Torcedores sem cantigos e cidades sem repertório

 

Um som repercurte mais alto nos estádios e se infiltra também na cobertura televisiva: “Eu sou brasileirooooo, com muito orgulho, com muito amooooorrrrr…”. Pouco importa se o Brasil está em campo, se o jogo é da Argentina com a Bósnia ou Rússia e Coréia do Sul. A insistência e repetição constante do hino da torcida pode até parecer interessante, patriótica ou empolgante. Mas a verdade é que trata-se de uma composição de 1949 e que ganhou popularidade nos últimos anos e ainda persegue os ouvidos mais atentos sem concorrência ou sem novidades.

Como resumido no blog Chuteira Preta: a torcida de estádio parece estar respondendo a alguma ofensa não-enunciada. É como se o brasileiro entrasse xingado e cuspido nas arenas, e não extraísse disso mais do que a força para dizer: “Eu gosto do que eu sou”.

Frequentar estádios em jogos de futebol com torcidas empolgadas e genuínas é uma experiência mágica em que o futebol mostra sua força como paixão de massas. A culpa da insistência no hino modorrento do público brasileiro certamente tem pouca relação com os “estádios padrão Fifa”, já que nossos vizinhos argentinos, chilenos, colombianos e uruguaios parecem ter trazido na bagagem a empolgação de partidas da Copa Libertadores da América. Ou seja, a paixão pelo futebol sobrevive ao estádio shopping center.

 

A diferença talvez esteja na origem dos torcedores. Enquanto os estrangeiros deslocaram-se de longe atrás da sua seleção, o público brasileiro é composto menos por fanáticos pelo esporte bretão e mais por quem busca viver a experiência única de ter uma Copa do Mundo em seu país e em sua cidade. Da mesma forma como os hinos estão prontos e foram compostos no século XX, o repertório urbano brasileiro até se assenta no que se criou décadas atrás.

Só mesmo a falta de repertório para explicar o caos pré-jogo do Brasil. São Paulo, cidade que ter a obsessão de medir congestionamentos, emplacou mais de 309km de filas. Isso pelas contas oficiais, subestimadas. Em um cálculo um tanto quanto solto, um jornal paulistano estimou que fossem cerca de 100.000 pessoas presas em confortáveis carruagens motorizadas, e que acompanharam pelo rádio ao menos o começo da partida.

O problema ganha contornos trágicos quando a administração municipal prefere intervir junto ao legislativo para decretar um feriado municipal no próximo jogo ao invés de buscar alternativas. Sem o feriado, o rodízio de veículos foi expandido, as pistas expressas para ônibus irão operar durante todo o dia e os funcionários municipais terão ponto facultativo.

Todo um esforço para que mais pessoas, possam ficar presas em congestionamentos menos longos dentro de seus veículos privados a caminho de espaços privados onde irão assistir a um jogo de futebol que mobiliza todo o público brasileiro.

A cidade corre com pressa para chegar logo enquanto sofre congestionada e para. Sem repertórios de meios de transporte, sem opções públicas e gratuitas para acompanhar o futebol São Paulo mostra que seu maior problema ainda está na pobreza de opções livres nas ruas. Em cada praça um telão, em cada rua uma alegria. Copa do Mundo certamente rima com expandir usos e trazer mais pessoas para o espaço público.

Enquanto não houver criatividade e paixão para construir e pensar novos cânticos e novos caminhos, seguiremos com hinos antigos e congestionamentos previsíveis e intransitáveis.

 

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#VaiTerCopa, #NãoVaiTerCopa e o espaço público

A Copa do Mundo no Brasil tornou-se política mais importante que o futebol. Antes da bola rolar, se falava de estádios, mas não do gramado, se falava de motivações político-partidárias, empreiteiras e nada do escrete canarinho nas rodas de conversa. No máximo trocaram-se figurinhas, em shoppings, escolas, escritórios e nas ruas.

O futebol no Brasil tem caráter de definidor nacional, além do patriotismo de chuteiras, a identidade dos brasileiros e brasileiras se construiu também através do esporte. Não se tem notícia de outro país que durante um jogo de copa do mundo fique completamente vidrado na televisão. É uma festa privada e pública. Nos unimos em casa para assistir a uma partida ou saimos às ruas para em grupo para torcer diante de um telão e depois comemorar em festas quase carnavalescas.

Foi com grande ousadia que movimentos sociais Brasil afora resolveram marchar sob o slogan #NãoVaiTerCopa. Leviano seria imaginar que esperassem inviabilizar o evento, ou reorganizar a devoção nacional pelo futebol. Tentaram (e seguem tentando) demonstrar que grandes eventos servem a um modelo de cidade que é extremamente excludente. Remoções e gentrificação deram a tônica para além da construção dos estádios. Grandes obras, novas e largas avenidas, leves toques de BRT e metrô foram os legados efetivamente executados que irão perdurar para além do jogo final.

Cabe pensar sobre o diálogo de contestação e o restante da sociedade. A repressão violenta das forças policiais foram certamente um grande desincentivo para que fosse travado um diálogo nas ruas entre descontentes com o evento e apaixonados por futebol. Com equipamentos novos e de última geração, batalhões de choque foram a única resposta dada a quem buscou dissonar quanto ao que foi feito para que o Brasil pudesse ser palco do maior show midiático esportivo do mundo.

Tendo como força de oposição a violência, ficou difícil envolver a sociedade em uma agenda que buscasse refletir sobre a necessidade e os métodos de ação que o Brasil todo se envolveu para a Copa. Grande perda para o país certamente. Afinal, nossa jovem democracia ainda tem muito a debater para definir caminhos e consolidar vontades populares.

Mas antes que acabe o torneio já é possível vislumbrar algumas contribuições do Brasil para que as próximas Copas sejam melhores (e talvez menores) que a de 2014.

A primeira lição é que governar vai muito além de construir avenidas, estradas ou estádios. Governar é equacionar vontades, incluir a população na definição do seu próprio futuro e garantir que os investimentos do Estado possam beneficiar as pessoas, mais do que favorecer privilégios. No embate entre Copa ou Não-Copa esse debate ficou perdido e precisará ser feito em outros países democráticos que por ventura queiram ou aceitem realizar um evento dessa magnitude.

Outro aprendizado, é que contestação no Brasil precisa ter muita alegria. Do contrário, face a adversidade, se esvazia. O que claramente aconteceu com a escalada da violência policial contra os protestos que se somou à estréia da seleção nacional na Copa.

Contra a violência tão naturalizada com que se tratam as pessoas no Brasil, só o escracho, humor e deboche para seduzir a vontade popular para outros caminhos. Tem de haver um certo canibalismo político de ter mais carnaval reivindicativo e menos protestos contra tudo que aí está. Trata-se de ganhar corações e mentes, sempre.

Ou os discursos dissonantes falarão apenas aos próprias pares sobre paixões compartilhadas entre si. Tal como carnavalizaram os “hinchas” argentinos na praia de Copacabana:

Estavam lá apenas para reforçar entre eles a alegria de serem argentinos e buscarem provocar o Brasil, futebolisticamente. Ainda que desde a derrota brasileira em 1990 na Itália eles não tenham tido boas Copas e nós tenhamos acumulado dois títulos mundiais e um vice-campeonato.

Mostraram sua paixão, divirtiram-se, foram expulsos da rua pela polícia com um certo grau de violência e seguiram até a hora do jogo no Maracanã.

Ainda teremos muitos minutos de jogos de futebol, ainda mais embates entre dissonantes e as forças policiais. E até que se encerre o Mundial, as ruas continuarão sendo utilizadas como espaços de circulação, protestos e festas.

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Uma cidade sem alternativas

Os metroviários de São Paulo estão em greve, uma categoria de trabalhadores em uma queda de braço contra o estado de São Paulo. A batalha se trava pela força, por métodos tradicionais de empregados versus patrões.

Como em todo momento de crise, a cidade mostra suas debilidades estruturais e as pessoas buscam alternativas ou sofrem em opções já conhecidas. A narrativa da cidade gira em torno de um mesmo tema, o tempo gasto de casa ao trabalho. Horas para percorrer poucos quilômetros, muito aperto nos ônibus e nas longas distâncias dos trens de subúrbio.

Olhares atentos permitem ver mais pessoas caminhando distancias maiores e ciclistas que descobrem os prazeres e a praticidade de pedalar ao trabalho. As greves passam, a cidade segue. Mas a cada crise, é hora de repensar a cidade construída e a cidade sonhada.

Sonho possível é o da cidade plural em que transportes se integram para cumprir a função de permitir que pessoas possam ir e voltar de seus destinos. Seja qual for o motivo.

Muito se fala nas horas de pico, na cidade que vai e volta do trabalho, mas existem outras. Existe o espaço do lazer na cidade, a possibilidade de distâncias menores entre onde se ganha o pão e onde se dorme.

Nas ruas e avenidas da cidade seguirão sendo feitas as reivindicações políticas por melhores salários e condições de trabalho de quem garante o funcionamento do transporte público. Uma batalha de forças que precisa ser feita com o propósito final de garantir dignidade ao trabalhador e também a quem é transportado. A cidade afinal é ambiente de trocas e as desigualdades econômicas ainda são o maior drama urbano brasileiro.

Drama quase invisível. Afinal o discurso corrente do senso comum que repensa a mobilidade é de “atrair o motorista do carro particular para o transporte público”. Um caminho que, na realidade brasileira, demonstra claramente nosso sistema de castas. Incentivos para quem opta pela mobilidade individual motorizada parece ser um propósito mais importante do que garantir boas alternativas de deslocamento além proximidade de moradia, trabalho e lazer. Aspectos fundamentais para definir os rumos urbanos para o futuro e que passam mais pela promoção de incentivos corretos do que pela garantia de privilégios a quem tem condições socioeconômicas privilegiadas.

A “meritocracia” de comprar a própria mobilidade através da carruagem própria se mostrou um fracasso em todos o mundo. Soluções em construção tem sido coletivas e promotoras da diversidade e pluralidade urbanas. Cidades pensadas para as pessoas e nas quais mover-se é um direito, não um privilégio. Esses espaços urbanos tem por princípio tratar a todos como cidadãos de direitos, em uma trajetória sempre cheia de ajustes.

Aliança mundial em prol da bicicleta

WCA
Foi lançada em Adelaide a World Cycling Alliance – WCA, trata-se de uma iniciativa da federação européia de ciclismo para a construção de uma rede de organizações internacionais engajadas na promoção ao uso da bicicleta. Nós da Transporte Ativo estamos lá como membros convidados a fazer parte dessa rede.

Os sócios fundadores foram as 82 organizações membros de ECF e mais 4 convidadas para completar o quadro “mundial”:
People for Bikes – Estados Unidos
BEN Bicycle Empowerment Network – África do Sul
Transporte Ativo – Brasil
JUGA – África do Sul

A rede está aberta a participação de organizações interessadas e tem como um dos principais objetivos promover a cooperação e troca de conhecimento entre quem promove a bicicleta ao redor do mundo. Além disso, também visa formar um grupo de pressão a favor da bicicleta junto a organismos internacionais como a ONU, Banco Mundial, OECD etc.

Já existem organizações que atuam no âmbito mundial para promover o esporte e a indústria do ciclismo, é natural que chega a hora de uma aliança em prol da promoção ao uso da bicicleta nas cidades.

O século XXI já está sendo da bicicleta e com pedaladas firmes quem promove a bicicleta se une com leveza e determinação, tal qual uma roda com os raios, leve e firme.

Aqui os termos de referência:
ECF Initiative: “World Cycling Alliance” (WCA)

Saiba mais:
World Cycling Alliance Launched at Velo-City Global
World Cycling Alliance launched at Velo-City Global 2014 Adelaide
World Cycling Alliance launched in Adelaide at Velo-City Global

Bicicletas de carga e ciclovias

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As ciclo rotas do centro do Rio de Janeiro foram um esforço coletivo dos ciclistas para a cidade. Todo esse trabalho rendeu uma apresentação no Velo-City 2014.

Mas um detalhe fez toda a diferença e mostrou a importância de ter participação cidadã na construção de cidades para pessoas. A adequação das ciclovias e ciclofaixas ao fluxo de triciclos de carga, responsáveis fundamentais pela logística carioca.

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Planos cicloviários feitos no ar-condicionado de escritórios fechados costumam errar nos detalhes (ou por vezes em tudo) e quem pedala nas ruas sabe os melhores caminhos para a adequação dos espaços públicos de circulação para as mais diferentes bicicletas.

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Saiba mais:

– Morning sessions: Rio and Cargo