Bicicleta: entre o sonho e a disputa jurídica

Tinta que sinaliza a pista, placas de alerta para quem está à pé ou motorizado, tachões que chamam a atenção de motoristas é essa a grande revolução em curso na cidade de São Paulo para quem pedala e principalmente para quem sempre sonhou em pedalar.

Anos de projetos de gaveta e de imaginação cicloviária finalmente ganharam as ruas, para êxtase e deslumbramento dos ciclistas. O número redondo de 400km até 2015 trouxe consigo a pressão por quantidade e muitas vezes a qualidade necessária acabou ficando de lado. Críticas foram e continuam sendo feitas, mas depois de tantas promessas não cumpridas, qualquer retrocesso na política cicloviária atualmente em curso é inadmissível por quem defende uma cidade para pessoas.

Com pouco mais de 200 km de infraestrutura cicloviária implementada em São Paulo nos últimos 2 anos, a cidade pedala firme para uma malha mínima que garanta segurança para quem utiliza ou quer utilizar a bicicleta.

O resultado prático é que as mudanças simples nas ruas passaram a convidar mais pessoas a se deslocarem em bicicleta. Em uma cidade com tanta demanda por viagens e com os meios de transporte público e privados tão sobrecarregados, alternativas são urgentes.

Briga na justiça contra as ciclovias paulistanas

Em uma disputa que está longe de atender ao interesse da população ou zelar pelo bem público, duas notícias vindas do judiciário entristecem e mobilizam quem sempre pressionou o poder público por mais ciclovias e ciclofaixas.

Primeiro a estapafurdia decisão de uma juíza que buscou remover uma ciclofaixa em frente a uma escola particular por considerar a estrutura uma “tragédia anunciada”. Agora uma ação civil pública no Ministério Público Estadual de São Paulo que busca impedir a continuação das obras da ciclovia na avenida Paulista e exigir diversos estudos e comprovações cabíveis em obras de impacto equivalente a um novo viaduto ou via expressa.

Os trâmites judiciais tendem a ser lentos, uma resposta para quando se esgota o diálogo, ou no caso paulistano, um instrumento de pressão político-partidária. Em geral o mérito se baseia em julgamentos e análises feitas “através do parabrisa”. Trazem apenas a visão de quem conduz carruagens motorizadas e deixa de lado a vida que circula à pé ou de bicicleta pela cidade afora.

Entre a pressão por qualidade e sonho de uma cidade ciclável

Com a tinta no asfalto e uma rede cicloviária em expansão, inicialmente veio a alegria. O sonho da ciclofaixa na porta, a satisfação da pedalada tranquila em pontes. Mas logo se seguiram críticas justas e necessárias à qualidade técnica do planejamento e da implementação.

As forças de oposição talvez devessem investir mais no sonho de uma cidade possível para as pessoas. Tal postura seria extremamente construtiva e aliada ao interesse público. Além disso, liberaria os ciclistas de serem reativos e forçados a defender um sistema cicloviário que sai do papel imperfeito e com enorme espaço para melhoria.

Leia mais:

Que oposição é essa? – Renata Falzoni
Partidarizar as ciclovias em São Paulo incentiva agressões a ciclistas – Willian Cruz
TJ suspende liminar que ordenava retirada de ciclovia em frente a colégio de São Paulo
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar, pelo procedimento ORDINÁRIO – MPSP – (412/14).

O Fórum mundial da bicicleta, em São Paulo?

A cidade de São Paulo está mais do que presente no V Fórum Mundial da Bicicleta em Medellín, Colômbia. Estão por lá representantes da Ciclocidade, Bike Anjo, oGangorra, Bike é Legal, Vá de Bike, Bicicleta para Todos, Aliança Bike, Instituto AroMeiazero. O comprometimento dessas organizações, coletivos e grupos soma-se a uma lista mais extensa de apoiadores que estarão juntos para fazer acontecer o Fórum em 2016 na capital paulista.

A concentração de mentes pensantes em favor da bicicleta em um único local durante o espaço de alguns dias é daqueles catalizadores que geram um impacto para além do tempo e espaço físico. As articulações necessárias na cidade sede no pré-Fórum somam-se a criação de novas relações locais, nacionais e internacionais.

A Transporte Ativo apoia e está na torcida por mais essa pedalada em prol da mobilidade em bicicleta no Brasil e em São Paulo.

Saiba mais:

Cidades para idosos e crianças

São Paulo, cidade que se acostumou a defender os interesses particulares em detrimento do bem público. Incentivos à mobilidade individual motorizada à parte, a paulicéia desvairou-se a ponto de esquecer para que afinal existem as cidades. Talvez por ter ido de vila à metrópole sem tempo de entender o próprio crescimento, tenha surgido um espaço adolescente, grande e desajeitado com grandes ambições mas sem a experiência de como realizar os grandes feitos que se sabe capaz.

Existem diversos espíritos paulistanos que rondam, o mais positivo deles é composto por pessoas na “adolescência tardia”. Em geral estão entre os 20 e poucos e os 30 e alguns anos e tem independência, criatividade, juventude, uma certa experiência de vida e a disposição para reconstruir o que está posto. Há também o espectro sombrio dos que vivem imersos nas diversas bolhas de isolamento urbano que a cidade produz, para esse grupo, não há faixa etária defina são criaturas antigas, presas ao que conhecem e imóveis.

Na disputa entre as pulsões de vida e morte, entre renovação e estagnação a cidade segue seus rumos. Desequilibrada na disputa entre Eros e Tânatos, São Paulo tem definhado. Poluição do ar, do céu e das águas aos poucos inviabilizam a própria existência de vida e enquanto o deserto não toma conta da antiga terra da garoa, a cidades e suas pessoas sobrevivem.

Das crianças temos as maiores forças, o impulso de sobrevivência de seguir em frente como espécie, de carregar no tempo nossos genes e os daqueles que nos antecederam. Dos idosos o apagar das luzes, a vida que lentamente se esvai e as conquistas do passado, legado assentado firme, mas que não mais se move com agilidade de outrora. Mesmo que quase opostos, os dois extremos de faixa etária compartilham uma necessidade urbana comum.

Uma cidade que permite a liberdade para a infância, também garante a autonomia dos mais velhos. As vontades de desbravar o mundo são parceiras das vulnerabilidades de quem já viveu quase tudo. Para ambos, cada cruzamento é uma pequena aventura, descer da calçada, olhar, ouvir e seguir em meio aos riscos das ruas e sua circulação veloz. Equacionar e zerar esses riscos à vida de crianças e idosos é (ou deveria ser) prioridade absoluta.

É o que dizem o Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 e o Art. 3º Estatuto do Idoso de 2003.

  • É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. ECA
  • É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Estatuto do Idoso

Está escrito no Art 227 da Constituição Federal, que Prioridade Absoluta cabe à infância, o que resolve o conflito entre as duas leis ordinárias que definem prioridade absoluta para faixas etárias opostas. Mas para além da letra fria da lei, na realidade das cidades tal conflito não se aplica. Ao priorizar idosos no ambiente urbano, ganham as crianças e vice-versa. A mesma travessia elevada que ajuda o idoso a atravessar a rua, facilita o trânsito de um carrinho de bebê e acima de tudo diminui a letalidade do fluxo motorizado que vitimiza a todos.

Por mais contraditório que possa parecer, para defender a infância, um colégio de freiras em São Paulo evocou o conceito de prioridade absoluta contra ciclofaixa que passa em frente à escola e supostamente expõe os alunos ao risco. O embate legal é entre a prefeitura e a instituição de ensino, mas certamente a cidade terá muito a aprender sobre a disputa de interesses sempre em curso nos espaços públicos.

Leia mais:

Ser jovem não é fácil
Eros e Tânatos: nossas porções de vida e morte
Criança Prioridade Absoluta. Quem Disse?
Colégio particular católico consegue mandado para retirar ciclovia em São Paulo

Impasses do Passe Livre

Cidades são colméias humanas. Confinadas, as abelhas bípedes sem asas se batem e debatem, disputam o espaço restrito entre o asfalto, o concreto e o aço. Algumas reivindicações de mudanças precisam das ruas para estabelecer o diálogo com esferas de comando e até mesmo com a comunidade ao redor.

O movimento Passe Livre (MPL) persistiu em sua luta apesar das balas de borracha, armas químicas e a truculência policial e deixou uma marca indelével na história no ano de 2013. Muitos passos foram dados desde então. Principalmente nas ruas, que foram um excelente palco de protestos e apoios democráticos durante o período eleitoral em 2014. Grandes concentrações de pessoas foram a demonstração de força em praça pública, o transbordamento do ativismo eleitoral virtual para as ruas. Passada a euforia eleitoral, e suas eventuais ressacas, menos do diálogo político tomou as ruas.

Estopim para novos protestos, um novo aumento das passagens do transporte público foi decretado logo no início de 2015. A vitória contra os 0,20 centavos de 2013 certamente ainda ressoa entre os ativistas do MPL. Mas agora outras narrativas foram construídas. Nenhum líder político será novamente apanhado de surpresa e atropelado pela voz das ruas. Justamente para evitar tais consequências a administração municipal de São Paulo anunciou, juntamente com o aumento, a concessão de “passe livre” para estudantes e outros benefícios tarifários.

Nas ruas as passeatas contam com enorme reforço de policiamento e não sofreram com a escalada de truculência e violência de 2013. Foi justamente a opressão policial que catapultou as jornadas de junho para os livros de história contemporânea. Nenhum líder errará duas vezes o mesmo erro. É a violência contra manifestantes pacíficos que repercute nas redes sociais, nos jornais e portais de internet. Manifestações pacíficas não geram interesse para serem assunto de capa.

A rua como palco da violência

Passeatas com pessoas caminhando em horário de rush por avenidas congestionadas são a retomada do espaço de circulação e também um choque direto nos interesses de quem circula pela cidade. Penaliza quem depende do transporte público e ofende quem só aceita ficar parado no próprio carro, cercado de outas carruagens motorizadas por todos os lados.

Trata-se de diálogo que se dá pela disputa tradicional de poder, uma queda de braço. Feito em público, o confronto mudou de panorama e agora carece de novidades. Ativismo e mobilização social requerem rever estratégias. Por hora quem mudou de abordagem foram os líderes políticos que tem conseguido manter sob controle um número constante de pessoas engajadas nas caminhadas do MPL.

A voz das ruas Vs. Institucionalização

O ativismo que nasce no espaço público invarialmente se confronta com o impasse entre o prazer de retomar as ruas em nome de uma causa e a própria causa. A bicicletada sofreu com esse impasse e hoje seus participantes mais notórios optaram pelo trabalho mais institucional. O prazer de pedalar segue no cotidiano, mas o ativismo enquadrou-se mais através das instituições.

A notoriedade do MPL coloca o ativismo do movimento diante do confronto óbvio de atores políticos mais maduros e dentro de gabinetes que reorientam narrativas para não serem atropelados novamente pela marcha da história. Em um país ainda desacostumado com a democracia e o respeito aos direitos humanos e à livre manifestação, a queda de braço entre as posições claras (e radicais) do movimento Passe Livre e a inteligência institucional dos governantes é uma novela para ser acompanhada de perto.

Existe uma simbiose entre o confronto nas ruas que rende manchetes e o crescimento da adesão aos protestos em 2013. Em 2015 a repressão continua, mas a brutalidade tem sido menor. Impressiona apenas o número constante de pessoas presentes aos atos, mas o dilema é o que acontecerá se esse número não crescer e com isso tornar capaz de vencer a queda de braço contra o poder instituído.

Por hora ainda predomina nos meios de comunicação a narrativa de que o confronto parte do MPL e/ou dos integrantes da passeata. Ainda que nas ruas a quebra da ordem em geral seja decorrência da ação policial desastrosa, são os fatos publicados que contam. Em 2013 eles contaram uma história que garantiu mobilização exponencial e a vitória contra os 0,20 centavos, que logo virou uma sinfonia desafinada de reivindicações confusas. Fica portanto a pergunta em relação aos próximos protestos:

– Com as mesmas táticas de junho de 2013, amanhã vai ser maior?

Saiba mais:

Dezoito meses após junho de 2013, PM ainda não sabe lidar com protestos
A Polícia Interditou o Metrô Faria Lima Para Evitar que Manifestantes Interditassem o Metrô Faria Lima
Grupo entra em confronto com PM no metrô ao final de ato contra tarifa
Violência policial e tortura nas prisões são principais violações no Brasil

Mapeamento ativo das cidades

Mapa Consolidado de São Paulo - Código Urbano

Mapa Consolidado de São Paulo – Código Urbano

O esforço de conhecer e melhorar as cidades tem grandes aliados ainda pouco explorados. Um deles certamente é o mapeamento colaborativo. Para além do aspectos técnicos de como realizar o levantamento de dados e a compilação deles no Open Street Maps (OSM), um aspecto fundamental está no prazer de somar-se a um esforço coletivo global de milhões de pessoas em mapear o planeta.

Organizada pela Código Urbano, a primeira maratona de mapeamento de infraestrutura cicloviária da cidade de São Paulo (Mapatona) aconteceu em 18 de janeiro de 2015. Como era de se esperar, estavam presentes quem pedala por prazer, esporte ou que nem ao menos pedala, mas quer uma cidade mais amigável à bicicleta.

Como bem ressalta a equipe da Código Urbano, dentro do processo de mapeamento oficial da infraestrutura cicloviária de cidade, houve progresso. Um mapa de ciclorrotas chegou a ser feito, com base em um levantamento de caminhos cicláveis, alguns deles tendo inclusive sido sinalizados. O problema é que esse conhecimento não pôde ser usado em outras plataformas além do papel, ou um arquivo fechado em formato PDF. Atualmente o que se tem consolidado para a circulação de bicicletas está organizado na plataforma Google, um dado público entregue a uma empresa privada, mas ainda assim visualizável e editável de maneira mais fácil.

Um mapeamento mais completo capaz de corrigir distorções só é possível de ser feito através de uma comunidade de pessoas engajada e comprometida. Foi essa primeira pedalada dada na Mapatona.

Nas ciclovias de São Paulo, por exemplo, é possível pensar em identificar quais são as vias de mão dupla e quais não são, uma informação básica, mas que não está disponível no mapa oficial. Ou ter um mapa dos buracos e obstáculos, facilitando para o próprio poder público a identificação dos trechos que precisam de reparos e melhorias. Ou identificar subidas.

É hora de aproveitar o momento de abertura da administração municipal, consolidar o que já foi feito, cobrar melhorias, trazer um diagnóstico da cidade da perspectiva de quem pedala. Um intercâmbio entre as ruas e os gabinetes através de um esforço público. Transparência é o conceito chave e o primeiro passo é ter os dados expostos para quem tiver interesse em conhecer.

São provocações e pressões ativas na melhoria institucional dos órgãos de execução e gestão do poder público através de uma sociedade civil que zela e defende seus interesses dentro de um modelo de participação cidadã do século XXI.

Ações individuais são fundamentais, mas sem o amparo de um pensamento e engajamento coletivo, os esforços individuais tendem a se transformar em disputas destrutivas. A colaboração transparente de diversos atores é portanto a base de uma nova e necessária democracia. Em tempos de crise de representatividade, é preciso deixar de lado os líderes mágicos e agregar esforço para fortalecer instituições. Justamente por isso, o fortalecimento de uma plataforma de mapeamento é portanto um esforço de consolidação democrática do Brasil.

Para conhecer mais:

Vale conhecer antes de mais nada o site da Código Urbano e também as iniciativas presentes na Mapatona: HackAgendaPedalaSampaCiclocidadeMobilizeBicidade; Transporte Ativo; e BikeIT!.

Dos projetos dos próprios participantes, destaque para o BikeIIT! e os mapas colaborativos da Transporte Ativo. Vale destacar ainda outras iniciativas interessantes de mapeamento: Wheelmap.org; Cyclestreets.net; Ridethecity.com; Mapazonia.org e Grelhas Assassinas em São Paulo.

Como colaborar no mapeamento da sua cidade

Para além da fronteira municipal da paulicéia pedalável, a contribuição ao mapeamento colaborativo pode ser feita em qualquer local do planeta. Cidade, campo, bairros consolidados ou comunidades precárias.

A receita de bolo é, não necessarimente nessa ordem, ou em qualquer ordem de acontecimentos:

  • fazer um cadastro no Open Street Maps,
  • consultar a plataforma Wiki, em especial o conteúdo sobre bicicletas
  • Traduzir os textos do Inglês na página Wiki do OSM (?)
  • Editar o mapa para incluir o que falta,
  • Sair a campo para refazer traçados (?)
  • Fazer um levantamento fotográfico colaborativo através do Mapillary.

Como grande vantagem em qualquer plataforma colaborativa, está o fato de que toda contribuição, por menor que seja, é relevante.

Um pequeno exemplo do potencial de um cidade mapeada por ciclistas

Toda reivindicação em relação ao poder público ganha força com o uso de imagens. A solução encontrada para o estacionamento de ambulâncias de um hospital privado no espaço público das ruas foi certamente inadequada para o melhor interesse dos ciclistas.

mapillary-ambulancia-ciclofaixa-sp_jglacerda

Ainda assim, é possível também inspirar o mundo através de um passeio em bicicleta.

mapillary-aterro-nighto

Façamos o mapeamento, por cada vez mais infraestrutura de qualidade com mais pessoas em bicicleta mais vezes.