecho com ciclofaixa

Afinal, quem se move pela própria energia insere-se em uma lógica de deslocamento distinta das máquinas. Exatamente por conta dessa constatação, ao redor do mundo políticas de promoção aos deslocamentos em bicicleta tem garantido aos ciclistas maneiras seguras de seguir livremente. Como no vídeo abaixo:

Buscar reprimir os ciclistas “fora da lei” que pedalam na contramão é de certa forma o que buscou-se fazer na Rio Branco no começo do século XX. Ao facilitar os deslocamentos humanos (a pé ou de bicicleta), o planejamento urbano garante que a cidade seja das pessoas e que as máquinas sigam apenas sendo os facilitadores de deslocamentos, coadjuvantes da vida urbana.

O exemplo aplicado nas ruas da Europa mostra que o caminho natural para vias dentro dos bairros é o que já está previsto no CTB. Permitir o fluxo livre para as bicicletas e uma única mão de direção para os motorizados. Como o em Munique.
Bicicleta contramão Alemanha

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As pessoas mudam as cidades

As bicicletas não mudam as cidades, mudam as pessoas que vivem nas cidades. Isso é o que mostra um vídeo sobre “Bike Boulevard”, um termo em inglês para um conceito ainda sem tradução oficial em português.

Ruas dentro de um bairro formam uma rede com baixo fluxo de trânsito motorizado, em baixa velocidade. Além disso, a sinalização vertical e horizontal informa sobre a total prioridade as bicicletas e bloqueios nos cruzamentos e medidas de acalmia de tráfego impendem o uso da rota como caminho direto para os automóveis.

A falta de conhecimento técnico de como projetar esse tipo de via, tão importante para as cidades, serviu de motivação para a elaboração de um manual que aborda todos os conceitos por trás da elaboração de uma rede de vias cicláveis.

Muito se fala em ciclovias como forma de induzir e facilitar a bicicleta como modal de transporte urbano. No entanto, ruas cicláveis trazem benefícios para além da circulação viária, já que a diminuição do tráfego motorizado em ruas de bairro trazem benefícios inestimáveis a qualidade de vida das pessoas, valorizando até mesmo o patrimônio dos moradores.

Faça o download do Manual de Planejamento de Ruas Cicláveis. (em inglês). Saiba mais no site do departamento para a inovação em prol de pedestres e cicilistas da Universidade Estadual de Portland.

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Bicicleta com asas

São Paulo tem muitas frentes a serem conquistadas, muitas bordas a serem comidas e muita qualidade de vida a ser devolvida para seus moradores. A ciclofaixa de lazer tem 5 quilômetros de extensão, pode parecer pouco, mas só parece.

Basta sair para as avenidas em um domingo de sol e sentir o que acontece quando as pessoas tem a oportunidade de desfrutar da cidade. O sol estava forte, mas isso não foi tão importante. Quem esteve lá viu o que sempre acontece e nunca se repete. Uma senhora que pede ajuda para calibrar o pneu da bicicleta velha que estava encostada. Os pneus ressecados pelo tempo que voltam a girar. Ao mesmo tempo, duas jovens moças com dobráveis novas em folha passeiam. Óculos de sol, saias ao vento, não se vê nelas traço de esporte, apenas a interseção do transporte com o lazer.

Os mais atentos, que por ventura fiquem parados, por um instante, na subida da Hélio Pelegrino irão reparar na alegria dos que descem e no esforço dos que sobem. Ladeira acima, pequenas e grandes conquistas. O homem que incentiva a mulher voltar sempre para dimiuir o tempo do trajeto. E a pequena esposa baixinha e aparentemente frágil que já no final da subida lança um sorriso para seu companheiro. Sem palavras, transmite a felicidade que só a superação conquistada pelas próprias forças é capaz. E mesmo aqueles, solitários quando chegam ao cume, não disfarçam. Alguns, mais cansados, empurram. O importante é ir devagar, mas sempre.

Ladeira abaixo, a criança, com o freio duro daquela bicicleta que estava esquecida na garagem esforça-se para não ir rápido demais. Ciclistas confiantes, descem em um vôo rasante. Quase tem asas, mas a borracha sempre no asfalto. Descer é também um arte, que se aprende aos poucos.

Pedalar em São Paulo hoje, já é melhor do que ontem. Mas na segunda-feira, a cidade precisa voltar ao trabalho e seguir galgando espaço para as pessoas. Toda vez que eu pedalo na ciclofaixa eu acalmo meu coração em relação ao futuro de São Paulo. Ou como disse H. G. Wells:

Toda vez que eu vejo um adulto em uma bicicleta, eu deixo de me desesperar quanto ao futuro da raça humana

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