Bicicleta na ladeira do senso comum

Foto: ITDP Brasil

Inauguração Ciclovia Avenida Paulista Foto: ITDP Brasil

Promover o uso da bicicleta no Brasil ainda envolve uma série de pequenas ladeiras assentadas no senso comum. O discurso de preservação do meio ambiente e dos benefícios para a saúde são rotineiramente utilizados como ponto de partida para qualquer discussão. O velho clichê de quem pedala vai salvar o mundo e ter mais qualidade de vida.

Essa abordagem funciona em reportagens televisivas e campanhas publicitárias, mas não é elemento decisivo para mudanças de atitude individual e na transformação efetiva da paisagem urbana.

Símbolo de liberdade e ferramenta de transformação urbana

Bicicleta como poster de marca de roupas é a apropriação do veículo como símbolo e certamente traz impacto mental positivo ao tornar cada vez mais as magrelas como figura onipresente no imaginário popular. No entanto, um bicicletário na porta da loja é não apenas a adoção de uma bandeira, mas a valorização efetiva de quem pedala além de encorajar mais pessoas a faze-lo.

O papel da sociedade civil, o que naturalmente inclui a Transporte Ativo, é abraçar as transformações, mesmo as superficiais, e colaborar para aprofundá-las. A mentalidade rodoviarista do século XX ainda resiste e desmontá-la requer ações conjuntas e inteligentes. No âmbito do fortalecimento de políticas públicas, a visão tem de ser ainda mais estrutural.

Nos idos de 2006 fez sucesso o desafio intermodal. Iniciativa de grande apelo midiático e que provou de forma simples o que para quem pedala era apenas o óbvio, que a bicicleta é o veículo mais rápido no congestionado meio urbano. Iniciativa menos formatada ao jornalismo televisivo, o perfil do ciclista brasileiro no entanto apresentou papel similar ao novamente apresentar a quem está longe do selim, o que nos parece óbvio. Dessa vez foi apresentada a informação do uso da bicicleta e sua importância como veículo, em especial para as pessoas mais pobres.

O perfil do ciclista apareceu em mais de 56 notícias, desde blogs especializados ao Jornal Nacional. Uma pequena pedalada para dar visibilidade aos ciclistas e mostrar a importância de encarar com seriedade a urgência de políticas públicas sérias em favor da mobilidade em bicicleta.

Bicicleta na agenda política

Iniciativas como o perfil do ciclista, contagens fotográficas e outras são atalhos possíveis para criar um ambiente favorável para a promoção ao uso da bicicleta. O fornecimento de dados mensuráveis e confiáveis são um caminho fundamental para fortalecer quem já trabalha o mobilidade cicloviária dentro da máquina pública.

As análises e recomendações do ITDP Brasil para São Paulo é uma dessas iniciativa. Já parte do pressuposto que infraestrutura é fundamental e buscar ir além. Promove ao mesmo tempo uma perspectiva favorável em relação à bicicleta e facilita mudanças de comportamento para modos suaves de deslocamento.

São dois eixos principais:

  • identificação do histórico de ações, programas e políticas de mobilidade por bicicleta;
  • análise da rede cicloviária implantada no município de São Paulo.

Conhecer o longo caminho até a adoção da bicicleta como ferramenta de transformação urbana é fundamental para que se possa seguir esse caminho, ultrapassando bandeiras partidárias.

Saiba mais:

Para além da visibilidade

Uma boa política pública precisa ter visibilidade e também abrangência. O desafio é portanto que as pessoas possam conhecer as mudanças e desfrutar delas. O Rio de Janeiro nos dá um bom exemplo do caminho traçado durante o século XX da motorcracia e o que está sendo feito para valorizar uma outra mobilidade no século XXI.

A conexão cicloviária entre a zona Sul e a zona Oeste é demanda antiga de ciclistas cariocas. Todos os trajetos disponíveis (por enquanto) envolvem cruzar maciços rochosos em túneis feitos para o fluxo motorizado expresso, ou subir e descer montanhas. A ciclovia que contorna a avenida Niemeyer, fincada nos pilares do costão, é o primeiro passo para quebrar barreiras geográficas para a bicicleta. Agora quem quiser ir do Leblon a São Conrado pode fazer o trajeto com conforto e segurança.

100 anos de atraso

Com suas rampas suaves e curvas sinuosas, a avenida Niemeyer é um livro escrito na rocha, testemunho da fascinação do século XX pelos motores. Idealizada para ser uma ligação ferroviária, logo tornou-se estrada. Os trabalhos de abertura começaram ainda no século XIX, mas a inauguração data de 20 de outubro de 1916. O grande responsável pela conclusão do trajeto foi o comendador Conrado Jacob Niemeyer, grande proprietário de terras na região e que depois de patrocinar a obra de ligação das chácara do Leblon à antiga praia da Gávea cedeu o direito de passagem em suas terras à prefeitura.

Para a visita do rei da Bélgica em 1920 a estrada em homenagem ao comendador Niemeyer foi ampliada e pavimentada. Lógica similar ao que aconteceu com a linha Vermelha, uma “ampliação” de um viaduto para a passagem dos chefes de Estado em visita ao Rio para a Eco92.

Durante os anos 1930 e 1940 o belo trajeto à beira mar foi palco do incipiente automobilismo brasileiro. Foram os tempos do “Trampolim do Diabo”, apelido do Circuito da Gávea que abrigou o Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro.

As Olimpíadas e uma ciclovia à beira mar

Investimentos em mobilidade urbana são o maior dos legados de grandes eventos esportivos. Seja a visita do rei da Bélgica, a Eco92, Copa do Mundo ou Olimpíadas. Os valores gastos pelo poder público com diferentes soluções de mobilidade mostram um progresso. O Rio de Janeiro voltará a ter trilhos na superfície (os novos bondes do Centro), mais metrô (o linhão 1 até a Barra), corredores de ônibus, ciclovias e também obras para a mobilidade individual motorizada.

Continuação da ligação entre as zonas Oeste e Sul, o elevado do Joá foi durante muitas anos o maior atalho expresso entre a Barra e São Conrado. Aos ciclistas e pedestres restava o sobe e desce da sinuosa Estrada do Joá. As pistas para carros e ônibus junto ao mar serão duplicadas e, de brinde, a futura ciclovia também terá um atalho de baixa altimetria.

A inauguração da ciclovia da Niemeyer, suspensa no costão rochoso do morro Dois Irmãos, precisa ser guardada como um marco para a cidade. Uma grande obra de importância vital para a circulação em bicicletas. Por hora ainda está longe de representar uma prioridade absoluta para as pessoas que utilizam transportes ativos, mas certamente servirá como exemplo futuro.

O Rio de Janeiro que se modificou para ser confortável para a transporte individual motorizado não foi construído em um dia. A cidade maravilhosa para as pessoas a pé, em bicicleta ou no transporte público aos poucos se mostra aos olhos da população e do mundo.

Saiba mais:

Avenida Niemeyer – História
Fotos do projeto do novo Viaduto do Joá

A inauguração da mais bela das ciclovias

“Imaginação é a faculdade de criar a partir da combinação de ideias; criatividade.”

Quem poderia imaginar uma ciclovia como a que foi feita ao lado da Avenida Niemeyer no Rio de Janeiro? Contornando o costão rochoso entre os bairros de Leblon e São Conrado ela será inaugurada dia 17/01/2016 como a primeira etapa da futura ligação cicloviária completa de toda a orla carioca.

A criação e ampliação da malha cicloviária carioca não é fruto da imaginação de ninguém, apenas uma adequação urbana aos novos tempos. Pedalar em ciclovias faz parte do cotidiano carioca desde os anos 1990 e como a cidade tem uma beleza natural famosa  as bicicletas circulam com paisagens belíssimas ao fundo. Mas a da Niemeyer extrapolou essa qualidade da capital fluminense. Quem imaginaria que a mobilidade urbana carioca acrescentaria uma obra com tamanha capacidade de gerar empatia (e antipatia também) no Rio, no Brasil e mundo afora?

Feliz a cidade que explora os novos tempos de liberdade de opinião para discutir abertamente a validade e qualidade da ciclovia da Niemeyer. A (polêmica) ciclovia ganhou cores fortes, opiniões apaixonadas, declarações de amor ao Rio e de ódio a quem construiu. Há quem queira vir de outros estados para pedalar e há quem pense que a hora é de se mudar do Rio de mala e cuia.

Nossa imaginação pode nos permitir sonhar com o dia em que a bicicleta será uma unanimidade e que a ciclovia da Niemeyer será o ícone dessa nova matriz urbana, voltada mais para as pessoas que para veículos motorizados. Mas como toda a unanimidade é burra quem pedalar pela nova e mais bonita pista da cidade o fará não só com a vista deslumbrante, mas também com a certeza que pode debater de forma aberta e democrática como será a cidade que queremos.

Para lembrar

A avenida Niemeyer foi palco do famoso vídeo “Como ultrapassar mais de 100 carros em 5 minutos”. Um desafio apocalíptico em uma avenida que só agora permite o acesso seguro e confortável para quem pedala.

Dez anos de ação e informação

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Foram exatos 60 boletins informativos bimestrais da Transporte Ativo ao longo de dez anos. Uma excelente notícia coroa o sexagésimo primeiro, o volume de informações e ações agora justifica a distribuição mensal do nosso comunicado oficial.

Desde o primeiro disparo de emails havia a cada mês a dúvida sobre se haveria uma quantidade suficiente de ações, eventos e notícias na imprensa para divulgar. A cada bimestre o que nascia como espaço em branco era facilmente preenchido com novidades. Alcançar a necessidade de informações mensais pelo excesso de informações nos boletins é portanto uma grande conquista.

Para receber o boletim informativo bimestral da Transporte Ativo, basta entrar em contato.

Nesse link também é possível conferir todos os informativos anteriores e mais.

Pedalemos.

De volta para o futuro de utopias

O futuro está sempre preso a nossa capacidade de imaginação e esta, reside firme no presente. Talvez a maior dificuldade da arte da ficção científica seja vislumbrar um por vir  menos centrado em avanços tecnológicos cercado de distopias.

A mensagem geral é de que a humanidade é um projeto biológico que falhou. Certamente falhamos, principalmente em nossa capacidade de sonhar com utopias. Mas sempre é tempo de desbravar caminhos.

Para imaginar o futuro de São Paulo

Um projeto quer desencavar rios, primeiro de maneira simbólica, para em seguida promover as modificações físicas necessárias. A cidade deve voltar a ser azul, da cor da água de seus mais 300 km de rios espalhados por mais de 4.000 km de extensão.

 

A premissa é simples, é preciso ver para cuidar. Mas antes mesmo de ver, é preciso imaginar e aí entram as utopias. Uma utopia com mais natureza, árvores urbanas, permacultura, criatividade, convivência, espaço público.

Felizmente pequenas ações já podem nos ajudar a definir caminhos e sonhar com paraísos terrenos. A promoção ao uso da bicicleta e o cicloativismo é um desses caminhos, as hortas urbanas e todo uma organização em torno do trabalho que não está centrado no dinheiro, mas na dedicação voluntária pela transformação do entorno. Ao mesmo tempo, até na Fernando de Noronha já está com bicicletas em seu território. Foi o arquipélago brasileiro que inspirou Thomas More a conceber sua ficção “Sobre o melhor estado de uma república e sobre a nova ilha Utopia”, conhecida simplesmente como Utopia.

Valores desastrosos, escolhas equivocadas e mau comportamento são características que podem levar sociedades ao colapso, histórias de fracassos e sucessos ao longo do tempo ajudam a rever o passado com uma noção clara da importância das encruzilhadas de escolhas com as quais nos deparamos diariamente.

Mobilizar a comunidade local para agir em uma praça, redecorar uma esquina ou redesenhar espaços públicos e parte fundamental para que os não-lugares de nosso presente quase distópico tornem-se no futuro a realização de sonhos.

Saiba mais:

Cidade Azul (ajude a financiar no Catarse)
City Repair Project: Portland Gems and Growing Pains
Começa o projeto Bike Noronha, a ilha tem bicicletas públicas com uso grátis

Livros:

Colapso – Jared Diamond
Nowtopia – Chris Carlsson