Carnaval, democracia nas ruas

O carnaval é quando as ruas voltam a pertencer as pessoas, sem concessões. Em massa e em festa milhares de enebriados foliões tomam conta dos espaços públicos Brasil afora. Durante alguns dias o que é de todos passa ser verdadeiramente de quem queira. O lúdico e o “estar” deixam completamente de lado o fluir e o circular.

Durante o reinado do Momo a circulação se faz por outras vias, bicicletas e veículos motorizados devem procurar alternativas para fluir, por ser grande demais, a massa em alegria toma conta de todos o espaço. De porta a porta, do lado de fora, apenas gente.

A força incontrolável da festa inspira outras cidades possíveis. Quatro dias no ano são muito pouco para ter a cidade aos pés de quem está a pé. A demanda reprimida fica clara por mais espaços públicos de qualidade. Pessoas gostam de pessoas e o excesso e densidade do Carnaval evidenciam também que o aperto só é tolerável com música e festa.

Durante os outros 361 dias do ano o casamento entre circulação e diversão perde espaço. A cidade para as pessoas que funcionou durante a folia fica fechada. Será que precisaremos esperar até o próximo Carnaval para libertar a vontade de estar em companhia e em alegria nas ruas?

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Cultura pró-bicicleta

From Bicicletário Laura Alvim

Ir ao cinema, ao teatro, tomar um café ou comprar livros, tudo em plena orla de Ipanema na Casa de Cultura Laura Alvim. Agora com um belo bicicletário feito a partir de sucata reaproveitada.

Em uma parceria do centro cultural com o programa “Rio, o estado da Bicicleta”, foi instalado esse bicicletário que tende a ser mais um marco cultural carioca. Não só pela comodidade de ter vaga na porta para ciclistas, mas por ser uma das áreas mais nobres da cidade. A iniciativa valoriza ao mesmo tempo a Casa de Cultura e a bicicleta.

From Bicicletário Laura Alvim

Que outros espaços culturais tenham a mesma iniciativa da Casa de Cultura Laura Alvin, qualificando o espaço público com estacionamentos para nossas queridas bicicletas.

From Bicicletário Laura Alvim

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A reinvenção do mundo, pedalando

O jornalista Arthur Dapieve escreveu uma resenha sobre o livro “Diários de Bicicleta” que foi publicada no jornal O Globo em 11 de dezembro de 2009. Mais do que bicicletas, o livro de Byrne fala sobre cidades, pessoas, culturas. Tudo pela perspectiva de quem, por acaso, utiliza a bicicleta como seu principal meio de transporte terrestre.

O Leonardo pop

Byrne reinventa o mundo pedalando

David Byrne chegou à capa da “Time” na edição datada de 27 de outubro de 1986. Ele já não era nenhum novato _ os Talking Heads haviam sido formados onze anos antes _ mas a revista reconhecia mais que isso. Segundo ela, Byrne era um homem da Renascença no rock, um Leonardo Da Vinci no CBGB’s por conta de seus múltiplos talentos: música, claro, artes plásticas, espetáculos de dança e, este o gancho, um filme, “Histórias reais”.

O diretor e co-roteirista viria dos Estados Unidos apresentar a sua obra no então FestRio, semanas depois. “Histórias reais” era uma alegoria travestida de documentário. Ou vice-versa. O personagem de Byrne visitava a fictícia cidade de Virgil, Texas, como se tivesse acabado de chegar de Marte. Lá, ele se inteirava de estranhos tipos humanos e de bizarras formas de organização social. Seu olhar era cândido, irônico, brilhante.

Bem, reencontrei o homem da Renascença no melhor livro que li em 2009, “Bicycle diaries”, blague de um velho latinófilo com “Diários de bicicleta”, de Che Guevara, levado ao cinema por Walter Salles. A capa dura vermelha da editora Viking protege o pedalar e o pensamento de Byrne por Berlim, Istambul, Buenos Aires, Manila, Sydney, Londres e um punhado de cidades americanas, em especial São Francisco e Nova York, onde este escocês sossegou depois de passar a infância em Hamilton, Canadá, e a adolescência
em Baltimore.

Aos 57 anos, Byrne pedala habitualmente por toda Nova York. Ele conta que já teve de se desviar de Paris Hilton, que atravessava a rua com o sinal vermelho para pedestres, o seu cãozinho na coleira e a expressão “eu sou Paris Hilton, você não me reconhece?” na cara. Em viagem, ele carrega uma bicicleta dobrável, o que lhe permite sentir o clima com mais liberdade do que se estivesse de carro e mais abrangência do que se andasse a pé.

O escritor inglês Will Self gosta de fazer quase o mesmo caminhando, às vezes até do aeroporto ao centro de uma cidade. Em “Psychogeography”, de 2007, ele diz que aderiu a longas caminhadas “como um meio de dissolver a matrix mecanizada que comprime o espaço-tempo e desconecta o humano da geografia física”. No capítulo dedicado ao Rio, Self ganha o apelido de Hitler na vizinhança suspeita de seu hotel por carregar o pocket de “Ascensão e queda do Terceiro Reich”, de William L. Shirer, com uma suástica na capa.

O estilo de Byrne é diferente do de Self. Não apenas no meio de transporte. Se o inglês é gongórico-misantrópico, como sempre, o nova-iorquino é cristalino-humanista. Pode-se ler “Bicycle diaries” como uma sequência de posts num blog. Claro, um blog bem escrito e não-ególatra, cujos tags seriam ciclismo, urbanismo, artes plásticas, arquitetura, música, história, sociologia, psicologia, antropologia. O homem da Renascença, lembre-se.

Byrne articula esses posts não apenas por cidades _ algumas visitadas mais de uma vez no decorrer dos anos_ mas também por assunto. Cada capítulo constitui um pequeno ensaio, com um tema central. O de Istambul, por exemplo, trata das tensões entre Ocidente, representado por um festival de rock proibido, e Oriente na cultura turca. O de Sydney trata das hostilidades da natureza australiana com o ser humano, como se uma dissesse ao outro “você não é bem-vindo aqui”, e do colonizador europeu com os nativos aborígenes.

Ele descreve como o sapo-cururu, introduzido na Austrália para combater insetos nas lavouras, tornou-se ele mesmo uma praga, e uma praga cuja pele secreta um veneno que, em pequenas doses, causa delírios e, em grande doses, pode matar. Alguns cães ficaram viciados em lamber sapos-cururus. “Pessoas também morreram por causa deles”, escreve Byrne. “Porque, como nos cães, uma lambida num sapo-cururu pode estimular alucinações que duram cerca de uma hora, e alguns caras não são tão espertos quanto cães.”

São essas pequenas iluminações, centenas delas, às vezes zen-budistas, que tornam “Bicycle diaries” tão bom. Byrne é um três-em-um: viajante não-etnocêntrico, observador inteligente e escritor habilidoso. Pegue-se o post do aviso na porta giratória da catedral de St. Paul, em Londres: “Esta não é outra senão a casa de Deus. Este é o portão do Paraíso.” Byrne se espanta com tamanha solenidade numa mera porta giratória e conjectura: “Acho que diz isso de trás pra frente quando você está dentro.”

Na pesquisa para o estranho projeto de um filme que relacione Imelda Marcos e cultura discotèque, Byrne vai parar em Manila. Pedalando pela orla da cidade, ele se espanta com a quantidade de karaokês e toma conhecimento de que alguns filipinos reclamam para o país a invenção dessa modalidade de diversão. Aí vem a sacada: “Há até um canal de karaokê na TV. Infinitos vídeos baratos e cafonas com música tocando e letras rolando. Você pode ficar em casa e cantar junto com a sua televisão. É como algum tipo radical de obra de arte conceitual _ mas, diferentemente de arte conceitual, é superpopular.”

“Bicycle diaries” termina com uma série de desenhos sugeridos por Byrne para novos bicicletários em Nova York. O homem da Renascença, lembre-se.

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“Diários de bicicleta” acabou de sair no Brasil, pelo selo Amarilys, da editora Manole, com prefácio de Tom Zé. A versão brasileira, amarela, está tão bonita quanto a americana, mas sobre a tradução que apenas folheei qualquer comentário seria precipitado.

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Superpoderes Ciclísticos: Sensualidade

A publicidade é capaz de convencer as pessoas a sonharem com o que não podem ter ou desejarem o que não precisam. As boas campanhas podem incentivar comportamentos positivos, mas nenhuma quantia em dinheiro pode ser capaz de convencer as pessoas a mudarem seu comportamento por muito tempo. Não bastam imagens, textos criativos e um mundo publicitário mágico se a realidade não for condizente.

Pedalar precisa ser “sexy” e isso a publicidade pode fazer. A bicicleta tem de ser aceita socialmente e campanhas informativas podem ajudar. Mas todo e qualquer esforço só faz sentido quando mais ciclistas ganham as ruas. E uma cidade que coloca as pessoas em primeiro lugar é certamente um lugar mais “sexy”.

Afinal, nada mais sensual do que uma bicicleta que desliza macia com uma pessoal bonita em cima. As duas rodas que equilibram-se graças ao movimento constante e que traz sempre consigo a brisa que levanta cabelos e abre sorrisos.

A beleza está sempre nos olhos de quem a vê e a bicicleta certamente é uma boa ferramenta para abrir os olhos para a sensualidade das pessoas e das cidades.

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Aventuras sem freios

A bicicleta como veículo lúdico e hobby divide-se em incontáveis “tribos”. Variam os diâmetros de roda, dimensões e geometria do quadro, materiais, relações de marcha, etc. Em comum, sempre, as duas rodas, os pedais e a possibilidade de usar a bicicleta como lazer e meio de transporte.

Em vídeo, duas tribos:

Fixeiros que vão de Tóquio a Osaka

No inverno canadense, galera do BMX monta rampa na sala de um apartamento.

A busca por adrenalina também pode ser saciada pela bicicleta e é isso que a maioria das “tribos ciclísticas” fazem. Mas bicicleta não pode ser atividade “de menino” em que os riscos vão além do necessário e grupos se formam e transformam-se em tribos.

Essa divisão dos ciclistas em tribos é ao mesmo natural e tem grandes desvantagens. Seres humanos sempre se filiam a grupos de interesse comum, mas quando a bicicleta fica circunscrita somente a “nichos” ou “tribos”, a mobilidade por bicicleta tende a ser prejudicada.

Nas sociedades mais amigas do ciclista (e da boa mobilidade urbana em geral) pedalar é um pouco como escovar os dentes. Está introjetado nas pessoas, ninguém compara modelos de escova com os amigos ou costuma sair mais com usuários de determinado creme dental.

Mas nem só de pedaladas cotidianas vivem os ciclistas. É sempre bom que também existam as tribos e que rapazes loucos embarquem em aventuras sem freios. Nas estradas do Japão ou em um apartamento no Canadá.

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