O rio que virou rodovia

As águas do rio Tietê já se espalharam por 60 metros de largura e as margens cobriam uma área de 1 quilômetro ao redor do curso d´água. As ocupações ilegais no vasto leito eram um problema de saúde pública. A solução foi higienizar, retificar e acelerar a águas para que o rio fluísse para além de São Paulo, continente adentro.

O tempo urbano era humano, as carruagens motorizadas ainda eram raras, e os bondes elétricos havia pouco tempo substituíram os puxados a burros. Mas a compressão do tempo e sua aceleração seguiram em marcha até a definição que as águas deveriam compartilhar o espaço com o fluxo motorizado. Desde os anos 1950 o problema mudou, a poluição do esgoto tornou-se popular e as habitações irregulares deram lugar a fábricas e pistas de asfalto que se inundavam durante a estação das chuvas.

Os barcos a remo cederam espaço para o esgoto escorrer veloz. Fétido e morto o rio se transformou apenas em estorvo e suas margens deixaram de ser avenidas e se transformaram em uma rodovia cercada de cidade por todos os lados. A velocidade motorizada atropelou o espaço e pausa todos os anos milhares de vidas humanas, que apressadas, param.

Estudo sobre velocidade em autopistas

Um dos mais populares estudos para definir a velocidade máxima de uma via é o dos oitenta e cinco porcento. A regra é bastante simples: o limite de velocidade é determinado com base na velocidade de 85% dos carros que passam. Em outras palavras, o limite de velocidade é definido somente pela velocidade que motoristas decidem. Essa regra bem estranha é utilizada ao redor do mundo e muito provavelmente na sua rua de casa.

Trata-se de uma abordagem de opressão da maioria, sendo que tal maioria com direito à voz e voto pertence a “cidadania motorizada”. Para a engenharia viária, ficam de fora atores fundamentais no espaço urbano, pedestres e ciclistas.

Subverter a ordem urbana que atropelou ruas, rios e vidas leva tempo. Espera-se que menos tempo que o século do automóvel. Um passo à frente é desconsiderar estudos viários que trazem a lógica de rodovias e velocidades incompatíveis com a vida para dentro de nossas cidades.

Desconforto de dirigir em velocidades mais baixas

Os amplos espaços, sem interferências e com enorme amplitude visual que hoje marcam as ruas e avenidas urbanas são um problema a ser encarado. A condução de veículos motorizados destrói percepções espaciais de tempo e espaço. Transitar à 50 km/h requer esforço e expõe condutores e pessoas no entorno a riscos, mas essa sensação fica inebriada pelo isolamento físico e acústico de cascas de aço e vidro. Domar os cavalos de potência sob domínio de pés humanos é apenas o primeiro passo.

Com o tempo a velocidade viária deixará de ser regulada por placas, radares e multas e passará a ser feita olho no olho por pessoas à pé ou em qualquer meio de transporte.

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Do outro lado do rio: retificações, canalizações e projetos abandonados dos rios de São Paulo
The 85th Percentile Folly
Accidents on main rural highways related to speed, driver, and vehicle (estudo de 1964).
Speed Zoning – A Case of Majority Rule
Limites de velocidade nas ruas: falácias, mitos e verdades

Menos isopor, mais bicicletas

Mais bicicletas nas ruas trazem um enorme benefício para as cidades e toda a sociedade, ainda assim, existem pessoas que insistem em colocar o uso da bicicleta como uma atividade insegura e cheia de riscos, como se pedalar fosse equivalente à prática de esportes radicais.

O tema do capacete para ciclistas já esteve presente algumas vezes aqui no blog, mas a cultura do medo sobrevive. Portanto nasceu mais um texto publicado na Folha de São Paulo que reproduzimos parcialmente aqui, antes de mais nada, vale destacar o absurdo que é a coerção contra quem eventualmente pega a bicicleta ganha as ciclovias, ruas e avenidas da própria cidade.

É moralmente inaceitável e legalmente injustificável atacar o uso da bicicleta como uma atividade de alto risco e que necessita do uso obrigatório de equipamentos de proteção individual. É fundamental levantar alguns dos motivos para que os próprios ciclistas, as autoridades e a sociedade em geral deixe de lado o capacete para bicicleta e se engaje para que mais pessoas pedalem cada vez mais.

Abaixo dez motivos para pensar sobre o uso do capacete para ciclistas.

  1. Uso do capacete não é um ítem obrigatório pela legislação brasileira
  2. Ciclistas estão MENOS expostos a ferimentos e traumas na cabeça do que pedestres, motociclistas e até motoristas de carro
  3. Obrigar o uso do capacete é a pior forma de promover o uso de bicicleta e produz efeito inverso ao desejado
  4. Capacetes são inócuos para proteger sua cabeça
  5. Capacetes e equipamentos de proteção individual desviam a atenção dos problemas reais
  6. Paises com maiores índices de uso de bicicleta têm os mais baixos índices de uso de capacete
  7. Uso de capacete aumenta o comportamento de risco
  8. Um capacete salvou minha vida! (será?)
  9. Usar capacete = levar mais finas!
  10. Indústria automobilística incorporou, desconfie.

Confie mais na bicicleta

Esperamos que os dados, estatísticas, estudos e evidências aqui detalhados possam esclarecer um pouco mais o debate sobre o uso do capacete e, mais do que isto, que possam diminuir a animosidade causada pelo preconceito, falta de dados e pelo senso comum emburrecedor.

Da próxima vez que você ouvir “cadê o capacete?” pare, dialogue e mostre os fatos. Desconstruir um senso comum é um processo educativo longo e deve ser encarado com respeito e serenidade.

Pedalemos, pedalemos! Com ou sem capacete. Mas que a escolha seja integralmente sua.

Saiba mais:

Entenda por que o capacete para ciclistas é apenas um boné de isopor sem qualquer poder mágico

Quais sementes você planta?

Sem gente que a habite, toda urbe é apenas uma coleção de tijolos empilhados cercada de concreto e asfalto. A cidade pertence a cada um que nela viva e que por ela circule. Ainda que seja possível esquecer desse fato e atribuir ao mandatário da vez ou a outros que tenham poder a propriedade das aldeias densas que chamamos de casa.

Enxergar a cidade como solo vivo para as pessoas é certamente o caminho necessário para se apoderar do espaço ao redor. Ver a massa construída como território cru ainda por ser marcado é um dever que nos cabe.

Arte e agricultura urbana

A artista e muralista Mona Caron deu de presente a São Paulo sua semente, um broto que cresce forte às margens do minhocão. Com latas de tinta uma parede cega tornou-se terra fértil. O papel da arte sempre foi apontar caminhos e inspirar mais pessoas a percorrer jornadas em buscas das imagens que traduzam utopias.

A riqueza da pintura está em resumir visualmente pequenas perfurações já em curso na teia de concreto. O movimento global em prol da agricultura urbana tem sido essa força que traz o verde para dentro dos tons de cinza de nossas aldeias construídas. E cada planta que alimenta é um pequeno movimento em direção a reorganização urbana ao redor de prioridades urgentes, a água, a vida, toda a natureza que foi esquecida e subjugada ao longo dos anos em nome da limpeza hermética da modernidade.

As bandeiras certas para mudar as mentes e as cidades

Vários embates de forças estão em curso. O mais popular nos últimos dias foi entre os que acreditam que todo direito só é pleno quando é para todos e os que crentes em sua boa fé defendem suas visões de mundo com força quase fundamentalista. Na batalha jurídica norte-americana em defesa do casamento igualitário, venceu o entendimento de que era preciso dar garantias sólidas aos casais formados por pessoas do mesmo sexo. A Suprema Corte norte-americana definiu que as uniões civis tem de ser reconhecidas em todo o país e não apenas em alguns estados que aprovaram o casamento entre iguais. Um grande passo rumo a “união mais perfeita”, nas palavras do presidente Barack Obama.

Houve um tempo em que mulheres não tinham direito ao voto e o tom de pele definia pessoas como cidadãs de segunda classe. Os ativistas dos direitos LGBT são hoje o que já foram as sufragete e equivalem-se aos líderes do movimento negro que buscavam igualdade. Visões progressistas quando ganham força e massa crítica tornam-se consensos e seus detratores ficam esquecidos na longa caminhada histórica rumo a uma organização social da humanidade que seja melhor do que a anterior.

Os desafios atuais podem parecer grandes demais, mas o que foi construído por mãos e mentes humanas pode ser rescrito de acordo com o sabor e as pressões do nosso tempo. Sólido é tudo aquilo que é capaz de se desmanchar no ar. O século XX foi o ápice de muitas das forças destrutivas que ainda nos afligem, as cidades são o terreno de um embate que é acima de tudo de visões de mundo, de mentalidades. Pessoas em bicicleta e tantas outras lançam sementes para um futuro mais igualitário, humano e feliz.

Por mais pessoas em mais bicicletas, mais vezes. Pedalemos.

Saiba mais:

Muro cinza 1 X 0 Arte (e a arte de Mona Caron para a bicicletada Paulistana)
The President Speaks on the Supreme Court’s Decision on Marriage Equality
Last Week Tonight with John Oliver: Transgender Rights (HBO)

Uma ciclovia para abrir novas avenidas

São Paulo, 28/06/2015 - Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

São Paulo, 28/06/2015 – Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

A Avenida Paulista é a melhor ágora que sobrevive em São Paulo. Todo movimento político e toda discussão que diz respeito a polis tem de passar por lá ou tem no vão do MASP seu epicentro.

Torna-se óbvio que a praça do ciclista tenha sido disputada e ganha pelo movimento cicloativista para que a bicicleta ganhasse espaço na cidade. Mas a inauguração da mais paulista das ciclovias foi mais que vitória de um grupo ativista ou de aficcionados pelas pedaladas. Foi retomada do espaço público, foi mais uma porteira que se abriu em prol de uma cidade para pessoas.

Aos que estão empenhados em mais bicicletas na cidade há décadas, foi o coroamento de um sonho; os que pedalam há apenas alguns anos, foi o incentivo para que se mantenha a cadência; para quem acabou de descobrir os pedais foi deslumbramento.

Já para quem tem dúvidas sobre o que uma cidade para pessoas significa, foi um manual completo de introdução a uma cidade melhor.

São Paulo, 28/06/2015 - Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

São Paulo, 28/06/2015 – Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

O comércio não conseguiu atender a demanda, a alegria transbordou em lágrimas e sorrisos e o asfalto conheceu o silêncio, as conversas sem gritos e o ar limpo.

Política pública da melhor qualidade é a que parte da sociedade civil organizada, é encampada pelo poder público e transforma a realidade. Sempre foi essa a intenção da massa crítica de São Paulo, nascida em 29 de junho de 2002. A reação em cadeia que pessoas em bicicleta quiseram iniciar 13 anos atrás, depois de muitos catalisadores agora está agindo de maneira quase espontânea.

O cicloativismo ainda não chegou ao ponto de ser desnecessário, mas a cada pedalada é possível enxergar mais perto o fim do movimento que se tornará extinguirá quando for incorporado por toda a sociedade.

Pedalemos. As cidades ainda não mudaram, mas cada vez mais pessoas em mais bicicletas mais vezes irão realizar utopias.

Leia mais:

A política pública se torna “chic” e distante do povo quando começar em áreas nobres!

Ocupando o símbolo de São Paulo

33 imagens adoráveis da inauguração da ciclovia na Avenida Paulista

A mais paulista das ciclovias

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Inaugura-se a mais visível das ciclovias nesse dia 28 de junho de 2015. É a que passa na praça do Ciclista e leva até o Paraíso. Sem parênteses, sem “mas”. É concreto pigmentado assentado e sinalizado para que pessoas possam optar pela bicicleta na mais paulista das avenidas.

7 razões por que a ciclovia da Avenida Paulista é tão especial:

  1. é vitória de quem promove a bicicleta;
  2. é homenagem aos que perderam a vida pedalando;
  3. é o reconhecimento da praça do Ciclista;
  4. é o reconhecimento aos que fazem e fizeram parte da bicicletada;
  5. é um incentivo para quem já pedala e quer pedalar;
  6. é uma pedalada fundamental na via com mais de 1,5 milhão de pedestres;
  7. será um novo cartão postal (com bicicletas passando).

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Como em todas as cidades que buscaram implementar uma política cicloviária, houveram resistências. O discurso em geral passa pelo “sou a favor de bicicletas, mas (…)” e logo a disputa se partidarizou. Mas objetivamente quando o Ministério Público buscou barrar implantação (tão aguardada) de vias para a bicicleta, cerca de 7 mil pessoas ganharam as ruas e aí tudo mudou de figura. Deixou de ser partidários das letras XYZ vs ZYX, tornou-se uma defesa em favor da bicicleta.

Os avanços nas conquistas para quem pedala em São Paulo ainda tem de continuar e precisam seguir na próxima administração, seja qual for a cor do partido do prefeito. Ainda está em disputa a narrativa de a quem pertence a bicicleta, mas cada vez mais ela está com as pessoas e não com o alcaide da vez.

São Paulo ainda não se transformou, mas as pessoas estão mudando. Mudam suas realidades ao pedalarem e mudam seus sonhos de cidade.

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A História dos Estudos de Bicicletas na CET