A busca por isolamento e o medo das cidades

Quem tem noções de antropologia sabe que evolutivamente, o cérebro humano só é capaz de manter vínculos com até cerca de 150 pessoas. Os que conhecemos pelo nome, sabemos o histórico de vida e que compartilhamos parte de nossa trajetória de vida.

Assim foi a vida humana até uns 10 mil anos atrás quando a agricultura permitiu sociedades mais complexas até culminar com o nascimento do Estado (e das cidades), uma organização comum há apenas uns 5 milênios.

Nada mais complicado para o cérebro humano portanto que lidar com os milhões de habitantes de uma metrópole. Cada rosto é sempre desconhecido e os espaços privados são limitados e pequenos demais, o que inviabiliza a vida comunal para qual nos adaptamos ao longo de milhões de anos de evolução.

Muitas vezes a solução individual para a opressão das metrópoles é a fuga. Ou para uma sociedade alternativa ou, para quem tem condições, um refúgio na praia ou uma casa de campo.

A fuga se dá em massa em qualquer feriado prolongado, férias ou um simples fim de semana de sol. Em busca da paz inexistente nas cidades, seres urbanos empacotam seus pertences, juntam a família e montam na carruagem motorizada adquirida a prestações.

Soluções para o dia a dia das cidades ficam de lado e todo o sofrimento diário se recompensa no lazer longe de casa e da rotina. Mas de certa forma a fuga feita em carruagens espalha o caos e facilita a destruição de mais asfalto para além dos limites das metrópoles.

As sociedades complexas de hoje requerem soluções complexas, o improviso e fuga que é refúgio rotineiro não oferece as respostas que precisamos. O retorno ao passado e a insistência em modelos datados do século XX também são duas impossibilidades.

Restam-nos portanto utilizar as ferramentas à disposição. Um olhar que contemple sabedoria evolutiva e a essência humana com o conhecimento coletivo que nasceu e prosperou desde a descoberta da agricultura e o surgimento das cidades.

Mercados e a cidade

Cidades só existem por conta da compra e venda de produtos e serviços que desde a origem da história urbana esteve presente nas ruas. A cidade industrial nos trouxe também as fábricas e as vilas de operários. Mas na origem, haviam as ruas e os mercados.

No Brasil, felizmente, ainda é possível ter nas ruas um espaço de comércio através das feiras livres. Em horários bem delimitados pelos órgãos de circulação viária, consumidores e vendedores se encontram em meio a frutas, verduras, temperos, peixes, carnes. Além é claro das tradicionais bancas de pastel e caldo de cana que ficam na esquinas, como chamarizes aos que caminham por perto.

O comércio que se faz em espaços particulares, as lojas, supermercados, shopping centers, é quase sempre uma troca entre funcionários e clientes portadores de dinheiro e cartões de crédito.

É possível utilizar cartões em feiras livres, é verdade. Mas o programa de fidelização não passa por mais milhas em companhias aéreas ou em ofertas exclusivas de produtos que você não precisa. Na rua o que vale para ter clientes fiéis é simpatia, amizade. Além é claro do quilo “bem pesado”, da salsinha e cebolinha de graça, uma banana ouro para complementar o café da manhã ou simplesmente a escolha do abacaxi mais bem selecionado.

Semana após semana é possível também conhecer histórias de família, discutir sobre o futebol e acompanhar as mudanças nas barracas ao redor. Vida de feirante começa sempre cedo, com viagens de caminhão até os grandes distribuidores no meio da madrugada que culminam na feira lotada antes do almoço e as ofertas da xepa quando a iminência do horário autorizado de funcionamento faz baixar os preços do que ainda não foi vendido.

As cidades ao redor do mundo tomaram caminhos que as levaram a ter um único uso para as ruas e avenidas. Mas um olhar mais atento é sempre capaz de captar que a diversidade de gentes e usos é o verdadeiro medidor de sucesso em uma cidade.

Que o futuro seja mais diverso e pensado para as pessoas e que as regras rígidas de circulação, desenhadas para manter a fluidez do maior número possível de veículos automotores particulares, sejam repensadas em torno das necessidades urbanas humanas.

Neve e capacetes

Todos os anos, cerca de 50 milhões de pessoas aproveitam o frio nas montanhas dos Estados Unidos para deslizar ladeira abaixo na neve. Dentre esses milhões que montam em esquis e pranchas de snowboard, algumas dezenas perdem a vida na prática do esporte. E vidas humanas são valiosas e precisam ser preservadas.

Com a melhor das intenções, a Associação Americana de Áreas de Esqui (NSAA na sigla em inglês), promove há mais de 11 anos a utilização de capacete entre os esquiadores, com ênfase especial nas crianças. Os números são reconfortantes, o percentual de utilização do capacete subiu de 25% dos praticantes na temporada 2002/03 para 70% em 2012/13. Números tão consistentes que o presidente da NSAA comemora o esforço colaborativo dos pólos de ski, organizações médicas e até pais e responsáveis na promoção ao uso do capacete.

Muitas vidas devem ter sido salvas como consequência, certo? ERRADO.

(…) pesquisas demostram que o uso de capacete reduz a ocorrência de danos na cabeça entre 30% e 50%, mas essa redução em ferimentos na cabeça em geral limita-se aos ferimentos menos graves. Não houve redução significativa em ocorrências fatais nas últimas 9 temporadas, mesmo que o uso de capacete tenha crescido.

É o que aponta um documento da própria NSAA. Certamente muitas pessoas estão felizes em não terem de lidar com lacerações e outros ferimentos na cabeça, mas mais felizes ainda estão os fabricantes de poliestireno expandido (EPS) e outros plásticos, que fabricam as boinas de isopor com isolante térmico que se tornaram tão populares nas montanhas nevadas dos Estados Unidos.

Promoção ao uso da bicicleta

Já sobre as notícias que ninguém se deu ao trabalho de publicar, em Portland, a capital norte-americana da bicicleta não teve qualquer ocorrência fatal envolvendo ciclistas na cidade.

Certamente um número relevante na cidade com mais cidadãos que optam pela bicicleta nos EUA. Uma vitória da promoção ao uso da bicicleta na busca por encorajar mais pessoas em mais bicicletas mais vezes. Estejam elas de boné de isopor, chapéu, fraque, chinelo ou bermuda. Porque afinal a segurança nas ruas passa pelo aumento massivo no uso da bicicleta.

Aos que quiserem utilizar os bonés de isopor e outros derivados de petróleo, fiquem à vontade para fazê-lo em qualquer situação. Mas vale o pedido para que o façam pelos motivos certos, para evitar arranhões e danos no couro cabeludo e não como bóia salva-vidas das ruas.

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Quem quiser saber mais detalhes sobre esqui e segurança, vale ler o o documento Facts About Skiing/Snowboarding Safety (em PDF). Já os números em relação ao uso de capacete no esporte estão no documento “Ski & Snowboard Helmet Use Sets Record”.

Sobre as 4 maiores notícias jamais escritas em 2013, visite o BikePortland.

Esse post foi inspirado na seguinte notícia: Capacete não tem reduzido lesões em esqui – publicada no jornal à Folha de S. Paulo em 04 de janeiro de 2014.

O Campeonato Carioca de Cargueiras

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Inspirada nas Svajerløb dinamarquesas, será realizada em maio de 2014 a primeira corrida de entregadores em bicicleta da América Latina. O Campeonato Carioca de Cargueiras.

Desde já está lançada a pergunta, quem será o Rei do Rio?

A pedalada vai ser viking. Afinal foi em 1942 que os malemolentes entregadores dinamarqueses tiveram o seu primeiro campeonato. Um evento que valorizou os que faziam fluir a cidade e que aconteceu até a popularização das vans de entrega nos anos 1960.

A idéia da corrida reapareceu em Copenhague em 2009 e, claro, foi sucesso e diversão nas ruas.

Copacabana tem uma massa invisível de ciclistas, os heróis do proletariado. São os responsáveis por mais de 11.000 entregas diárias feitas em bicicletas e triciclos. Todos eles estão em uma situação parecida aos que pedalavam em Copenhague nos anos 1940.

Mais de 70 anos depois da primeira Svajerløb, valorizar as pessoas que utilizam a bicicleta, essa invenção com mais de 125 de bons serviços prestados, é um passo em busca de inclusão social, e também um evento irado.

No Rio de Janeiro vão haver prêmios para os entregadores mais bem colocados, mas a vitória será de todos esses heróis invisíveis que transportam de tudo pelas ruas.

 

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Para pensar as ruas de lazer

 

Foi através da experiência colombiana das “ciclovias” que o mundo descobriu um novo tipo de área de lazer urbana. Apesar da confusão no termo, para os colombianos, as ciclovias definem o que no Brasil seriam ruas de lazer.

Espaços que estão fechados para as pessoas e que em determinados horários, geralmente aos domingos, ficam abertos às pessoas. No Rio de Janeiro acontece na orla da praia e em milhares de ruas. Na cidade de São Paulo, os cidadãos também organizam as suas, mas o mais comum (e mais divulgado) são as ciclofaixas de lazer, a segregação de uma pista em grandes avenidas para o fluxo de bicicletas durante domingos e feriados.

O 8˚ Congresso da Rede de Ruas de Lazer das Américas aconteceu em Lima no Peru e mais uma vez buscou fazer avançar a discussão sobre o papel dessas zonas temporárias para as pessoas na transformação urbana.

A visão de longo prazo continua sendo a mesma, que as ruas de lazer se estendam para além de dias e horários específicos e tornem-se o uso corriqueiro do espaço público das ruas.

Cidades, aqueles espaços em constante construção e transformação, precisam se adequar ao século XXI, um tempo em que as pessoas estão mais preocupadas com a qualidade de vida e menos com a expansão do PIB à qualquer custo. Nada mais perfeito portanto que investir na felicidade interna bruta, uma das maneiras propostas para medir a riqueza das nações atualmente.

Por hora, é possível aprender como implementar e promover a realização de ruas de lazer, nos moldes colombianos. Ou como transformar ruas em espaços de lazer nas cidades brasileiras.

– Saiba mais sobre a rede CRA (Ciclovías Recreativas de las Américas).