Na França bicicleta pode circular no contrafluxo

O Code de la Route, o Código de Trânsito da França, foi alterado como parte do plano nacional de incentivo ao uso da bicicleta. A premissa é garantir que lógica de circulação de quem pedala seja incorporada à legislação do país. Afinal, toda regra é uma construção social.

Com iniciativas piloto realizadas em diversas cidades francesas desde 2012, ciclistas poderão circular no contrafluxo em todas as ruas com limite de velocidade igual ou menor que 30 km/h de acordo com novas regras de trânsito adotadas nacionalmente. A contramão fica liberada a não ser em caso de proibição expressa.

Ciclistas também não precisarão mais seguir pelo bordo da pista, poderão utilizar o centro da pista. A idéia não é irritar motoristas, mas garantir a segurança de quem pedala contra a desatenção de quem por ventura abre a porta do automóvel.

Além disso, a bicicleta também pode circular livremente em zonas de pedestres (calçadões, por exemplo) em ambos os sentidos a não ser que expressamente desautorizado pela autoridade local.

A adaptação gradual do Code de la Route foi promessa do ministro dos Transportes Alain Vidal como prosseguimento do “Plano de Ação para a mobilidade ativa” (Pama) lançado pelo seu antecessor no começo de 2015. O plano e as alterações no Código de Trânsito francês fazem parte do apoio do governo federal para que as comunidades locais possam promover cada vez mais o uso da bicicleta. O anúncio das mudanças legais foi feito em junho durante o VeloCity 2015 em Nantes, elas foram promulgadas no mês seguinte e passam a valer no dia 01 de janeiro de 2016.

Porque ciclistas circulam na contra-mão

Pessoas que pedalam regularmanente sabem que mão e contra-mão de direção são regras estabelecidas para a segurança e conveniência dos condutores de veículos motorizados. Pedestres e também ciclistas, buscam sempre o caminho mais curto e seguro possível.

Desde 2012 diversas cidades francesas vem permitindo e sinalizando a circulação de bicicletas no contra-fluxo e tal medida comprovou que não aumentam as ocorrências de trânsito, pelo contrário, a medida agiliza a circulação de ciclistas e dá mais comodidade. O governo francês apenas adotou como norma um uso das ruas comum por parte de quem pedala e com isso incentivou ainda mais o uso da bicicleta.

Ao questionar a lógica dos sentidos de direção, os órgãos de trânsito na França puderam caminhar em direção a humanização do viário no país. Afinal, limites de velocidade motorizada menores favorecem aquilo que é a utopia viária, a convivência nas ruas com base na atenção às pessoas. Menos placas, menos lógica rodoviária nos espaços urbanos e mais olho no olho e atenção aos mais frágeis.

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Francia autoriza circular en contrasentido

Quem são os ciclistas brasileiros

Foto: Carlos Aranha

Foto: Carlos Aranha

A Transporte Ativo, em parceria com outras 9 organizações em defesa da bicicleta, está realizando um levantamento do perfil dos ciclistas brasileiros. O objetivo é entender o que motivou as pessoas a começarem a pedalar e o que as faz seguir em frente. Com base na pesquisa, será possível  direcionar com maior eficiência os esforços de promoção ao uso da bicicleta

A iniciativa faz parte da “Parceria Nacional pela Mobilidade por Bicicleta” que busca mapear o Brasil que pedala. Serão levantadas idade, renda, motivação para usar a bicicleta, o tempo médio do principal trajeto feito em bicicleta, para onde é esse trajeto, se ela é combinada com outros meios de transporte. Além disso, as organizações parceiras poderão escolher até 4 perguntas específicas para suas cidades.

A quantidade de entrevistados varia de acordo com o tamanho da população, em São Paulo serão 1.784 questionários aplicados por 9 pesquisadores. E em todas as cidades o levantamento será feito nas áreas centrais, intermediárias e periféricas  em pontos que já possuem infraestrutura cicloviária, pontos que ainda não possuem e os chamados “pontos de intermodalidade”, nos quais a bicicleta se relaciona com outros modais de transporte.

Relatos de uma pesquisa de campo em bicicleta

Mais do que dados a serem planilhados, a pesquisa acaba mergulhando em histórias. São ciclistas já idosos que nem ao menos lembram quando pedalaram pela primeira vez ou histórias de neófitos desbravando a cidade com prazer e vento no rosto.

Para enxergar um pouco do que não será tabulado, Marina Harkot, pesquisadora pela Ciclocidade em São Paulo compartilhou duas histórias de pessoas que usam a bicicleta na mais populosa cidade brasileira.

esse é o Julião. ele mora na rua há tanto tempo que já nem lembra mais até que série estudou. faz de tudo um pouco e acha que a melhor coisa da bicicleta é conseguir carregar suas poucas posses de cima pra baixo, pela cidade inteira. pedala desde sempre, não consegue pensar em um período de tempo exato.
quando pedi pra tirar uma foto sua, demorou uns 5 minutos pra se arrumar – tirou o boné, soltou os cabelos e se escondeu atrás dos óculos escuros. pediu para ver a foto, achou que tinha ficado escura e disse que era pra eu “comprar um celular melhorzinho”. foi embora tão sorrateiramente quanto chegou – e nem me deu tempo para agradecer a conversa e dizer o quanto que gente como ele me faz sentir viva.

O triciclo de Lineu, por Marina Harkot

O triciclo de Lineu, por Marina Harkot

o dono desse triciclo é o Lineu. ele tem ataxia cerebelar – uma doença degenerativa – e começou a usar a bicicleta para recuperar massa muscular (disse que hoje em dia tem “até bunda de novo”).
Lineu deixa uma cadeira de rodas “estacionada” no bicicletário da estação Sé e usa o triciclo pra rodar por aí – visita a família na Freguesia do Ó pedalando desde a Barra Funda, em duas horas de caminho.
quando chega na Sé, troca o triciclo pela cadeira de rodas e segue de metrô para a Leste, onde mora. amanhã está de volta aqui pelo centro.

Cada pessoa em bicicleta merece sempre os maiores incentivos. Por vezes ouvir suas histórias já representa um carinhoso agradecimento. Fica o convite para que as pesquisadoras e pesquisadores Brasil afora compartilhem conosco seus relatos e seus personagem.

Por mais pessoas felizes em bicicleta.

Saiba mais:

A “Parceria Nacional pela Mobilidade por Bicicleta” é uma iniciativa da Transporte Ativo, com patrocinio do Banco Itaú e parceria com as organizações Ciclocidade (São Paulo), Mobicidade (Porto Alegre), BH em Ciclo (Belo Horizonte), Rodas da Paz (Brasília), Ameciclo (Recife), Bike Anjo Salvador, Ciclourbano (Aracaju), Pedala Manaus, Mobilidade NiteróiPROURBObservatório das Metrópoles , ITDP Brasil.

Um contador automático de ciclistas

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O levantamento de dados, principalmente o de fluxos de ciclistas é iniciativa preciosa para definir políticas públicas e promover o uso da bicicleta. Em uma parceria com o Banco Itaú, a Transporte Ativo tem seu próprio contador automático e que já está nas ruas.

Copacabana, berço das infraestruturas cariocas para bicicletas

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Pioneira com a Ciclovia da Orla e também com as redes internas de bairros com suas Zonas 30. Primeiras contagens fotográficas, manuais e automáticas da cidade, recebeu os primeiros bike box do Rio e tem a maior frota de bicicletas em serviço do Rio de Janeiro.

Com tantos motivos, a Transporte Ativo iniciou na quinta feira, dia 6 de agosto de 2015, uma série histórica de contagens de ciclistas no bairro, com o objetivo mensurar as mudanças a cada ano a partir de agora. Os dados levantados serão entregues às Secretarias de Transporte, Meio Ambiente, Urbanismo e CET-Rio, permitindo assim uma melhor avaliação da área, para que melhorias e ajustes na infraestrutura cicloviária possam ser efetuadas a cada oportunidade.

Contagem automática Vs. Contagem Manual

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Pelo contador automático passaram 852 ciclistas em 12 horas, uma queda em relação aos totais anteriores. Em 2009 (ainda sem ciclofaixa) foram
1420 ciclistas na esquina das ruas Figueiredo de Magalhães e Nossa Senhora de Copacabana. Destes 1061 na Figueiredo, em dois diferentes quarteirões e o resto seguiu pela Nossa Senhora.

Já em 2013 (com um ano de ciclofaixa) foram 1535 ciclistas no cruzamento sendo 1222 em dois quarteirões da Figueiredo e os demais cruzando pela Nossa Senhora.
Os dois quarteirões citados são: entre Domingos Ferreira e NS Copa e entre NS Copa e Barata Ribeiro (que julgo ser mais movimentado que o anterior)

O total 852 ciclistas contados automaticamente foi coletado em apenas um quarteirão, entre as ruas Domingos Ferreira e Nossa Senhora, além disso, foram computados apenas quem utilizou a ciclofaixa, quem seguiu pela calçada e pelo outro lado da rua, não foi computado ao contrário das contagens manuais.

A diferença portanto é que de maneira automática passamos a contar uma parte do fluxo cicloviário que faz uso de uma infraestrutura. Uma nova técnica requer um novo histórico e assim será, com o contador circulando pela cidade.

O equipamento foi totalmente aprovado, foram 25 minutos pra montagem e 15 pra desmontar. Todo o equipamento cabe em uma maleta e pesa apenas 17kg, mas requer uma bicicleta de carga para ser transportado, dadas suas dimensões.

Saiba mais:

Relatório completo da contagem automática de ciclistas na rua Figueiredo de Magalhães em Copacabana

O que aconteceria se ciclistas respeitassem todas as leis de trânsito

 

“Precisamos entender urgentemente que as leis de trânsito foram redigidas de maneira cuidadosa e criteriosa em busca da segurança de todos. As mesmas regras que se aplicam aos motoristas, aplicam-se aos ciclistas. Certamente nada pode dar errado.”

 

O comentário irônico acima foi escrito pelo perfil satírico de “Bob Gunderson”, mas infelizmente existem pessoas que efetivamente acreditam na letra fria das leis de trânsito como regras canônicas pensadas para resguardar a segurança geral. Doce ilusão.

Todo o arcabouço jurídico que busca organizar a circulação viária foi pensado da mesma maneira que as ruas foram construídas ao longo do século XX, garantir a maior fluidez motorizada possível. Tendo a velocidade como valor sagrado dessa tal de “modernidade”.

Exacerbar o rídiculo de tentar aplicar para as bicicletas leis de trânsito criadas para a circulação de motores foi a excelente iniciativa de um grupo de ciclistas em São Francisco na Califórnia. Por lá, condutores devem parar completamente nos cruzamentos sinalizados com a placa PARE. Em uma infeliz decisão, a autoridade de trânsito local resolveu punir infratores dessa regra que estiverem em bicicleta.

Gastar tempo e recursos humanos preciosos para punir ciclistas é a pior decisão possível. Ainda mais ao se saber que na busca de zerar ocorrências de trânsito com mortos e feridos com sequelas, a famosa visão zero, a cidade californiana tem buscado punir com rigor as 5 infrações que mais impacto negativo tiveram na letalidade viária.

Ciclistas conscientes da própria vulnerabilidade no trânsito sabem adaptar sua conduta para promover a própria segurança. Adaptações legais são portanto uma iniciativa eficiente para realmente garantir que as regras promovam o bem estar geral, sem privilegiar os deslocamentos de carruagens de aço em detrimento das pessoas.

O absurdo carrocentrico fica explícito no vídeo abaixo:

Já a lógica ciclista fica manifesta no “Idaho STOP”, legislação estadual em Idaho que permite aos ciclistas tratarem placas e semáforos dentro da lógica mais simples.

As regras de trânsito precisam de mais atenção às experiências dos usuários e menos engenharia de trânsito. Do contrário pedestres deverão ter habilitação para atravessar a rua, ou pior, semáforos que privilegiam automóveis virão com manual de instrução para quem se movimenta por modos suaves.

Saiba mais:

This Is What Happened When Bicyclists Obeyed Traffic Laws Along The Wiggle Yesterday

New SFPD Park Station Captain’s Bike Crackdown Won’t Make Streets Safer

Full Bike Compliance With the Stop Sign Law: An Effective Spectacle

Uma ciclovia para abrir novas avenidas

São Paulo, 28/06/2015 - Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

São Paulo, 28/06/2015 – Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

A Avenida Paulista é a melhor ágora que sobrevive em São Paulo. Todo movimento político e toda discussão que diz respeito a polis tem de passar por lá ou tem no vão do MASP seu epicentro.

Torna-se óbvio que a praça do ciclista tenha sido disputada e ganha pelo movimento cicloativista para que a bicicleta ganhasse espaço na cidade. Mas a inauguração da mais paulista das ciclovias foi mais que vitória de um grupo ativista ou de aficcionados pelas pedaladas. Foi retomada do espaço público, foi mais uma porteira que se abriu em prol de uma cidade para pessoas.

Aos que estão empenhados em mais bicicletas na cidade há décadas, foi o coroamento de um sonho; os que pedalam há apenas alguns anos, foi o incentivo para que se mantenha a cadência; para quem acabou de descobrir os pedais foi deslumbramento.

Já para quem tem dúvidas sobre o que uma cidade para pessoas significa, foi um manual completo de introdução a uma cidade melhor.

São Paulo, 28/06/2015 - Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

São Paulo, 28/06/2015 – Inauguração da ciclovia da Av. Paulista. Foto: André Tambucci / Fotos Públicas

O comércio não conseguiu atender a demanda, a alegria transbordou em lágrimas e sorrisos e o asfalto conheceu o silêncio, as conversas sem gritos e o ar limpo.

Política pública da melhor qualidade é a que parte da sociedade civil organizada, é encampada pelo poder público e transforma a realidade. Sempre foi essa a intenção da massa crítica de São Paulo, nascida em 29 de junho de 2002. A reação em cadeia que pessoas em bicicleta quiseram iniciar 13 anos atrás, depois de muitos catalisadores agora está agindo de maneira quase espontânea.

O cicloativismo ainda não chegou ao ponto de ser desnecessário, mas a cada pedalada é possível enxergar mais perto o fim do movimento que se tornará extinguirá quando for incorporado por toda a sociedade.

Pedalemos. As cidades ainda não mudaram, mas cada vez mais pessoas em mais bicicletas mais vezes irão realizar utopias.

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A política pública se torna “chic” e distante do povo quando começar em áreas nobres!

Ocupando o símbolo de São Paulo

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