Bogotá, capital humanizada

Em Bogotá a rua é das pessoas. Aos menos nos domingos e feriados essa afirmação é uma verdade absoluta, porque é dia de Ciclovia Recreativa ou Ciclovia Bogotana. O projeto que surgiu em 1974 hoje conta com cerca 121km de ruas para as pessoas e sua programação inclui atividade física ao ar livre, com aulas de ginástica no parque.

É lindo observar (mesmo com chuva) as pessoas ocupando as ruas com seus cachorros, bicicletas, crianças e bebes, patins e skates.

Um território destinado as pessoas onde a diversidade é protagonista.

Diversas barracas com variados serviços são encontradas ao longo da Ciclovia Bogotana, entre elas, pequenas oficinas de bicicleta sempre muito requisitadas pelos usuários da via.

Durante a semana esta realidade muda e as ruas são tomadas pelos veículos motorizados. O conjunto de infraestrutura exclusiva para bicicletas construído em Bogotá, é em sua maioria, cerca de 99%, instalado sobre calçadas obrigando os ciclistas a compartilhar o espaço com pedestres. O que em algumas ruas comercias da cidade se torna impossível em certos horários e dias da semana.

Na cidade de Bogotá o uso do capacete é obrigatório, mas não existe fiscalização sobre o seu uso. Ao observar o uso da bicicleta na cidade fica muito claro que na ciclovia recreativa a porcentagem de pessoas com capacete é muito maior que nos dias uteis, quando geralmente as pessoas utilizam a bicicleta como meio de transporte.

A Universidad de Los Andes possui diversas iniciativas que visam melhorar a mobilidade de seus alunos e colaboradores. As caravanas em bicicleta, rotas circulares de ônibus e o sistema de carros compartilhados são as três propostas da Universidad de Los Andes para melhorar a mobilidade em Bogotá.

Pela cidade também possível encontrar diversos estacionamentos com vagas destinadas as bicicletas.

Saiba mais:

– Ciclovia Bogotana

– Bogotá Humana

– Los Andes em Bici

– SIBUC

– Movilidad Uniandina

– Bicis Compartidas – Universidad de Los Andes

– Ciclovia Recreativa

 

Trens, burca e capacete

Uma nova lei estadual em São Paulo quer minimizar o assédio, tão comum, sofrido pelas mulheres nos trens. Sim, a justificativa aborda não a necessidade de punir assediadores ou criar meios de denúncia para coibir crimes. Vale ler a íntegra da justificativa do PL 175/2013 (Lei do Vagão Rosa) aprovado recentemente na Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp):

É comum constatarmos reclamações de mulheres que necessitam usar as linhas do metrô e da CPTM de abusos cometidos contra as mesmas, nos trens em horários de grande pico.

Sabemos que, infelizmente, grande parte da população feminina é obrigada a conviver com abusos pela falta de espaço nas composições. Essa situação é constrangedora para quem é obrigada a utilizar esse meio de transporte para ir e vir do trabalho, à escola, e outros, pois na falta de espaço nos vagões, as mulheres não tem outra opção senão “agüentar” esse constrangimento durante todo o percurso, que muitas vezes é longo.

Infelizmente as mulheres não são respeitadas nessas composições nem mesmo quando acompanhadas por filhos menores.

Diante do exposto, tomo a liberdade de apresentar a esta propositura, pois os problemas de assédio às mulheres são comuns e cabe a nós minimizarmos, diante do possível, essa situação.

Toda violência sexual é uma afirmação de poder. O homem, armado de seus “instintos”, ou qualquer outra justificativa estapafúrdia, acredita estar em uma situação de superioridade e para afirmar sua crença, subjuga a mulher pelo uso da força. Há algo em comum entre a violência sexual e a violência do trânsito: reafirmação de poder por quem o detém somada a culpabilização da vítima.

Ao invés de buscar reverter distorções sociais que tornam aceitável a violência, o “vagão rosa” simplesmente reafirma como natural/normal a conduta violenta.

Três frases escritas no texto “Vagão rosa, para não ser encoxada” ajudam a definir o absurdo:

– Comete-se violência sexual contra as mulheres nos trens, segrega-se as vítimas. Seguindo essa lógica, em breve poderia se propor que, nas ruas e espaços coletivos, as mulheres passassem a usar burca. Assim, os homens não seriam “tentados” a cometer crimes sexuais.

(…)

– … a culpada é a vítima. Seja porque usou “roupas sensuais”, seja porque “se expôs” a uma situação potencialmente perigosa.

(…)

– A outra ideia fincada no imaginário de homens (e também de mulheres) é mais interessante. As mulheres é que são a ameaça. (E não aqueles que abusam de seus corpos e de suas almas.) Confina-se, cobre-se, esconde-se aquilo que nos envergonha e aquilo que nos coloca em perigo.

É possível fazer um paralelo claro com a situação da bicicleta do trânsito e o abuso contido no discurso que pune ciclistas:

– Em um trânsito violento, cabe aos mais frágeis (ciclistas, pedestres etc) se protegerem/serem protegidos;
– Cientes de sua fragilidade, os mais frágeis podem ser culpabilizados por se exporem ao risco;
– O ciclista/pedestre na rua precisa estar adequadamente equipado/vestido já que sua simples presença é uma ameaça à si mesmo e ao entorno.

Naturalmente o Estado pode agir em defesa dos mais frágeis com uma certa dose de segregação viária e redução da velocidade dos motorizados. Mas não “por causa dos ciclistas”, tratados como vítimas e algozes da própria situação indefesa. Tornar viável uma circulação nas ruas que seja compatível com a vida humana é justamente corrigir distorções que se tornaram culturalmente aceitáveis ao longo da história.

Da mesma forma o machismo precisa acabar não “por causa das mulheres”, mas também para que o homem possa se libertar da figura do “macho-brucutu” e se permitir “deixar o motor em casa e caminhar”. Ou seja, a humanização das cidades é também uma feminilização das ruas.

A opressão assume várias formas, a mais comum delas é o abuso verbal, e os ciclistas costuma receber alguns. Desde o “vá pra ciclovia/parque”, até o “use capacete/luz/luva”, ou seja, procure seu lugar “seguro”/segregado e proteja-se do abuso dos outros com trajes/acessórios adequados.

Por mais mulheres em mais bicicletas mais vezes e menos opressão nas ruas, nos trens e em qualquer lugar.

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São Paulo e a criminalização das ruas

São Paulo, cidade sede da maior festa do futebol, construiu estádio, abriu avenidas e até um viaduto novo para que milhares pudessem assistir aos jogos no Itaquerão. Ficou na dívida de abrir ruas para as pessoas.

O local de festas imposto pelas pessoas é nas inviáveis ruas da Vila Madalena com suas casas, bares e ladeiras estreitas incapazes de suportar o fluxo de pessoas interessadas em compartilhar a felicidade. O sucesso do espaço público do bairro espalhou o transtorno para os moradores e como reação a administração pública investiu em criminalizar o espaço público.

Além do reforço na regra de bares fecharem às 1am, as ruas são esvaziadas à força pela Polícia Militar para que “o pessoal da limpeza” possa passar.

O vídeo mostra a história triste de uma cidade em busca de afogar as mágoas, mas que só poderia faze-lo em espaços privados, longe das ruas.

São Paulo sofre de excesso de gente, em todo evento há uma fila, em todo espaço público de lazer muita gente que teve a mesma idéia ao mesmo tempo. Uma cidade que esqueceu das pessoas e dos sentimentos que elas buscam compartilhar é uma cidade necessariamente triste. Que impõe toque de recolher nas centralidades fabricadas, que concentra gente demais nos poucos espaços que oferece para interação e diversão livre entre as pessoas.

O Rio de Janeiro tem a orla de Copacabana e seus milhões no Reveillon e em tantos outros shows, passeatas e festas. São Paulo já teve a Avenida Paulista, que sofre com excesso de regras e onde torcidas não são bem vindas para comemorar seus triunfos. Os gringos, os hermanos e os paulistanos descobriram na Vila Madelena uma alternativa, ao invés de expulsá-los para suas casas, a cidade deveria multiplicar alternativas de espaços livres para festejos.

Porque toda cidade tem o direito de festejar suas glórias e afogar suas mágoas no espaço público. Como provoação final, duas fotos da festa em Buenos Aires nessa quarta feira, 9 de julho de 2014.

Torcedores sem cantigos e cidades sem repertório

 

Um som repercurte mais alto nos estádios e se infiltra também na cobertura televisiva: “Eu sou brasileirooooo, com muito orgulho, com muito amooooorrrrr…”. Pouco importa se o Brasil está em campo, se o jogo é da Argentina com a Bósnia ou Rússia e Coréia do Sul. A insistência e repetição constante do hino da torcida pode até parecer interessante, patriótica ou empolgante. Mas a verdade é que trata-se de uma composição de 1949 e que ganhou popularidade nos últimos anos e ainda persegue os ouvidos mais atentos sem concorrência ou sem novidades.

Como resumido no blog Chuteira Preta: a torcida de estádio parece estar respondendo a alguma ofensa não-enunciada. É como se o brasileiro entrasse xingado e cuspido nas arenas, e não extraísse disso mais do que a força para dizer: “Eu gosto do que eu sou”.

Frequentar estádios em jogos de futebol com torcidas empolgadas e genuínas é uma experiência mágica em que o futebol mostra sua força como paixão de massas. A culpa da insistência no hino modorrento do público brasileiro certamente tem pouca relação com os “estádios padrão Fifa”, já que nossos vizinhos argentinos, chilenos, colombianos e uruguaios parecem ter trazido na bagagem a empolgação de partidas da Copa Libertadores da América. Ou seja, a paixão pelo futebol sobrevive ao estádio shopping center.

 

A diferença talvez esteja na origem dos torcedores. Enquanto os estrangeiros deslocaram-se de longe atrás da sua seleção, o público brasileiro é composto menos por fanáticos pelo esporte bretão e mais por quem busca viver a experiência única de ter uma Copa do Mundo em seu país e em sua cidade. Da mesma forma como os hinos estão prontos e foram compostos no século XX, o repertório urbano brasileiro até se assenta no que se criou décadas atrás.

Só mesmo a falta de repertório para explicar o caos pré-jogo do Brasil. São Paulo, cidade que ter a obsessão de medir congestionamentos, emplacou mais de 309km de filas. Isso pelas contas oficiais, subestimadas. Em um cálculo um tanto quanto solto, um jornal paulistano estimou que fossem cerca de 100.000 pessoas presas em confortáveis carruagens motorizadas, e que acompanharam pelo rádio ao menos o começo da partida.

O problema ganha contornos trágicos quando a administração municipal prefere intervir junto ao legislativo para decretar um feriado municipal no próximo jogo ao invés de buscar alternativas. Sem o feriado, o rodízio de veículos foi expandido, as pistas expressas para ônibus irão operar durante todo o dia e os funcionários municipais terão ponto facultativo.

Todo um esforço para que mais pessoas, possam ficar presas em congestionamentos menos longos dentro de seus veículos privados a caminho de espaços privados onde irão assistir a um jogo de futebol que mobiliza todo o público brasileiro.

A cidade corre com pressa para chegar logo enquanto sofre congestionada e para. Sem repertórios de meios de transporte, sem opções públicas e gratuitas para acompanhar o futebol São Paulo mostra que seu maior problema ainda está na pobreza de opções livres nas ruas. Em cada praça um telão, em cada rua uma alegria. Copa do Mundo certamente rima com expandir usos e trazer mais pessoas para o espaço público.

Enquanto não houver criatividade e paixão para construir e pensar novos cânticos e novos caminhos, seguiremos com hinos antigos e congestionamentos previsíveis e intransitáveis.

 

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Como criar filhos em grandes cidades

Quando chegam os filhos, e até mesmo antes, muda a visão das funções urbanas e as formas também parecem se modificar. É importante saber o caminho e como chegar ao hospital ou casa de parto, o transporte público precisa ser ainda melhor para atender as necessidades de tempo de um transitar que deixa de ser individual e passa a ser atividade para ser exercida em dupla e logo também com um bebê de colo.

A única conveniência no transporte público é o assento preferencial, uma normativa legal que muitas vezes tem pouco efeito prático e que significa apenas a vontade de definir privilégio através de uma lei ao invés de conscientizar a população quanto ao óbvio da gentileza e cortesias urbanas de ceder o lugar a quem dela mais precisa.

Já a mobilidade que deixa de ser individual e passa a ser em dupla implica muitas vezes na submissão a velha carruagem do século XX. A fragilidade de uma mulher grávida logo se transforma na proteção de uma cadeira especial para o transporte de bebês em carruagens. Grande vantagem é que em geral a fragilidade da vida dentro de um automóvel fica claramente demonstrada e a imprudência da juventude ao volante fica por completo soterrada, ao menos na transição para a novidade da maternidade e paternidade.

O ambiente urbano continua rigorosamente o mesmo, mas agora as inclinações das calçadas incomodam a caminhada com o carrinho de bebê, as distâncias urbanas facilmente percorridas a pé por adultos sozinhos ganham outros contornos quando se carrega um pequeno ser tal e qual um canguru no colo. A comércio de bairro passa a ser valioso e a criança força os pais a orientar as compras dos itens de primeira, segunda e até terceira necessidades.

Por fim, mesmo que as crianças sejam francesas e não façam manha (tal como define um livro famoso para neófitos na criação de filhos) é preciso buscar programas e atividades adequadas e aí as dificuldades se mostram por vezes quase cruéis. Criança precisa de espaço, precisa de liberdade enquanto os pais muitas vezes desconfiam que isso seja possível com segurança. Nos anúncios dos jornais estampam-se áreas de lazer, mas feudos confinados geram apenas pobreza de experiência para mentes em desenvolvimento. O inusitado da praça, a harmonia que se constrói no espaço público. Tudo isso é desafiador.

Pião de Tampinha de Detergente, invenção dos subúrbios para uma brincadeira que se vende pronta nos anúncios de televisão

Tal como as crianças pobres da periferia que precisam criar seus próprios brinquedos, os espaços urbanos adequados a circulação e permanência de crianças (e seus cuidadores) são uma grande necessidade do século XXI. Estamos discretamente aprendendo a moldar nosso ambiente de acordo com as necessidades dos humanos, nesse trajeto os “mais pequenos” tem grandes contribuições a nos dar.

A nave que se constrói irá nos transportar para os lugares mais próximos. A praça da vizinhança onde todos podem ir mas que ainda não vê gente que a frequente.