Por conta das qualidades da bicicleta, ciclistas sentem uma certa superioridade em relação aos outros meios de transporte. Essa distorção é apenas aceitável por vivermos em uma sociedade que ainda precisa reconhecer os benefícios universais da bicicleta e implementar de maneira consistente medidas de valorização do ciclista. Por aceitável, entenda-se que precisa ser revertida.
O ciclista urbano, aquele que escolheu a bicicleta por opção, precisa deixar de ser um iluminado membro de uma seita secreta que se veste de lycra ou prefere o cycle chic. A bicicleta já é conhecida pelo seu potencial, mas quem busca promove-la ainda tem um longo caminho a percorrer na formatação do discurso.
O vídeo que ilustra esse post é claramente uma piada, mas esconde uma faceta que prejudica o reconhecimento da bicicleta como instrumento fundamental para a readequação urbana. Ciclovias, pogovias, carrovias, ferrovias, vias de pedestres, corredores de ônibus, ringues de patinação, pistas de skate. Qualquer um desses elementos só faz sentido quando se costura no tecido urbano.
Dentro dessa lógica, uma cidade saudável tem dois elementos principais o espaço de circulação e o de permanência, sendo que esses dois elementos se dividem entre públicos e privados. Ruas e calçadas são espaços públicos de circulação, um estacionamento de um hipermercado é um espaço privado de circulação. Uma praça é local de permanência (ou visitação) pública, um centro de compras é um equivalente privado.
Tornar nossas cidades melhores é pensar além dos espaços segregados, é compartilhar as ruas, criar espaços agradáveis para permanência, pensar nas necessidades humanas acima de todas as outras. O conceito é bastante simples ainda que possa parecer de difícil implementação. A realidade é que por meios dos incentivos certos os primeiros passos podem ser dados.
Trazer pessoas para circular nas ruas é fundamental e para isso é preciso que o espaço de circulação humana seja seguro e agradável. Infraestrutura adequada implica em mais pessoas que optam por ir à pé, de bicicleta, patins, skate, pogobol, etc. Serão essas pessoas que ao mesmo tempo irão requalificar o espaço e atacar o que hoje costuma ser um dos impedimentos para a circulação em meios de transporte ativos, o excesso de tráfego motorizado.
Incentivar pessoas a percorrerem distâncias curtas em meios de transporte ativos vai além da infraestrutura de circulação, é preciso pensar o zoneamento urbano e incentivar a proximidade entre locais de moradia, trabalho e lazer. Ainda assim, nem todos poderão resolver todas as suas necessidades dentro do seu próprio bairro. E para integrar os diferentes microcosmos urbanos é preciso transporte público que seja rápido, fácil e integrado. Afinal pegar três ônibus lotados logo cedo, ficar parado no trânsito e demorar horas para cruzar a cidade é o maior incentivo ao transporte individual motorizado que nossas cidades oferecem hoje.
O caminho é longo, mas através de opções individuais inteligentes pelo meio de transporte mais adequado para cada percurso e pressão junto ao poder público para melhorias na infraestrutura de circulação humana e do transporte público estaremos no caminho certo para cidades melhores.