Velo-city 2014 – Adelaide, alguns destaques

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Com raízes européias, a chegada do Velo-city na Austrália demonstra mais uma vez a expansão global dessa que é a maior conferência mundial de promoção ao uso da bicicleta. Expansão que começou em 2010 para levar para o resto do mudo os ideiais da Federação Européia de Ciclismo, organismo pioneiro no incentivo a cidades mais cicláveis.

Para 2014 o mote é celebrar o que há de maravilhoso em pedalar. Serão 3 temas chave que serão analisados com maior profundidade através de 4 lentes.

Temas do Velo-city Global Adelaide 2014

Montagem do palco, histórias que merecem comemoração e celebrações por vir.

A montagem do palco trata dos valores que as paisagens urbanas precisam refletir, e os elementos necessários no planejamento, desenho e administração do espaço público para que as bicicletas sejam onipresente e mais pessoas possam pedalar mais vezes para mais lugares.

A última frase é certamente inspiração direta do nosso lema de “por mais pessoas em mais bicicletas mais vezes.

Seguindo para as histórias que merecem celebração. Trata-se de motivar pessoas, governos, comunidades e empresas para apoiar o uso da bicicleta. Como atender as micro e macro demandas por cidades mais pedaláveis. E mais do que isso, como envolver todos os interessados e suas comunidades na construção dessas cidades.

Por fim as celebrações por vir. Aqui é que se fala das transformações culturais necessárias, como faze-las e como aproveitar os processos dinâmicos de transformação em favor da bicicleta. O desafio é descobrir como uma cultura ciclistica pode gerar cidades criativas capazes de promover e abraçar a experimentação, adaptação, a livre expressão e transformação econômica.

As quatro “lentes” para aprofundar os pontos chave são: os fatos; as lideranças; políticas públicas, estratégias, planejamento e parcerias; e criatividade e inovação.

Claro que dentre os destaque do evento, dois nós interessam e nos honram imensamente. A indicação como lideranças no “Cycling Lumaries Awards” na categoria de lideranças globais e mais ainda o destaque dado a logística em bicicleta na cidade do Rio de Janeiro.

A Transporte Ativo ficou entre os quatro finalistas da categoria Leadership International.

A visibilidade global da Transporte Ativo é um trabalho conjunto de mais de dez anos e certamente o reconhecimento se deve em grande parte a visibilidade que a cultura ciclistica do Rio de Janeiro tem ganho no mundo através dos levantamentos e parcerias.

Cidades amigas da bicicleta são construções coletivas e temos muitos palcos a serem montados, muitas histórias a serem celebradas e certamente muitas celebrações ainda estão por vir!

Pedalemos então!

A diferença entre trânsito e congestionamento

Dia de greve de ônibus em São Paulo. Na avenida Rebouças um fluxo de pedestres caminha no sentido rio Pinheiros, ambas as calçadas encontram fluidez normal para pedestres com retenções em algumas esquinas e riscos de buzinadas nas faixas de pedestres. Ciclistas trafegam livremente em ambos os sentidos da via e também nas transversais. Bicicletas públicas circulam em profusão e é possível que hajam filas ou dificuldades para encontrar bicicletas em algumas estações.

Os pedestres que caminham em direção ao terminal de trem e metrô de Pinheiros devem redobrar a atenção nos arredores e dentro da estação, a superlotação é esperada. Certa dose de força bruta e desprendimento podem ser necessárias

Quanto ao trânsito motorizado, um monte de carros nas ruas como de costume. Fazem fila em busca de um novo recorde de congestionamento que será veiculado comparando a distância até cidades no entorno da capital paulista.

Um informe de trânsito assim nunca foi ao ar na rádio ou na TV. Ainda que São Paulo tenha uma “rádio trânsito” e as emissoras de televisão cultivem o fetiche de colocar ao vivo imagens de grandes congestionamentos, sejam das câmeras de monitoramento, sejam através de helicópteros.

O fetiche vai além do absurdo com monitoramentos privados da quilometragem de engarrafamentos em tempo real, cidadãos viciados em aplicativos anti-congestionamento e uma cidade inteira que adora falar sobre desventuras acerca da mobilidade.

Ser ciclista apocalíptico nesse ambiente requer um posicionamento “contra-cultural”, mas acima de tudo uma grande dose de ironia. Nas conversas de elevador, nos almoços de família, quem pedala exerce o fino dom do desprezo pelas reclamações alheias. A arte requer prática e alguns ataques precisos para desconstrução dos discursos prontos feitos através de uma leitura da cidade feita por que a vê por detrás de um para-brisa.

A já famosa frase “eu transito, você congestiona” foi uma nobre tentativa de virar o disco e redefinir o entendimento das vias públicas o dos congestionamentos. Um tanto agressiva, o slogan incentiva a guerra simbólica ao invés de desmontá-la.

Um bom mote para os que escolheram pedalar em detrimento a qualquer outra opção seja “eu prefiro a bicicleta”. Ao mesmo tempo que nega as alternativas sem confrontá-las, o slogan coloca o pedalar em um outro patamar. Ainda que a mobilidade individual movida pelas próprias forças seja para a população pobre uma necessidade e para os ricos uma extravagância, é preciso valorizar quem não tem alternativas e tornar algo simples e normal para quem dispõe de todas.

Como criar filhos em grandes cidades

Quando chegam os filhos, e até mesmo antes, muda a visão das funções urbanas e as formas também parecem se modificar. É importante saber o caminho e como chegar ao hospital ou casa de parto, o transporte público precisa ser ainda melhor para atender as necessidades de tempo de um transitar que deixa de ser individual e passa a ser atividade para ser exercida em dupla e logo também com um bebê de colo.

A única conveniência no transporte público é o assento preferencial, uma normativa legal que muitas vezes tem pouco efeito prático e que significa apenas a vontade de definir privilégio através de uma lei ao invés de conscientizar a população quanto ao óbvio da gentileza e cortesias urbanas de ceder o lugar a quem dela mais precisa.

Já a mobilidade que deixa de ser individual e passa a ser em dupla implica muitas vezes na submissão a velha carruagem do século XX. A fragilidade de uma mulher grávida logo se transforma na proteção de uma cadeira especial para o transporte de bebês em carruagens. Grande vantagem é que em geral a fragilidade da vida dentro de um automóvel fica claramente demonstrada e a imprudência da juventude ao volante fica por completo soterrada, ao menos na transição para a novidade da maternidade e paternidade.

O ambiente urbano continua rigorosamente o mesmo, mas agora as inclinações das calçadas incomodam a caminhada com o carrinho de bebê, as distâncias urbanas facilmente percorridas a pé por adultos sozinhos ganham outros contornos quando se carrega um pequeno ser tal e qual um canguru no colo. A comércio de bairro passa a ser valioso e a criança força os pais a orientar as compras dos itens de primeira, segunda e até terceira necessidades.

Por fim, mesmo que as crianças sejam francesas e não façam manha (tal como define um livro famoso para neófitos na criação de filhos) é preciso buscar programas e atividades adequadas e aí as dificuldades se mostram por vezes quase cruéis. Criança precisa de espaço, precisa de liberdade enquanto os pais muitas vezes desconfiam que isso seja possível com segurança. Nos anúncios dos jornais estampam-se áreas de lazer, mas feudos confinados geram apenas pobreza de experiência para mentes em desenvolvimento. O inusitado da praça, a harmonia que se constrói no espaço público. Tudo isso é desafiador.

Pião de Tampinha de Detergente, invenção dos subúrbios para uma brincadeira que se vende pronta nos anúncios de televisão

Tal como as crianças pobres da periferia que precisam criar seus próprios brinquedos, os espaços urbanos adequados a circulação e permanência de crianças (e seus cuidadores) são uma grande necessidade do século XXI. Estamos discretamente aprendendo a moldar nosso ambiente de acordo com as necessidades dos humanos, nesse trajeto os “mais pequenos” tem grandes contribuições a nos dar.

A nave que se constrói irá nos transportar para os lugares mais próximos. A praça da vizinhança onde todos podem ir mas que ainda não vê gente que a frequente.

Bicicletas e efemérides

Dia das mães, dos pais, dos namorados, Natal e tantas outras datas comemorativas ou feriados. Amamos efemérides, seja para comemorar, vender mais ou relembrar fatos históricos importantes.

A segunda sexta-feira do mês de maio ficou definida no Brasil como o dia “De bike para o trabalho”, uma adaptação do “Bike to work day”, invenção da Liga de Ciclistas Estadunidenses no ano de 1956, parte das festas do mês da bicicleta.

No Brasil a data é promovida pelos BikeAnjos e por isso tem como grande propósito oferecer aquela dose gratuita, voluntária e colaborativa de bicicleta no dia a dia de quem ainda não pedala sempre.

Escolher uma data em que muitas pessoas farão algo juntas é, pelo amor humano às efemérides, um hábito socialmente difundido. Os estigmas brasileiros tradicionalmente associados a bicicleta: esporte e transporte para quem não tem dinheiro, podem ser desconstruídos na prática. Quem pedala por lazer acaba por descobrir o quanto é mais simples e agradável incluir a bicicleta no dia a dia e livrar-se do stress e dos congestionamentos urbanos.

Mais do que datas, o objetivo é ter mais pessoas em mais bicicletas, mais vezes. Ou, na definição desse cientista, ter uma massa crítica capaz de mudar nosso coletivo coletivo rapidamente.

O objetivo final portanto é “naturalizar” a bicicleta nas cidades e para isso é possível pensar em um número fundamental com base no vídeo acima, 10% da população. Hoje apenas algumas cidades brasileiras apresentam índice próximo a dez porcento das pessoas em bicicleta. Tornar realidade essa massa transformadora requer portanto um esforço coletivo enorme de quem hoje promove a bicicleta.

Ir de bicicleta ao trabalho um dia é certamente uma pedalada à frente no caminho para reconstruir o entorno. Primeiro o neo-ciclista irá perceber o ambiente e irá logo em seguida perceber as inconsistências e inadequações da cidade. Idealmente quem enxerga a bicicleta e sente a importância delas para sua cidade irá ser favorável a mudanças e quem sabe até envolver-se diretamente nas transformações necessárias.

Nem todos irão de bicicleta todas as vezes a todos os lugares, mas uma cidade onde 10% da população usa a bicicleta é uma cidade em que as magrelas são parte da paisagem e por isso mesmo o ambiente urbano torna-se adequado a seres humanos.

Pedalemos pois, ao trabalho, à escola, ao lazer à padaria, ao mercado e aonde mais for da vontade de cada ciclista.