Violência e trânsito

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O trânsito urbano é pensado para ser ordenado. Pinturas no asfalto, placas, luzes e regras, muitas regras. Mas toda a construção física e simbólica das ruas parece esquecer que existem seres humanos em circulação e conduzindo veículos.

Quando seres humanos e seus veículos colidem, ou atropelam, a maioria das pessoas ainda define essas ocorrências como “acidentes”, com toda a tentativa de isentar os envolvidos de quaisquer responsabilidades. Principalmente se um dos envolvidos for o condutor de um veículo automotor e a outra parte forem pedestres ou ciclistas.

A construção do que é “acidente” e como a terminologia é favorável a irresponsabilidade é assunto para outro(s) post(s) e até mesmo para teses de doutorado. Vale ressaltar no entanto como os próprios ciclistas discutem e reverberam ocorrências no trânsito, com ou sem vítimas.

Exemplo bem conhecido são as bicicletas brancas. Símbolo de revolta de ciclistas com a morte evitável (e ofensivamente chamada de “acidente” por não-ciclistas) de “um dos seus”. O ritual de marcar um espaço na rua como local de um crime de trânsito é interpretado de diversas maneiras a pior certamente é a de reforçar um medo difuso que muitos tem de pedalar nas ruas.

Uma bicicleta branca comunica que o risco da morte é algo que assombra quem pedala. Conceito que por vezes reativa o estereótipo de que pedalar nas ruas das cidades “que não foram feitas para bicicletas” é uma atitude temerária e arriscada. Ao invés de buscar responsabilizar a imprudência e imperícia de condutores homicidas, uma bicicleta branca pode ser simplesmente reforçar nas mentes urbanas que é preciso armadura para transitar pelos espaços público de circulação.

Para além de homenagens póstumas, há outro fator mais sutil no discurso e nas conversas sobre violência, trânsito e bicicletas. É a própria fala entre os ciclistas e o discurso de medo que propagam.

O medo vai desde as “ameaças de morte” que um ciclista sem capacete sofre de seus pares capacetudos, até as conversas retroalimentadas de incidentes, tombos e momentos de tensão no trânsito. É quase natural que um encontro entre vários ciclistas a conversa em algum momento siga o caminho de confessionário de desventuras, riscos e medo.

Tal iniciativa está longe de ser postura individual de um ou outro ciclista, mas prática corriqueira entre qualquer pessoa que pedala nas ruas das grandes cidades. Espaço “de guerra” e que foi legitimado como pertencente aos condutores de veículos motorizados. O confessionário de desventuras faz pouco para mudar a situação e trazem o debate sobre o uso da bicicleta entre ciclistas para uma esfera de melhorias nas condições de circulação humana nas ruas.

Bicicletas brancas e o confessionário de desventuras acabam por cumprir um mesmo papel, unir a comunidade dos ciclistas. Para unidos, reeducar, subjugar ou idealmente dominar os condutores motorizados e ganhar a guerra pelo espaço das ruas.

Ainda que comunidades fortes tenham um papel fundamental na construção de cidades humanas, o discurso do medo reforça cisões entre pedalantes e não-pedalantes ao invés de unir propósitos e esforços. Resolver o problema como algo “do outro”, é afirmar que se hoje temos uma cidade motorizada que oprime os desmotorizados, há que se travar a batalha pela libertação dos não-motorizados.

Como reordenar os discursos para produzir melhorias é tarefa árdua, ainda mais em uma sociedade fascinada por crime, violência e cultura do medo. O termo “confessionário de desventuras” é livremente inspirado na “fala do crime”, magistralmente definido no livro “Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo de Teresa Pires do Rio Caldeira

Pedalar requer equilíbrio e devolve alegria

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Alguns dos participantes do Workshop – Promoção ao uso da bicicleta no Brasil – 2014

Em 2013 convidamos organizações de todo o Brasil que promovem o uso da bicicleta a trocar informações e conhecerem mais sobre como a Transporte Ativo trabalha e nossos resultados nesses mais de 10 anos de atividade. Após as avaliações desse primeiro Workshop – Promoção ao uso da Bicicleta no Brasil, fizemos uma segunda edição com foco na administração e captação de recursos para organizações que agem pedalam por cidades melhores.

No primeiro dia falaram os especialista na administração e captação de recursos, ninguém com envolvimento com a bicicleta. No segundo dia as organizações selecionadas e as convidadas mostraram como administram e captam recursos. Além da TA, tivemos a Ciclocidade, Bike Anjo, CicloIguaçu e Mobilicidade. Para concluir o dia foi a vez de falar de ciclorrotas colaborativas. Foram apresentados os exemplos do Rio, Belo Horizonte, Curitiba, Aracaju, São Paulo e Vitória.

O terceiro e último dia foi dedicado a uma “visita técnica”, a famosa pedalada para conhecer na prática como estão sendo implementadas as ciclorrotas cariocas. E teve ainda o complemento de uma roda de conversa sobre empreendedorismo relacionado a bicicleta.

As grandes distâncias entre as cidades brasileiras por vezes nos deixa esquecer que somos parte de um mesmo país. A oportunidade de encontros pessoais entre ciclistas ajuda a inspirar e ver na prática que as dificuldades são parecidas e que o aprendizado de cada um pode ser facilmente adaptado e implementado por outros. Após o workshop em 2013 foram diversas contagens de ciclistas Brasil afora. Que 2014 possa ser o ano de organizações em prol da bicicleta mais bem administradas e com capacidade de captar recursos.

Fortalecer quem trabalha em prol de cidades mais amigas da bicicleta é do interesse de todos que pedalam e um trabalho que precisa de apoio mútuo (o tal equilíbrio). A alegria é garantida.

Leia mais sobre o Workshop e o prêmio:
Workshop reuniu ciclistas no Rio de Janeiro para discutir a mobilidade por bicicleta no país | Vá de Bike
Desconstruir o pensamento faz bem! | Bike é Legal
Potencializar o uso das bicicletas é a solução | Ciclo Urbano

Bicicleta e microeconomia

 

O prêmio – A Promoção da Mobilidade por Bicicleta no Brasil tem como objetivo valorizar quem faz da paixão pelas duas rodas movidas a pedal ação inspiradora que transforma o ambiente urbano.

Exatamente por isso, ao organizar o prêmio e o workshop de mesmo nome, fizemos a opção por fornecedores locais e quando essa solução não era possível, empresas comprometidas com a bicicleta.

Justamente na pequena escala que a bicicleta transforma as cidades, através de atividades econômicas de impacto local que, pequenas e simples, são as que mais geram empregos, além de serem mais próximas física e simbolicamente de quem faz uso dos produtos e serviços que comercializam.

Na escala global da economia, pessoas tornaram-se coisas e a busca pela maior margem de lucro acaba por gerar impactos negativos muitas vezes invisíveis. Desde o trabalho escravo naquela roupa de marca, até a comida repleta de agrotóxicos. Exatamente pela sua simplicidade e transparência, a bicicleta é uma subversão econômica nas cidades que ecoa muito além dos pedais.

Serviços de entrega que utilizam a bicicleta geram o menor impacto no último quilômetro da logística urbana. Além disso, negócios locais em pequena escala tendem a ser mais transparentes já que a relação de consumo se dá diretamente com os proprietários.

Os bonés que daremos aos premiados são das LaBuena lá de Porto Alegre, as bebidas são do Mercado Bastião Carioca que faz entregas de triciclo. As comidinhas serão entregues a pé e os lanches são da Alface do Rio.

Saiba mais sobre o prêmio e o workshop.

Como conquistar uma rua para brincar

Ruas são espaços públicos de circulação urbana. Mas nas últimas décadas muito dinheiro foi gasto para convencer as pessoas que os intervalos entre casas, prédios e praças são “autopistas”.

Essa distorção simbólica foi algo que se fez de maneira premeditada e efetiva ao longo de décadas. Só assim os habitantes das cidades iriam aceitar que crianças e idosos passassem a morrer em grandes números apenas para que alguns pudessem exercer na rua a ilusão de velocidade que as carruagens motorizadas anunciam, mas não entregam.

Precisamos antes de mais nada imaginar as novas cidades necessárias para o século XXI. Essa imaginação precisa então se transformar em um discurso que subverta almas e mentes a entenderem o que significa realmente o espaço público das ruas.

No começo do século XX todos os moradores das cidades foram convocados para uma guerra. Uma guerra que vitima os mais frágeis e que foi propositadamente definida como “acidentes de trânsito”. A reação atual ao genocídio humano nas ruas, avenidas e estradas é buscar pacificar os condutores.

Faz tanto sentido como tentar fazer de um soldado armado, pacifista. Para quem só conhece a guerra, a paz é inimaginável. O desafio mostra-se grande quando a indústria automobilística segue firme em distorcer a realidade e tornar crimes de trânsito “vacilos” e responsabiliza de maneira leviana todos os atores do trânsito de igual maneira.

Nas ruas cada um tem sua responsabilidade, mas legalmente já está definido que o condutor do veículo maior deve zelar pela segurança do menor e todos pela incolumidade do pedestre. A disputa portanto passa longe da esfera legal, é simbólica e por isso mesmo sutil.

Tão sutil que de maneira alegre busca convencer a todos que se está fazendo uma campanha de “cunho social e informativo”, quando na verdade o investimento é uma maneira de garantir que as ruas simbolicamente continuem a pertencer aos condutores de carruagens motorizadas e que os eventuais “invasores” desse espaço, ciclistas por exemplo, devem se adequar a regras pensadas em nome da segurança de veículos em detrimento do bem estar das pessoas que vivem na cidade.

Quando pedalar é um desafio

 

A bicicleta move-se facilmente, mas mesmo leve e simples, ela também tem inércia. E quebrar a inércia é realmente o único esforço memorável que se faz de bicicleta. Com exceção talvez daquela ladeira enorme, mas aí a história é outra.

Para colocar em movimento todos que tenham interesse em trazer alegria e liberdade para a rotina urbana, existe a campanha “De Bike Ao Trabalho”. O mote é simples, superar o que para quem está parado no trânsito é um desafio, pedalar para chegar no escritório.

É possível já esquentar os pedais e preparar o ambiente de trabalho para receber os ciclistas através do manual “De bicicleta ao trabalho”.

Na página da campanha, é possível se cadastrar e conhecer cada um dos desafios até que chegue o dia 9 de maio, quando a pedalada vai tomar conta das ruas, um ciclista de cada vez.

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