Pedestres e comércio

Associações de lojistas e comerciantes em geral tendem a ser contra iniciativas que abram espaço para a livre circulação de pedestres em detrimento do fluxo motorizado. Felizmente acabam sendo sempre maravilhosamente desacreditados em suas previsões e medos iniciais.

Calçadões e ruas exclusivas para pedestres tendem a atrair mais pessoas e a instalar um ambiente favorável para vendas. Até porque somente estacionamentos tem no fluxo de automóveis a sua atividade final. Pessoas são as responsáveis por comprar, comer e consumir diversão.

Cada rua a mais para o trânsito exclusivos de pessoas é uma benesse para as cidades e ajuda a estimular a demanda que precisamos no espaço urbano. A demanda por qualidade de vida e convívio humano, onde é importante estar e não cruzar em alta velocidade rumo a um destino distante em que as ruas não passam de um borrão indistinto de prédios.

Ruas para pedestres são mais do que “centro de compras a céu aberto”, por serem de livre circulação para todos. Elas fazem mais sentido com uma rede de transporte que dê suporte ao grande afluxo de pessoas. Até porque a valorização do espaço tende no longo prazo a inviabilizar o uso de terrenos como espaço para estacionamento, ou ao menos desencorajam viagens motorizadas pelo alto custo para estacionar.

A foto que ilustra esse post é na mesma rua da foto abaixo. É a Calle Fuencarral em Madrid que antes era assim:

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Google StreetView

As imagens de Madrid foram retiradas de um post no blog português “Menos um carro” que trata de uma reportagem no New York Times. O jornal norte-americano menciona como o comércio da Calle Fuencarral se tornou mais vigoroso depois que as pessoas puderam circular livremente. Bom para as grifes internacionais e as pequenas lojas de estilistas instaladas lá. Tudo partindo da premissa de que as pessoas tendem a frequentar mais um lugar onde podem caminhar com conforto e tranquilidade, sem se esbarrarem umas nas outras.

O Brasil também tem o exemplo pioneiro de Curitiba, cidade modelo nos anos 1970 e que hoje enfrenta enormes desafios pelo crescimento demográfico que sofreu. Fruto, em grande parte, da qualidade de vida de parques, o primeiro calçadão do Brasil e um sistema inteligente de transporte. Um trinca de boas iniciativas urbanas que atrairam pessoas e novos negócios para a cidade.

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Geologia, engenharia e harmonia

O progresso já foi a luta do homem contra a natureza. Onde o importante era descobrir maneiras de controlar e subjulgar o “mundo natural”. Os avanços do século XX levaram essa noção de progresso a extremos que se mostraram hoje um grande erro de concepção.

Canalizações de rios, contenções de encostas, aterros e outras grandes interferências humanas no ambiente podem ser compreendidas somente em tragédias como as que atingiram o Rio de Janeiro nesse começo de abril de 2010.

Onde antes haviam rios, florestas, pântanos e lagoas hoje está presente o asfalto e o concreto. O poder humano diante da intensidade das chuvas em um país tropical é insignificante.

Da mesma forma que a problemática ocupação urbana carioca foi produzida ao longo de algumas centenas de anos, pelo menos mais algumas décadas serão necessárias para reverter os malefícios.

A construção de uma cidade mais humana é também a luta por uma cidade que saiba conviver melhor com o ambiente natural. Medidas podem ser tomadas para reverter a ocupação irregular de encostas que tira vidas. Mas não só isso.

Os rios, córregos e corpos d’água nunca mais poderão ser os mesmos de antes da ocupação humana, resta a cada dia buscar devolver-lhes um pouco do espaço e possibilitar que possam fluir o mais próximo possível do natural.

Além disso, todas as medidas de construção de uma cidade em harmonia com a natureza passa pelo melhor uso do ambiente urbano. O espaço de circulação, hoje intensivo no uso de asfalto e concreto pode dar lugar a mais árvores e vazios para drenagem. As construções podem ser mais do que esculturas a base de tijolos e cimento para também serem capazes de absorver um pouco da água das chuvas e impedir as enxurradas que destroem e inundam.

Qualquer cidade é fruto das escolhas feitas por seus habitantes. Cidades viáveis no futuro serão aquelas que souberem lidar com as adversidades de maneira adequada além de reverter um quadro desfavorável. Não é apenas um voto em prol da qualidade de vida, mas também da sobrevivência.

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Peça seu próprio bicicletário

O ciclista paulistano Palmas (@opalmas) bolou um modelo de carta que pode, e deve, ser enviado a todos os estabelecimentos comerciais frequentados por qualquer ciclista. Há menção a lei 13.995 equivalente no Rio de Janeiro a Lei Complementar 77 . Caso sua cidade não tenha uma lei que disponha sobre a obrigatoriedade de bicicletários, vale seguir o exemplo das duas maiores cidades brasileiras e sugerir a um vereador que proponha legislação semelhante.

No entanto, mesmo sem lei, o teor da carta é adaptável para qualquer cidade:

Caro responsável pelo supermercado do meu bairro,

Sou cliente assíduo da loja e gostaria de sugerir a construção de um local para prender as bicicletas em frente ao estabelecimento.

Sempre vejo outros clientes ciclistas amarrando a bicicleta em qualquer lugar. Vale ressaltar que segundo a lei municipal (xxx de xx de y de xxxx), todo estabelecimento de grande fluxo de pessoas é obrigado a instalar os estacionamentos para Bicicletas.

Abaixo alguns motivos que acredito podem ser suficientes para criar o bicicletário sem necessitar da obrigatoriedade da Lei:

1) o trânsito de (insira aqui sua cidade) está caótico, e as pessoas não aguentam mais perder tempo dentro do carro.

2)Com a bicicleta, podem chegar mais rápido. Afinal para distâncias de até 5 km pedalar sempre demora menos. E provavelmente a maior parte de seus clientes está a uma distância inferior a essa do seu estabelecimento.

3) o custo de ter um carro está cada vez mais caro, e pessoas de todas as classes sociais estão optando por outros tipos de transporte para economizar dinheiro.

3) a preocupação com sustentabilidade é cada vez maior, e cada vez mais pessoas tomam decisões que tendem a reduzir o impacto no meio ambiente. A bicicleta é um meio não-poluente e silencioso, e portanto uma ótima alternativa ao carro nesse sentido.

4)Última e mais importante: Sabiam que na vaga de um carro cabem 12 bicicletas? Então pensem o que trás mais dinheiro para o Supermercado, 12 clientes de bicicletas ou um cliente de carro?

Seguem como sugestão material informativo sobre bicicletários. Além de algumas empresas que podem providenciá-los caso não queiram recorrer a serralheria mais próxima:

Por fim uma reportagem recente de um shopping que acabou de inaugurar e recebeu uma mídia negativa devido ao desconhecimento da Lei.

Coloco-me a disposição para auxiliá-los, caso tenham alguma dúvida.
Grato pela atenção e no aguardo de uma resposta,

Ciclista Comprador

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Fluxos de Água e de Vida

Condição fundamental para a existência de vida, a água sempre foi fator preponderante em qualquer ocupação humana. Ao redor de rios cresceram cidades e deles retiravam o precioso líquido, mas também transportavam-se neles, podiam extrair energia. O fluxo das águas sempre esteve associado a qualidade de vida, em seu mais amplo sentido. Desde a garantia de sobrevivência até a beleza da paisagem.

Durante o século XX, sempre ele, as ocupações urbanas intensificaram ainda mais a perda de simbiose com o fluxo de vida dos rios. Esgoto, canalizações, rios enterrados para dar lugar ao asfalto.

Esse janeiro de 2010 tem ensinado aos brasileiros, da pior maneira possível, quão importante são os rios e as águas nas cidades. Deslizamentos em encostas e alagamentos nas ruas tem paralizado o trânsito paulistano. A “locomotiva do Brasil”, responsável por mais de 10% da riqueza econômica do país, enferruja um pouco a cada tragédia com mortos e em interrupções do fluxo motorizado.

Os prejuízos financeiros são astrômicos, mas maior é o prejuízo para as pessoas que passam a conviver com o medo e a insegurança. Seja de soterramentos, ou de ficar ilhada por conta de ruas alagadas. E não são exclusividade de São Paulo, são apenas maiores na maior cidade da América Latina.

A tragédia das chuvas em São Paulo ou em qualquer cidade brasileira é acima de tudo um convite a reflexão sobre como construimos nossas cidades e o que está sendo priorizado. As grandes avenidas de São Paulo, assentadas em grande parte no leito de rios e córregos, representam mais um erro de percepção em relação ao poder dos rios.

Piscinões e canalizações nunca serão suficientes e requerem um custo de manutenção proibitivo e que nem sempre será pago. Uma cidade do tamanho de um país tem sempre prioridades de mais para poder cuidar de todas com a devida atenção.

Humanizar as cidades é também tratar de maneira correta seus rios. Devolvendo-os para que a população possa usufruir deles (como foi feito em Seoul) ou simplesmente permitindo que eles aos poucos possam voltar a serem rios. Poderosos fluxos de água que seguem sempre o caminho mais fácil que a gravidade lhes manda tomar.

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Aos pedais e ao trabalho

Churrasco sobre rodas

Esse que sorri é o Brito, tradicional churrasqueiro que atende seus clientes no bairro da Liberdade em São Paulo. A bicicleta cargueira tem apetrechos extras, duas caixas de isopor com gelo para as bebidas e a disposição de alimentar as pessoas que buscam comida barata estacionada na calçada.

Churrasco sobre rodas

Uma outra bicicleta tem pedais mas as rodas que giram não são capazes de tirar o ciclista da imobilidade. Trata-se de uma solução adaptada em que as pernas são o motor da máquina de amolar. Facas, tesouras, alicates de unha, tudo afiado com pedaladas.

Amolando com pedais

Duas maneiras de ganhar a vida, movidos pelas próprias forças.